• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V – RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.3 CONDIÇÕES DE SAÚDE E SEGURANÇA

5.3.5. Contato com agrotóxicos

Quanto ao contato com agrotóxicos, segundo a maioria dos trabalhadores, eles não estavam em contato direto com os agrotóxicos utilizados na cana-de-açúcar. A figura a seguir demonstra os dados referentes à exposição a agrotóxicos segundo os relatos dos trabalhadores.

Figura 34: Quadro demonstrativo dos dados relativos a contato com agrotóxico; gênero e função.

Contato com produto químico

Feminino Masculino

Total geral

Função Não Sim Total Não Sim Total

Lavrador 8 2 10 24 2 26 36

Fiscal 1 2 3 3

Operador de

Colheitadeira 1 1 2 2

Ajudante geral

responsável por Sítio 1 1 1

Controlador de Praga 1 1 1 Montador de Acampamento 1 1 1 Motorista de Ônibus 1 1 1 Motorista de Queimada 1 1 1 Total geral 9 2 11 29 6 35 46

Fonte: Entrevistas com trabalhadores rurais (2010)

Dos trabalhadores, apenas oito comentaram terem tido algum contato direto, entre eles: quatro lavradores; o fiscal; o controlador de pragas e os dois operadores de colheitadeira, que antes de exercerem essas funções, faziam a aplicação de agrotóxico. Alguns de seus relatos seguem:

Apliquei veneno, carregando nas costas por catorze anos. Era o ‘Lacra’ (ALEXANDRE, 2010).

Quanto ao manejo com agrotóxicos, Carmem contou ter manuseado agrotóxicos por um período de dois anos. Ela aplicava veneno contra formigas nos pés de cana-de-açúcar. Conforme seu relato:

Teve uma época que eu passava veneno de formiga... A gente colocava no balde de água, mexia com um pau, e depois pegava com um copinho, e ia jogado nos buracos da formiga, embaixo do pé da cana (...) A gente ficava o dia inteiro jogando veneno. De manhã, quando a gente chegava até de tarde, na hora de ir embora. (...) Fiquei fazendo isso uns dois anos (CARMEM, 2010).

O restante dos trabalhadores relatou que nunca manusearam o produto na lavoura de cana, embora, alguns trabalhadores que migraram de outras regiões, e trabalhavam em plantações de familiares, comentaram que já utilizaram os agrotóxicos anteriormente a migração, e muitas vezes sem nenhum tipo de proteção.

Durante as entrevistas, Miranda deixou que fosse feito o registro fotográfico em parte de sua residência, onde o marido guardava galões (os quais ela disse não saber a origem). Em um dos galões, aparentemente vazio havia instruções para destruição da embalagem após o uso (figura 35).

As figuras que seguem ilustram os galões que deveriam ter sido descartados após seu uso, no entanto, continuavam na residência da trabalhadora.

Figura 35: Fotos ilustrativas de embalagens vazias encontradas na moradia de trabalhador

Crédito: Aline Almussa (2010)

Almussa e Schmidt (2010) evidenciam que existe uma forma apropriada de armazenamento e descarte das embalagens de agrotóxicos. Antes do descarte das embalagens vazias deve ocorrer a tríplice lavagem das mesmas; e que o recolhimento das embalagens vazias é de responsabilidade dos fabricantes. No entanto, notamos que isso muitas vezes não ocorre. Como no caso da figura, que ilustra embalagem encontrada pelo esposo da

trabalhadora rural, e que segundo os dizeres da embalagem, deveria ter sido descartada após seu uso. Segundo Moreira et al. (2002), a pouca atenção dada ao armazenamento e ao descarte de rejeitos e embalagens é um fator de risco.

Recena e Caldas (2008) também observaram que o armazenamento de embalagens vazias era feito no interior das residências, pois muitos não sabiam qual destino dar às embalagens vazias.

Observamos na fala de dois trabalhadores, que foram expostos a agrotóxicos em algum momento de sua vida ocupacional, uma crença no efeito protetor do leite, como neutralizando os efeitos do agrotóxico no corpo.

Ah... Tomava leite depois que usava o veneno, porque sempre me disseram que era bom... num sei se funcionava, mas eu tomava, sempre ouvi pra tomar (DEVANIR, 2010).

Mexi com veneno muito tempo, quatro anos direto... Mas eu tomava leite quando chegava em casa. É bom depois que usa o agrotóxico, dá uma limpada... leite é bom pra tudo (MARCOS, 2010).

Fonseca et al. (2007) apontam que a crença no efeito protetor de bebidas alcoólicas é outro elemento que influencia o comportamento dos trabalhadores no manejo de defensivos. E constatam que existe uma crença, entre alguns, de que o álcool imuniza o corpo contra os efeitos dos agrotóxicos, o que os leva, inclusive, a desprezar os EPIs. Isso também ocorre com relação ao leite e a crença de que este produto corta o efeito do pesticida. O uso do leite, como medida de proteção, também foi relatado por Castro e Confalonieri (2005).

A relação entre o saber/informação e o comportamento foi mediada pela percepção do risco. Tal relação, enquanto fenômeno culturalmente construído e interpretado revelou-se permeada por crenças/representações as quais constituem o eixo organizador das reações e comportamentos dos trabalhadores com relação ao agrotóxico (FONSECA et al., 2007).

A falsa informação de que o leite neutralizaria quaisquer riscos de intoxicação circulava amplamente nas indústrias químicas que o distribuíam aos seus operários (SELIGMANN-SILVA, 1994, p165).

Ao falarem dos riscos a que os trabalhadores podem estar expostos, os trabalhadores relataram não saber acerca dos danos causados à saúde pelo uso de agrotóxicos.

Os estudos de Peres et al. (2004); Castro e Confalonieri (2005); Peres, Rozemberg e Lucca (2005); Gomide (2005); Schmidt e Godinho (2006); Fonseca et al. (2007); Recena e Caldas (2008) mostram que os trabalhadores e agricultores se utilizam de estratégias defensivas para enfrentar a ansiedade do ambiente de trabalho.

Segundo Dejours (1992), essas estratégias permitem ao trabalhador sobreviver em um ambiente de trabalho, por meio da constituição de um valor simbólico em que ele domina o perigo. Assim, sua produtividade não ficaria comprometida. A ideologia defensiva tem por objetivo “mascarar, conter e ocultar uma ansiedade grave. É um mecanismo de defesa elaborado por um grupo social particular, onde se deve procurar uma especificidade” (DEJOURS, 1992, p. 36). Tal estratégia de defesa não é construída em resposta a uma angústia ou sofrimento individual, e sim destinada a lutar contra perigos e riscos reais, identificados pelo coletivo. A ideologia defensiva acaba por substituir os mecanismos de defesa individuais, tornando-os impotentes.

A atitude dos trabalhadores de desprezar, negar ou ignorar os riscos frente a situações de potencial dano à saúde seria uma forma de desenvolvimento de estratégias de defesa frente aos perigos vivenciados no trabalho foram descritas por Recena e Caldas (2008); Schmidt e Godinho (2006); Gomide (2005); Faria et al. (2004).

Para Peres et al. (2004) a maioria dos agricultores, mesmo os que utilizavam estratégias defensivas para negar os riscos, parecia reconhecer o uso do agrotóxico como causadores de agravos à saúde, fato que remetia a outra estratégia defensiva, a de transferir a outras pessoas (e não a eles) a possibilidade de intoxicar-se por esses produtos. Descrevendo o assunto Gomide (2005), aponta que há negação dos riscos, pois eles tem um senso de perigo, mas creem que podem resistir aos efeitos do veneno, pois só os fracos sucumbem. Já Brito et

al. (2009) indicam que a maioria acreditava nos efeitos nocivos do produto, mas existia uma

naturalização de seu uso.

Há importantes causas que levam ao agravamento dos quadros de contaminação, tanto humana como ambiental, e tem um papel relevante frente à questão da exposição aos defensivos agrícolas.

Entre essas causas destacam-se: a ampla utilização destes produtos; o desconhecimento dos riscos associados à sua utilização; o consequente desrespeito às normas básicas de segurança; o histórico de desinformação na região estudada; a linguagem técnica empregada em ações educativas e de treinamento, impossibilitando a apropriação do conhecimento por parte do trabalhador rural (PERES et al., 2001); a precariedade das políticas de fiscalização e o acompanhamento técnico; a dificuldade de entendimento das informações por parte dos usuários; e o desconhecimento das técnicas alternativas e eficientes de cultivo (MOREIRA et al., 2002). Outras debilidades, tais como a pobreza, o analfabetismo ou o despreparo técnico para o exame de questões no cotidiano dos conselhos somam-se a essas circunstâncias (PEREIRA, 2004).

Outros fatores relevantes são: a livre comercialização, a grande pressão comercial por parte das empresas distribuidoras e produtoras e os problemas sociais encontrados no meio rural, os quais criam necessidades para legitimar a venda desses produtos, resultando num processo de comunicação que realimenta a inserção desfavorável do homem do campo em uma economia de mercado mais ampla. Assim, observa-se o desaparecimento de referências aos cuidados, ao uso seletivo e à existência de alternativas para seu emprego.