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CAPÍTULO V – RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.3 CONDIÇÕES DE SAÚDE E SEGURANÇA

5.3.3. Equipamentos de Proteção Individual, o cuidado com o corpo e a

Quanto ao uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), apenas dois trabalhadores disseram não usar os mesmos. O restante, todos disseram usar os EPI fornecidos pelas Usinas as quais prestam serviços.

O encarregado do controle de pragas disse usar apenas máscara para realizar sua atividade. Os outros trabalhadores, apesar de receberem: luvas, caneleiras, mangote (blusas com mangas compridas feitas de tecido grosso), óculos, boné, e botas com bico de ferro; não recebiam máscara para exercerem suas atividades laborais. Nenhum deles mencionou receber protetor solar entre os EPI.

Manoel contou que a usina oferece o boné, mas relatou ter uma preferência pelo uso de chapéu, sendo que, desse modo, era ele quem comprava e levava o seu próprio.

As figuras a seguir ilustram as luvas, as caneleiras e as botas com bico de ferro utilizadas pelos trabalhadores. Uma das figuras também ilustra um trabalhador, que preferia utilizar meias nos braços, ao invés do mangote. Segundo ele:

A meia é melhor, evita melhor os arranhão, por isso que gosto mais de usar (BELCHIOR, 2010).

Figura 28: Fotos ilustrativas dos trabalhadores usando os EPI

Crédito: Aline Almussa (2010)

Figura 29: Foto ilustrativa das luvas utilizadas no corte da cana.

Crédito: Aline Almussa (2010)

Figura 30: Quadro demonstrativo da função dos EPI

EPI Função

Boné Proteger o trabalhador do sol.

Bota com bico de ferro Proteger os pés, em especial os dedos, contra cortes pelo facão.

Caneleira Proteger os membros inferiores, principalmente canelas, contra corte nos pés.

Luva Proteger as mãos contra cortes pelo facão.

Mangote Proteger os membros superiores, os braços, contra

arranhões provocados pela cana-de-açúcar.

Máscara Proteger o trabalhador da inalação de poeira, fuligem e

agrotóxicos.

Óculos Proteger os olhos de poeira, ciscos, e possíveis arranhões dos galhos da cana-de-açúcar.

Os trabalhadores contaram que o uso dos EPI era necessário, pois evitava os acidentes, ou pelo menos os protegia de acidentes mais graves.

Dessa forma, os trabalhadores percebiam que estavam expostos a riscos em seus ambientes de trabalho. Dos 46 trabalhadores que participaram do estudo, 37 relataram que

acreditam que estão expostos a algum risco; e 9 relataram que não acreditam que houvesse risco em seus trabalhos, mostrando uma negação dos mesmos.

Os trabalhadores que negaram a existência de riscos, mesmo que já tivessem sofrido algum acidente, ou visto algum relatam que o trabalho quando bem feito não oferecia perigo. Desse modo, eles atribuem o risco do acidente, por exemplo, ao fator humano: no caso o próprio trabalhador, e não ao trabalho (DEJOURS, 1999).

O restante relatou que o trabalho na lavoura canavieira pela sua natureza era pesado, e segundo suas narrativas, o maior risco nomeado por eles seria, sobretudo, o instrumento de corte de cana manual, o “podão ou facão”. Além do fato de estarem constantemente expostos ao contato com animais peçonhentos, como cobras e aranhas.

Segundo Wiedemann (1993), a percepção do perigo é fruto da associação de determinantes como: as suas crenças, experiências, imagens e informações construídas ao longo de sua trajetória de vida, juntamente com o cenário em que se encontra no momento.

Dessa forma, o trabalhador Manoel exemplificou o perigo da seguinte maneira:

Quando o braço bambeia é um perigo (MANOEL, 2010).

Outro trabalhador contou:

Essa semana mesmo matei uma cobra no facão... Tem que ficar esperto, já vi mordida feia de cobra (PAULO, 2010).

Já os operadores de colheitadeira contaram que o maior perigo vivenciado por eles era quando precisavam trocar as lâminas da máquina. Um deles disse:

Se num tiver cuidado arranca o braço (MARCOS, 2010).

O motorista de ônibus e os fiscais disseram que, nas funções que exerciam, o mais perigoso era lidar com as pessoas.

A gente num sabe quem são eles, de onde vieram... O que fizeram, tem gente que eu sei que é ex presidiário (BRENO, 2010).

Tem uns espírito de porco aqui, que a gente precisa tomar cuidado... Do nada eles arranjam confusão, e partem pra cima (JAIR, 2010).

Os trabalhadores que utilizavam o transporte do ônibus também contaram que a viajem era perigosa, sendo que, segundo eles:

Algumas vezes falta peça no ônibus, e os motoristas andam muito rápido, correm mesmo (DEVANIR, 2010).

O motorista de queimada ao relatar seu trabalho contou que o perigo era constante, e que muitas vezes precisava passar no meio do fogo com o caminhão para controlá-lo.

Às vezes quando o vento muda de direção, a gente tem que passar no meio do fogo para apagar do outro lado, senão queima tudo (GERMANO, 2010).

To alerta constante, num dá pra descasar, cochilar, tem que ter muita atenção. Num saio do caminhão. Tenho que prestar atenção no rádio (GERMANO, 2010).

Quanto à atitude de ignorar a existência de riscos de alguns trabalhadores, não pensar a respeito pode ser uma forma de defesa utilizada pelo trabalhador para poder dar conta das ansiedades geradas pelo trabalho, frente ao perigo vivenciado.

Os trabalhadores confirmaram que o trabalho no corte da cana é árduo e confere certos riscos. No entanto, eles acreditavam que o maior risco de seus trabalhos era o de cortarem-se com o “podão”, pois quando falaram de acidentes de trabalho apenas manifestaram a existência desse tipo de acidente. Dejours (1992) concebe que as más condições de trabalho colocam o corpo em perigo de forma que os riscos de acidentes e de doença profissional possam aumentar, além de poderem ocasionar uma diminuição do período de vida, além de doenças psicossomáticas.

Ao serem levados a pensar sobre outros tipos de riscos causados pelo trabalho que lhes era conferido, eles reagiram de forma passiva, como se nada tivessem a fazer. Consequentemente não seria necessário pensar a respeito, sendo assim, mais fácil ignorar os riscos.

Dejours (1992) concebe que os trabalhadores não gostam de lembrar, nem serem lembrados, do que tão penosamente procuram “esconjurar”. “O medo relativo ao risco pode ficar sensivelmente amplificado pelo desconhecimento dos limites deste risco ou pela ignorância dos métodos de prevenção eficazes” (DEJOURS, 1992, p. 66). Assim, o desprezo, a ignorância e a inconsciência em relação ao risco, como em relação ao uso de agrotóxico, por exemplo, podem ser apenas uma fachada.

Segundo Seligmann-Silva (2003), as pesquisas referidas à Saúde Mental no Trabalho vem tentando construir o entendimento do que acontece com os trabalhadores num mundo do trabalho em rápida e constante transformação, a partir de uma análise integrada que considere o contexto envolvente e a situação do trabalho. As condições vinculadas à execução do trabalho também interferem nos processos mentais e nas dinâmicas relacionadas à saúde mental.

São os trabalhadores que, ao longo de sua pratica, descobrem e, às vezes, transmitem oralmente seus macetes. A descoberta e a produção dos macetes da

profissão são, de algum modo, fruto das potencialidades criadoras e investidas dos operários (...) os macetes não são simplesmente truques. Frequentemente são frutos de muitos anos de observações cotidianas (DEJOURS, 1992, p.114).

“Assim, tanto os acidentes de trabalho como as crises mentais podem se constituir em marcos importantes, ao possibilitarem a percepção dos riscos, ou mesmo, o reconhecimento mais profundo da exploração e do processo de desgaste” (SELIGMANN-SILVA, 1994, p. 240).