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CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Da Teoria da Variação ou Sociolingüística Variacionista

2.1.1 A relação entre variação e manutenção lingüística

Desde o primeiro estudo sociolingüístico desenvolvido por Labov, sobre o inglês falado na comunidade de Martha’s Vineyard, vários outros se seguiram, como por exemplo, estudos sobre a estratificação social do inglês falado na cidade de Nova Iorque; um estudo sobre a língua do gueto, isto é, sobre o inglês vernáculo dos adolescentes negros do Harlem, Nova Iorque; estudos sociolingüísticos da Filadélfia, entre outros. A partir dos estudos de Labov, vários outros estudos sociolingüísticos foram realizados e continuam sendo realizados até os dias atuais, focalizando a variação em diferentes comunidades de fala, conforme ilustra Tarallo (1990):

(...) uma enorme quantidade de estudos lingüísticos de outras comunidades de fala já foi realizada por outros pesquisadores da área [Sociolingüística]: sobre o espanhol falado na cidade do Panamá; sobre o espanhol falado por porto-riquenhos residentes nos Estados Unidos; sobre o inglês falado em Norwich, Inglaterra, e em Belfast, Irlanda; sobre o francês falado na cidade de Montreal, Canadá; e sobre o português falado nas cidades do rio de Janeiro, Belo Horizonte, Belo Horizonte e São Paulo. (Tarallo, 1990: 8)

No que diz respeito aos estudos sociolingüísticos citados por Tarallo, chamamos a atenção para dois estudos sobre a variação vocálica no inglês falado em três bairros de classe trabalhadora de Belfast (Irlanda), desenvolvidos, respectivamente, por Lesley Milroy (1980) e James Milroy (1992). No primeiro, a autora verifica que o emprego das variantes só poderia ser explicado, no que se refere ao componente social, pela estrutura das redes sociais em que se integram os informantes, uma vez que características como bairro e status social eram as mesmas para o grupo considerado. No segundo, ao abordar questões relativas à natureza social da mudança lingüística, o autor sugere três princípios gerais para o modelo social da mudança e estabelece um paralelo entre esses princípios e os fundamentos empíricos propostos por Weinreich, Labov & Herzog (1968).

Embora, os dois estudos se orientem pela Sociolingüística laboviana, ambos apresentam uma abordagem complementar sobre as questões que envolvem a variação e a mudança lingüística: no primeiro é introduzido o conceito de rede social como variável

independente e no segundo, dá-se ênfase ao conceito de manutenção lingüística. Desse modo, o que diferencia esses trabalhos dos estudos desenvolvidos por Labov (1968; 1972; 1975) é a idéia de que a variação e a mudança lingüística são resultados da interação entre falantes em contextos sociais, que não podem ser explicadas apenas através do próprio sistema lingüístico ou por fatores sociais que não levam em conta o contexto situacional em que se dá a interação entre os falantes de uma comunidade lingüística, como classe social e nível de escolaridade, por exemplo. A partir desses estudos, os autores invocados propõem a integração do estudo da variação lingüística de vertente laboviana à análise das redes de relacionamentos sociais existentes entre os falantes, isto é, a observação da variabilidade dos usos lingüísticos a partir do contexto em que se dá a interação entre os membros da comunidade lingüística analisada, o que pretendemos adotar neste estudo.

Observar exclusivamente a variação e/ou a mudança e ignorar que a manutenção lingüística, de acordo com Milroy (1992: 10-11), é um procedimento que não leva em conta fatores sociais. “Entretanto se voltamos nossa atenção para a questão mais básica: por que algumas formas e variedades permanecem estáveis enquanto outras mudam, não há como evitar a referência à sociedade.”12 Em outras palavras, Milroy se propõe a investigar não só o que é de fato a mudança lingüística, como e por que ela acontece, mas também em que condições ela não acontece em determinados contextos. Para o estudo da manutenção, entretanto, é necessária uma orientação teórica que abarque, integralmente, os processos sociais. Conforme o autor, “tal orientação, ao contrário das teorias que tratam apenas da mudança lingüística, é sociolingüística em sentido amplo” (Milroy, 1992: 13). 13 Assim, com o intuito de investigar o contexto situacional em que se dá a interação entre os falantes inseridos na comunidade lingüística analisada, de acordo com Milroy (1980), é utilizada a variável rede social, também utilizada neste estudo e que será melhor definida na seção 2.2.2.

Em relação ao paralelo estabelecido entre os princípios gerais propostos pelo autor e os fundamentos empíricos propostos Weinreich, Labov e Herzog (1968), observa-se que enquanto estes se preocupam com padrões lingüísticos de mudança, aqueles, por se orientarem pela idéia de estabilidade e manutenção, preocupam-se com a natureza social da variação lingüística. É importante ressaltar aqui, que o termo ‘social’ não é usado pelo autor com referência a julgamento de prestígio ou à classe social e sim com referência à sociedade.

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However, if we pose the more basic question why some forms and varieties remain stable while others change, we cannot avoid reference to society. ( Milroy, 1992: 11) tradução nossa

13

Such an orientation, in contrast with theories that have focused on change alone, is in the fullest sense

Embora não haja nenhuma contradição necessária entre esses princípios, Milroy reinterpreta os ‘fundamentos empíricos’ sob o ponto de vista de suas experiências com a análise sociolingüística, pois mesmo ciente de que a mudança está em progresso no tempo em uma determinada comunidade lingüística, percebe-se, em alguns estudos, que algumas estruturas lingüísticas de estágios anteriores tendem a ser preservadas; assim como foi observado em Mendes (2000) em relação à manutenção da ausência de artigo definido diante de antropônimos na fala dos habitantes de Barra Longa/MG: “Concluo que a língua pretérita e a língua oral do português contemporâneo desta comunidade retiveram uma estrutura pretérita da língua latina” (Mendes, 2000: 149).

De acordo com Milroy, estabilidade lingüística pode ser definida como “o acordo entre os falantes sobre padrões de variação e sobre as funções sociais das variantes” e que, portanto, “a mudança lingüística é a mudança de acordo sobre as normas de uso e o que se observa na quantificação dos dados é a diferença na incidência quantitativa de determinadas variantes em grupos sociais particulares.” (Milroy, 1992: 91)14. Assim, para Milroy não é a língua que muda e sim o consenso que se estabelece entre os falantes. Entenda-se por norma consensual, segundo o autor, o consenso lingüístico implícito partilhado por falantes uma comunidade de fala.

Sob essa perspectiva, a análise da variação dos usos lingüísticos associada à analise das redes sociais em que se integram os falantes permite ao pesquisador buscar explicações para o fato de por que, em determinados contextos, algumas estruturas lingüísticas permanecem estáveis, isto é, não mudam. Vale ressaltar, entretanto, que Milroy não nega o fato de a variação ser inerente ao sistema, pelo contrário, ele defende a idéia de que no interior da comunidade de fala convivem padrões lingüísticos variáveis, porém constantes.

Em suma, frisamos que os pressupostos fundamentais para o estudo da variação lingüística que se desenvolve aqui são os de que:

(i) a heterogeneidade da língua em uso é regulada por regras variáveis que funcionam para favorecer o emprego de uma ou outra variante, em determinadas condições e contextos, lingüísticos e extralingüísticos (LABOV, 1972);

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(...) “linguistic stability consists in agreement on patterns of variation and on the social functions of the variants (…) Linguistic change, therefore, is change in agreement on norms of usage, and what we observe in our quantified data is difference in the quantitative incidence of certain variants in particular social groupings.” (Milroy, 1992: 91) tradução nossa

(ii) ao se focalizarem os usos lingüísticos de uma comunidade de fala devem ser levadas em conta as condições em que se dão as interações entre os falantes dessa comunidade (MILROY, 1992).

Em outras palavras, consideramos que, ao estudar um fenômeno lingüístico variável em uma determinada comunidade, há que se levar em conta, além dos conceitos de variação e mudança lingüística, o conceito de manutenção lingüística e a correlação desse processo à análise das redes sociais dos membros da comunidade de fala.

2.2 A comunidade de fala e as redes sociais dos falantes: o locus da