• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V – RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1 HISTÓRIAS DE VIDA

5.1.2. A relação familiar e a saudade

Tem gente que chega pra ficar Tem gente que vai pra nunca mais Tem gente que vem e quer voltar Tem gente que vai e quer ficar Tem gente que veio só olhar Tem gente a sorrir e a chorar E assim, chegar e partir

(Encontros e despedidas – M. Nascimento e F. Brant )

As relações existenciais, também vão sendo afetadas pela migração para a lavoura de cana. Entes queridos ficam na lembrança dos que partiram em busca de trabalho e sonhos de melhores condições de vida, pois muitas vezes o retorno ao local de origem fica impossibilitado pela questão financeira.

Alguns trabalhadores que migraram de outras regiões, contaram que ainda possuíam familiares na cidade de origem. Alguns deles manifestaram o sentimento de tristeza, ao comentar como era viver longe do convívio de seus familiares, e que apenas os veriam no final do ano, quando a safra do corte da cana terminasse, e poderiam retornar para suas cidades de origem, para revê-los. Outros contaram que desde que se mudaram para Sertãozinho, nunca mais viram os familiares. Os motivos que os levaram a esse distanciamento foram, segundo eles: a falta de dinheiro para comprar a passagem de volta, ou até mesmo a perca do contato dos familiares.

Os entrevistados sem familiares em Sertãozinho, principalmente os que residem nos alojamentos, confidenciaram que assim que a safra terminasse pretendiam encontrar seus familiares. Esses familiares são irmãos, irmãs, pais e filhos. Podemos exemplificar esses relatos no comentário de Felipe:

Termina a safra no outro dia vou embora... Vixe Maria! Que saudade da família!!! Rapaiz, quando chego em casa, meus pais perguntam se passei fome, porque fico muito magro, até o fim da safra perco uns seis quilos, já perdi quatro (FELIPE, 2010).

Essa fragilização dos vínculos psico-afetivos revela o impacto do trabalho na esfera psicossocial dos entrevistados, marcando uma geração de filhos que não conhecem pais e pais que não conhecem filhos.

Conforme os relatos de trabalhadores, ao contarem sobre a família que deixaram para trás, notamos que eles tentaram esquecer os entes das suas cidades de origem. Provavelmente, uma forma de evitar que as recordações provocassem algum sofrimento.

Segundo Freud (1914), esquecer impressões, cenas ou experiências quase sempre se reduz a interceptá-las. Pois, quando no caso, um paciente, fala sobre coisas esquecidas, raramente deixa de acrescentar:

‘Em verdade, sempre soube; apenas nunca pensei nisso.’ Amiúde expressa desapontamento por não lhe vierem à cabeça coisas bastantes que possa chamar de ‘esquecidas’ – em que nunca pensou desde que aconteceram... O ‘esquecer’ torna-se ainda mais restrito quando avaliamos em seu verdadeiro valor as lembranças encobridoras que tão geralmente se acham presentes (FREUD, 1914, p. 194).

Esses sentimentos e o esquecimento dos familiares distantes podem ser exemplificados na fala dos trabalhadores: Mateus, Manoel e Valter.

Às vezes a gente lembra, mas tenta esquecer (dos familiares distantes) (MANOEL, 2010).

Tenho duas filhas lá, e um menino, mas o menino num posso falar que é meu, porque a mãe dele, disse que o filho é meu, mas outro assumiu, ai se eu falar que o filho é meu, o moleque perde a pensão, e ai, eu tenho que pagar. Mas eu conheço o moleque, tenho apreço por ele. Ele me conhece também, mas ele ainda num sabe que eu sou o pai. A mãe dele é uma vagabunda que me traiu, mas o moleque num tem culpa. Ela era minha amigada, ai saiu com outro (VALTER, 2010).

Tenho só essas duas meninas que você viu (MATEUS, 2010).

Ah... Também tenho um moleque lá na minha terra (além das meninas), mas nem sei mais como ele é... Faz tempo que não vejo (...) Saudade as veiz dá, mas nóis num fica pensando... E a muié (atual) num gosta também que fala (MATEUS, 2010).

Assim, marcam os trabalhadores também a impossibilidade de vivenciar as perdas de uma forma mais afetiva, carregando para si a culpa pela não presença no momento da morte de entes queridos. Como no caso de Tiago que se emocionou durante a entrevista ao contar que há alguns dias recebera um telefonema com a noticia do falecimento de sua mãe, que não via há algum tempo.

Eu fui atender o telefone, que aqui no barraco (alojamento) todo mundo usa o mesmo telefone, que fica com o dono.... Ai, eu fui atender, e era falando que minha mãe tinha morrido. Me deu um desespero... Num sabia o que eu fazia... Já perdi um irmão de doze anos assim... Atropelado... Ela morreu atropelada... Mas agora no fim do ano eu vou voltar pra casa... Ainda sobrou meu pai e um irmão e uma irmã. Vê os que ainda tão vivos. Parecia que eu sabia que tinha acontecido alguma coisa, tava com uma sensação ruim... Depois eu num consegui dormir... Só ficava pensando nela... Parecia que eu via ela... (TIAGO, 2010)

Seligmann-Silva (1994) constata que em casos em que a partida se deu num momento de ruptura ou quando provocou conflito, configura-se sempre uma situação de angústia e culpa. E que a morte de um dos pais distantes reativa intensamente o sofrimento mental, conduzindo a crises mentais, em processos que são coadjuvados pela situação vivenciada no trabalho (SELIGMANN-SILVA, 1994, p.139).

Notamos que os trabalhadores, mesmo os com família em suas cidades de origem, procuram constituir novos laços na cidade em que fixam residência atualmente.

Francisco contou que tinha duas filhas e uma esposa na Bahia, mas mantém uma relação extraconjugal com uma mulher em Sertãozinho. Ele contou que se sentia muito sozinho, evidenciando a necessidade da constituição de vínculos afetivos na atual cidade, atribuídos a solidão, embora tenha mostrado um sentimento de culpa por trair sua família. Seu relato pode ser ilustrado a seguir:

Ah.. precisa né? Eu gosto delas, mas aqui a gente fica muito sozinho aqui (FRANCISCO, 2010).