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RELIGIOSIDADE E CIÊNCIAS SOCIAIS: TRAJETÓRIAS

5.1 A religiosidade antes da entrada no curso de Ciências Sociais

No que diz respeito à religiosidade no âmbito familiar dos entrevistados, durante o período da infância e adolescência, percebe-se uma predominância do catolicismo. Do total dos vinte entrevistados, dezesseis declararam-se oriundos de famílias católicas, mas de um catolicismo não praticante, tradicional. Enquanto isto, apenas três se disseram oriundos de famílias protestantes, todos de denominações históricas. Apenas um entrevistado declarou-se oriundo de família atéia.

No que diz respeito ao contingente de origem católica, dos dezesseis entrevistados, quatro deles, durante a infância e adolescência, tiveram alguma

forma de participação em atividades religiosas, tipo coral, EJC (Encontro de Jovens com Cristo), trabalhos caritativos comunitários e participação nas atividades cerimoniais da igreja. Todos os que tiveram alguma forma de participação religiosa em sua infância e adolescência fizeram algum tipo de relação entre esta prática e a escolha de cursar Ciências Sociais. Pois, segundo alguns deles, tal prática, principalmente os trabalhos assistenciais e caritativos, os aproximavam, de alguma forma, da realidade de um conjunto da população que eles só conheciam, muitas vezes, através das taxas e índices estatísticos presentes nos livros de história e geografia. Este contato com uma outra realidade, mesmo que mediado pela religião, despertava neles uma série de questionamentos que, em sua maioria, iam de encontro ao discurso religioso, o que de alguma forma os impulsionava para obter explicações em outras instâncias produtoras de sentido.

(...) de certa forma, pode haver uma relação entre eu ter freqüentado um colégio confessional, ter participado de atividades religiosas e a escolha do curso de Ciências Sociais. No sentido de uma possível rebeldia, de busca de outras explicações para fenômenos sociais e culturais. (Entrevista 4)

Eu faço, sem dúvida, uma relação entre a minha vida religiosa e a escolha do curso de Ciências Sociais. Essa escolha, um dos motivos pra escolher, era pra entender mais essas contradições sociais, essas contradições entre a religião e o mundo. (Entrevista 8)

Há alguma relação entre minha experiência religiosa e a escolha do curso de Ciências Sociais. Tem sim, pelo seguinte, pela preocupação social que uma parcela da igreja tinha e ainda tem, que na época era mais forte. (Entrevista 14)

Com certeza há uma relação entre a minha formação religiosa e a escolha do curso de Ciências Sociais. A minha experiência nas ações comunitárias da igreja me fez despertar para os problemas sociais, e também me fez questionar muitas das explicações religiosas

tradicionais, me ligando por outro lado às correntes mais progressistas da igreja, principalmente as pastorais.

No entanto, como já indicado acima, este contingente de católicos que perceberam alguma relação entre sua formação religiosa na infância e juventude e a escolha do curso de Ciências Sociais representa um pequeno número: apenas quatro, do total de dezesseis, estabeleceram esta relação. A maioria não estabeleceu nenhum tipo de relação entre a formação religiosa e a escolha do curso.

Essa minha formação religiosa não teve relação nenhuma com a escolha de um curso de Ciências Sociais. (Entrevista 1)

Eu não faria nenhuma relação entre a minha formação católica, no seio da família e no colégio confessional, e a escolha do curso de Ciências Sociais. Não teve nenhuma relação. (Entrevista 8)

Eu não faria nenhuma relação entre minha formação religiosa e a escolha do Curso de Ciências Sociais. Esse meu afastamento da vida religiosa... (Entrevista 10)

Não teve nenhuma relação entre a minha formação religiosa e a escolha do curso de Ciências Sociais. Inclusive eu nem pensava nesse detalhe religioso. (Entrevista 12)

Eu não faria nenhuma relação entre minha formação religiosa e ter cursado Ciências Sociais. Meus questionamentos religiosos eram anteriores ao curso, mas a minha religiosidade não foi em nada acrescida por causa do curso; pelo contrário, ela foi bastante diminuída. (Entrevista 16)

Este fato também é percebido no conjunto daqueles oriundos de famílias protestantes, com exceção de um entrevistado, que percebeu uma ligação entre sua formação religiosa e a escolha do curso de Ciências Sociais.

Em parte, eu faria alguma relação entre minha formação religiosa e a escolha do curso de Ciências Sociais. Porque eu tenho interesse em conhecer um pouco mais da ciência, os conceitos da ciência, pra poder ter um conhecimento mais aprofundado e isso me ajudar de alguma forma no conhecimento da teologia, eu poder ter o conhecimento e argumentar em alguns casos, né? Ampliar o leque de conhecimento. (Entrevista 15)

Fato relevante é a existência de um único entrevistado que se declarou de família atéia. Para este, a escolha do curso de Ciências Sociais esteve ligada, de forma direta, a este caráter secular da educação familiar que ele recebeu, associado ao fato de seus pais serem professores universitários e militantes políticos de viés marxista.

A escolha do curso de Ciências Sociais, devido a essa predominância de uma atitude política ligada ao marxismo, foi muito forte. Acho que isso contribuiu de forma decisiva para a minha escolha do curso. E também para que, desde antes da entrada nele, eu nutrisse uma consciência secularizada do mundo. (Entrevista 13)

De todos os entrevistados, apenas dois perceberam a presença de algum tipo de sincretismo religioso no seio da família. Em ambos os casos, a trajetória reflete a forma clássica de sincretismo religioso no Brasil: catolicismo Æ espiritismo kardecista Æ religiões afro-brasileiras e não as formas difusas, que, segundo Novais (1994), caracterizam contemporaneamente o fenômeno do sincretismo no Brasil, principalmente entre os jovens universitários de Ciências Sociais.

Quase todos da minha família continuam católicos, exceto minha irmã que, depois de ter casado e após a morte do meu pai, mudou de religião junto com o marido, passaram a ser espíritas. Mas são uns espíritas

meio desmantelados, pois freqüentam tanto os centros, quanto igrejas católicas. (Entrevista 7)

Um último aspecto importante de ser ressaltado é o fato de que quase todos os entrevistados, com exceção de um, enfatizaram a importância da formação religiosa na infância e adolescência para a construção dos valores éticos, da moral e da personalidade do indivíduo. Isto fica claro nas falas abaixo.

Eu não credito essa formação religiosa como importante para a formação da minha personalidade, dos meus valores, da minha visão de mundo. Eu não consigo vincular uma coisa com a outra, apesar de a gente passar por todos os rituais, eu acho que era mais a tradição (Entrevista 10)

Eu acho que minha formação contribuiu no sentido de construir meus valores, minha personalidade, minha visão de mundo. Porque eu estava, durante toda a minha vida de estudante, num colégio de freiras, na posição de filha que via o pai fazendo promessa, indo à igreja

(Entrevista 20)

Eu acredito que essa minha participação religiosa e militante, na adolescência, contribuiu para a formação da minha personalidade, dos meus valores, da minha moral. Eu acho, nesse período da minha formação, que a gente está se apegando às coisas (Entrevista 19)

Mas creio que é importante uma formação básica, religiosa, para a construção da personalidade, dos valores, da visão de mundo. Depois você termina fazendo suas escolhas (Entrevista 18)

Eu acredito que essa formação básica foi importante na construção minha personalidade, valores e visão de mundo. Porque [daí] vêm todos os valores que você aprende, então isso influencia muito na personalidade, na conduta moral. (Entrevista 15)

Eu acredito que essa formação foi importante para a formação da minha personalidade, do meu caráter, das minhas convicções éticas e morais (Entrevista 8)

Este dado ainda é melhor visualizado quando recortamos os entrevistados casados que têm filhos. Todos eles ressaltaram a importância de fornecer aos filhos

um contato com a religião, no caso a católica, como elemento estruturante dos valores éticos e morais, responsáveis pela constituição da personalidade. Este depoimento é exemplar:

Eu credito um valor muito alto à formação religiosa com relação à formação da moral, da pessoa, da ética pessoal, social e política. Eu dou um valor alto a isso. Tanto é que, quando fui procurar uma escola para meu filho, selecionei apenas escolas religiosas, porque acredito que são as melhores em todos os sentidos. Ele estuda em uma escola católica e está sendo educado dentro dos valores católicos, e isso é algo muito importante para a formação de sua personalidade. (Entrevista 1)

Em síntese, percebe-se que a religiosidade dos entrevistados antes da entrada no curso de Ciências Sociais reflete, em grande medida, os padrões mais gerais do comportamento religioso da população brasileira.

A não ser por um único caso, onde a formação secularizada teve um papel determinante na escolha do curso de Ciências Sociais, e dos quatros católicos que tiveram experiências de participação em atividades religiosas comunitárias, fato que lhes despertou para algumas incoerências e contradições do discurso religioso, os demais entrevistados chegaram ao curso com uma visão de mundo marcadamente influenciada pela formação religiosa adquirida no meio familiar. Verificar se essa visão de mundo continuará incólume ou sofrerá alguma modificação durante a formação em Ciências Sociais, será o objetivo do próximo item.

5.2 A religiosidade durante o curso de Ciências Sociais: rupturas e