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CAPÍTULO 1 – O ARTIGO DEFINIDO E O ANTROPÔNIMO

1.3 A variação ausência/presença de artigo definido diante de antropônimos

1.3.2 Estudos específicos

1.3.2.2 Estudos realizados nas comunidades de Belo Horizonte e Barra Longa/MG

Conforme se disse em 1.3.2, os estudos de Moisés (1995) e Mendes (2000), constituem os principais suportes teóricos, pois tratam do uso do artigo no contexto estudado a partir da análise de dados orais das duas comunidades de fala abordadas em nossa pesquisa: Belo Horizonte e Barra Longa.

Orientada por uma abordagem funcional-discursiva, Moisés (1995) investiga as condições de ocorrência do artigo definido no português culto em Belo Horizonte. Tal investigação se desenvolve a partir da análise de dois corpora: o primeiro, constituído de dez narrativas orais referentes a um mesmo filme, em que um falante o relatava a um ouvinte que não o havia assistido; o segundo, constituído de uma gravação de trinta minutos de conversa espontânea envolvendo seis falantes. Os seus entrevistados têm entre 21 e 39 anos, moram em Belo Horizonte há pelo menos oito anos e estão cursando ou já concluíram o ensino superior – caracterizando, assim, o português culto da cidade.

A partir da análise do segundo corpus foram encontradas ocorrências significativas de antropônimos, articulados ou não. Dentre essas ocorrências, Moises verificou que, em 73% dos dados, prevaleceu a presença de artigo definido diante de antropônimos e em 27% dos dados prevaleceu a ausência. Diante da observação desses resultados a autora chega a duas conclusões principais. A primeira diz respeito à posição do SN – em que se encontra o artigo definido – em relação ao verbo. Segundo ela, há uma tendência ao emprego do artigo definido junto ao antropônimo, mais nitidamente flagrada quando esse ocorre à esquerda do verbo, ou seja, o antropônimo que exerce a função sintática de sujeito ou de tópico de sentença tende a receber o artigo definido.

A segunda conclusão a que chega a autora se relaciona com o traço de familiaridade ou intimidade apontado pelas gramáticas tradicionais como uma explicação para o uso do artigo antes de nomes de pessoas. Na análise dos dados obtidos, ela observa que a intimidade entre falante e/ou ouvinte e o referente do antropônimo não é suficiente para explicar a preferência por uma das variantes, pois vários foram os casos em que os entrevistados se referiram a um mesmo antropônimo ora articulado, ora não-articulado.

Assim como nesta pesquisa, o estudo de Mendes (2000) se desenvolve a partir de dados de fala da comunidade de Barra Longa. Entretanto, como o objetivo da autora era realizar uma pesquisa diacrônica, verificando se o fenômeno em questão caracterizava-se como um caso de retenção lingüística, ela trabalhou com dois corpora diferentes. Um corpus

de língua escrita pretérita, constituído por dezessete textos notariais e eclesiásticos dos séculos XVIII e XIX e um corpus de língua oral contemporânea, constituído por dez entrevistas feitas com pessoas idosas nascidas em Barra Longa.

Para desenvolver a análise dos dados, Mendes se apóia nos pressupostos teórico- metodológicos que têm como base a conceituação de Lingüística Histórica dada por Bynon (1977). Esse modelo teórico-metodológico se caracteriza pela preocupação em “investigar e descrever como as mudanças ocorrem ou como o sistema lingüístico preserva uma estrutura ao longo do tempo” (BYNON, 1977: 1). 9

Trata-se de um estudo que busca estabelecer a relação entre o processo de variação observada na língua em um determinado momento, isto é, na perspectiva sincrônica, com os processos de mudança que estão acontecendo na estrutura da língua ao longo do tempo, na perspectiva diacrônica. É interessante observar que, através da correlação entre dados do presente e dados de estágios anteriores de uma língua, é possível perceber que determinadas estruturas se mantêm estáveis ao longo dos séculos.

A combinação de informação sincrônica e diacrônica, no que se caracteriza como uma abordagem pancrônica do estudo da língua, fornece uma descrição mais densa, com possibilidade de explicação mais completa do fenômeno sob investigação. Dito de outra forma, não se pode negar a idéia de que o estudo lingüístico sincrônico está intrinsecamente associado ao diacrônico, o que justifica a relevância desse estudo para análise aqui desenvolvida.

Nesse sentido, a autora parte do presente para explicar o passado e retorna a ele para, então, apresentar uma análise do fenômeno estudado e entre os resultados obtidos a partir dos dois corpora, constata que a comunidade pesquisada reteve a ausência de artigo definido diante de antropônimos como uma estrutura da língua pretérita dos séculos XVIII e XIX, que, por sua vez, remonta à língua latina. Apesar de ter trabalhado apenas com entrevistados de idade superior a setenta anos, Mendes observa que esse traço lingüístico se estende também aos jovens. Em outras palavras, trata-se de um caso de retenção lingüística passado de geração para geração.

Embora os estudos citados tenham sido desenvolvidos sob uma perspectiva teórico- metodológica diferente daquela utilizada em nossa pesquisa, eles são de grande importância para o desenvolvimento deste estudo. O primeiro porque analisa dados de fala de Belo Horizonte e apresentam resultados significativos sobre a distribuição das variantes

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Historical Linguistics seeks to investigate and describe the way in which languages change or maintain their structure during the course of time. (BYNON, 1977: 1 )

ausência/presença de artigo nessa comunidade fornecendo assim, um suporte teórico sobre o padrão dessa localidade em relação ao fenômeno em que se apóia a análise dos dados aqui apresentados.

O estudo de Mendes, por sua vez, merece destaque especial porque se desenvolve com base em dados de língua escrita pretérita e língua oral contemporânea da mesma comunidade de fala estudada em nossa pesquisa. Vale ressaltar ainda que a motivação para esta pesquisa surgiu, em um primeiro momento, a partir do conhecimento da existência da pesquisa de Mendes, ainda sob o olhar leigo de uma moradora da comunidade de Barra Longa, hoje, autora deste estudo.

1.3.3 A proposta deste estudo

Em Alves (2007), estudo de caráter experimental, analisamos o comportamento lingüístico de quatro jovens de Barra Longa que residem Belo Horizonte. Vale ressaltar que Belo Horizonte figurou como cidade escolhida para comparação, devido ao fato de que esta cidade, de acordo com Moisés (1995) e com observações não-sistemáticas, possui um padrão lingüístico, em relação a este fenômeno, diferente do de Barra Longa, ou seja, enquanto nesta predomina a preferência pela ausência do artigo diante de antropônimos, naquela predomina a preferência pela presença.

Ainda que a ausência de artigo definido diante de antropônimos, caracterizada por Mendes (2000: 149) como caso de retenção lingüística passado de geração para geração na cidade de Barra Longa, seja percebida também na fala desses jovens, partimos da hipótese inicial de que, para o grupo sob análise, o uso do artigo nesse contexto é variável. Investigamos, portanto, as alterações produzidas pelo contato com Belo Horizonte na fala desse grupo.

Orientada pelos pressupostos teórico-metodológicos da Sociolingüística Variacionista, a constituição do corpus se deu a partir de dados extraídos de entrevistas orais feitas com quatro jovens – dois homens e duas mulheres – de 18 a 30 anos nascidos em Barra Longa, filhos de pais nascidos na região, mas que estavam em Belo Horizonte havia pelo menos cinco anos. Apesar de não se tratar nem de um fenômeno estigmatizado e nem valorizado socialmente, o fator escolaridade também foi controlado – ensino médio completo e ensino médio incompleto.

Além dos grupos de fatores extralingüísticos citados – gênero e escolaridade – foram selecionados, ainda, o fator redes, focalizando o contato dos entrevistados, em casa e/ou no trabalho, com pessoas de Barra Longa, e o fator grau de intimidade do entrevistado com o referente do antropônimo – mais próximo, mais distante e figura pública.

No que diz respeito aos grupos de fatores lingüísticos, há que se ressaltar que foram consideradas não só as expressões referenciais constituídas de antropônimos propriamente ditos, mas também as expressões referenciais caracterizadas como contextos de antropônimos, como, por exemplo, meu irmão/o meu irmão, que apresentam a possibilidade da substituição por um antropônimo e são passíveis de variação em relação ao fenômeno. Assim, foram selecionados os seguintes grupos de fatores: constituição da expressão referencial, circunstância em que a expressão referencial é citada e tipo de sintagma que integra a expressão referencial.

Os 240 dados obtidos a partir da amostra selecionada foram submetidos a uma análise quantitativa realizada com a utilização do sistema VARBRUL 2, criado por SANKOFF (1975), o que permitiu verificar que, em 25 % (59) dos dados, prevaleceu a presença do artigo definido diante de antropônimos. É importante ressaltar que, embora o programa de regra variável tenha sido utilizado, não se pretendeu controlar, nesse estudo piloto, os pesos relativos de cada grupo de fator, devido ao reduzido número de dados.

No que concerne à atuação dos fatores lingüísticos, verificou-se que apenas as expressões referenciais constituídas por não-antropônimos e antropônimos – como, por exemplo, meu tio Antônio/o meu tio Antônio – são apresentadas com um comportamento diferenciado em relação ao uso do artigo, ou seja, 67% dos dados são antecedidos pelo artigo, o que vai de encontro aos resultados gerais. Diante desses resultados, verifica-se que não se pode fazer afirmações categóricas a esse respeito, tendo em vista o reduzido número de dados (6). Conclui-se, entretanto, que seria interessante controlar, nesse caso, a atuação do fator indivíduo. No grupo circunstância em que a expressão referencial é citada, comparado aos resultados gerais, o índice de uso do artigo é mais baixo (15%), quando a expressão é retomada no discurso, isto é, quando a expressão já foi citada anteriormente, o que contraria os resultados de Moisés (1995).

No que se refere aos fatores externos, os grupos de fatores redes e grau de intimidade do entrevistado com o referente são os mais relevantes. A partir da análise do fator grau de intimidade, percebe-se que, quando a expressão referencial se refere a uma pessoa pública, há uma preferência maior pelo uso do artigo em relação aos referentes mais próximos do entrevistado. Quanto ao fator redes, observa-se, na fala dos jovens, que, estando em Belo

Horizonte, morar ou trabalhar com pessoas de Barra Longa, parece ser relevante em relação ao fato de usar ou não o artigo definido diante de antropônimos.

Os resultados desse estudo nos permitem observar que o comportamento lingüístico do grupo sob análise, em relação ao uso do artigo, parece estar diretamente relacionado a fatores extralingüísticos, sobretudo, no que se refere ao tempo que esses jovens estão em Belo Horizonte e ao grau de contato que mantêm com pessoas da comunidade de origem. Percebemos, então, a necessidade de controlar esses dois grupos de fatores na análise das alterações observáveis no uso do artigo diante de antropônimos pelos jovens que estão fora.

Desse modo, tendo em vista que, para uma análise mais consistente, seria necessário um número maior de dados, a partir de observações intuitivas e dialogando com as conclusões de Mendes, pretendemos avançar um pouco mais nesta pesquisa, numa tentativa de contribuir para os estudos a respeito à variação do uso do artigo diante de antropônimos no português mineiro e, conseqüentemente, no português brasileiro.

Além da observação das redes de relacionamentos existentes entre os falantes da comunidade de Barra Longa, o que levamos em consideração para a elaboração desta pesquisa é a ponderação feita em Mendes (2000: 149) “Embora apenas tenham sido utilizados dados fornecidos por entrevistados idosos, o que pode, em princípio, induzir o leitor a acreditar que este tipo de estrutura pertence apenas ao sistema lingüístico das pessoas idosas, vale frisar que tal fato não ocorre”.

Com base nessa afirmação, a autora invocada evidencia que a ausência de artigo definido diante de antropônimos é uma retenção lingüística não só utilizada por pessoas idosas, mas também por um grupo heterogêneo de barra-longuenses. Tal afirmação é endossada aqui com base em Alves (2007), em que observamos que também parecem se integrar a esse grupo os jovens que, para trabalhar e/ou estudar, vão morar em outras cidades onde o padrão lingüístico difere do de Barra Longa, como é o caso de Belo Horizonte.

Segundo Chagas (2002: 141), uma das formas de se perceber que as línguas passam por mudanças é o contato com pessoas de outras faixas etárias – quanto maior a diferença de idade entre duas pessoas, maior a possibilidade de se encontrarem diferenças na forma de falar, podendo-se inferir, a partir de estudos mais aprofundados, traços de mudança lingüística em progresso. De acordo com Oliveira (1982), pode-se observar o seguinte com relação à faixa etária: nos casos de mudança em progresso, as freqüências mais altas de realizações de uma inovação estão numa relação inversa com a idade, o que foi observado em Amaral (2003) em relação ao fenômeno estudado.

No caso de Barra Longa, observamos que, em relação ao uso do artigo, os jovens tendem a preservar um traço lingüístico inerente às gerações anteriores. Em outras palavras, percebemos que esse comportamento lingüístico é transmitido das gerações mais velhas para as gerações mais jovens, através da influência cultural e das diversas redes de relacionamentos em que se integram os falantes dessa localidade. Isso se deve ao fato de uma comunidade de fala não se caracterizar apenas pelo fato de ser formada por pessoas que falam do mesmo modo, mas por indivíduos que se correlacionam por meio de redes comunicativas diversas e que orientam seu comportamento verbal por um mesmo conjunto de regras.

Ao observar a fala dos jovens dessa cidade que passam a morar em Belo Horizonte, percebemos, entretanto, que o processo de manutenção da estrutura de Barra Longa parece ocorrer de forma variável, isto é, a variação ausência/presença de artigo definido diante de antropônimos tende a ser mais saliente na fala desses jovens, o que parece poder ser explicado pela correlação de fatores lingüísticos e extralingüísticos.

Este estudo trata, então, de uma continuação da reflexão iniciada em Alves (2007), a partir da análise de dados de fala de um grupo maior de jovens que reside em Belo Horizonte. Acreditamos que a ampliação do grupo de informantes e, conseqüentemente, do número de dados permitirá que se verifique como se dá a atuação dos fatores lingüísticos e extralingüísticos na variação do processo de manutenção da estrutura da comunidade de origem – a ausência do artigo definido diante de antropônimos – na fala dos jovens que saem de Barra Longa.