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A FORMAÇÃO DE UM “HABITUS” ESTUDANTE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

4.2 Fatores determinantes da escolha do curso de Ciências Sociais

Um primeiro passo para se apreender a visão de mundo dos cientistas sociais paraibanos e as nuances da influência do curso de Ciências Sociais na vida religiosa de seus egressos é recuperar, a partir dos depoimentos dos próprios cientistas sociais, a trajetória de vida anterior à entrada no curso. A idéia central, neste item, é

averiguar o quanto essa trajetória é capaz de influenciar suas escolhas profissionais, com destaque para a escolha do curso de Ciências Sociais. Deste modo, será possível compor um ponto de partida, caracterizando como o(a) entrevistado(a) chega ao curso, o que dá uma idéia possível dos aspectos componentes de seus

habitus primários, e de como estes foram sendo modificados, principalmente seu

conteúdo religioso, ao passarem a pertencer a um novo campo social.

A maioria dos entrevistados ressaltou mais de um motivo para escolher o curso de Ciências Sociais. No entanto, foi possível identificar e recortar aquele mais determinante em cada caso, com base na ênfase que era dada na fala de cada um. Algumas categorias agrupam as respostas: a influência de amigos ou pessoas próximas; a militância política e participação em movimentos sociais; o interesse e preocupação com questões sociais; o interesse pelas disciplinas e o conteúdo da área de Humanas; o contato anterior com as Ciências Sociais; a não aprovação em outro curso e a baixa concorrência. Assim, a distribuição das motivações se deu da forma expressa na tabela 6, abaixo.

Tabela 6

Os motivos da escolha do curso de Ciências Sociais

Motivos da escolha do curso Nº. Entrevistados

Influência de amigos ou pessoas próximas 2

Militância na política e participação em movimentos sociais/ Interesse e preocupação com as questões sociais

8

Interesse pelas disciplinas e o conteúdo da área de Humanas 2

Contato anterior com as Ciências Sociais 2

Não conseguiu entrar em outro curso e Ciências Sociais foi segunda opção/ Baixa concorrência no vestibular

4

Influência da família em parceria com outros fatores 2

Destacar-se-ão primeiramente os aspectos comuns. Todos os entrevistados, com exceção de dois, ingressaram no curso via vestibular e tendo o curso de Ciências Sociais como primeira opção. Outro ponto em comum diz respeito à não influência familiar na escolha do curso – apenas dois entrevistados ressaltaram a influência da família como determinante na escolha do curso de Ciências Sociais, mas, mesmo assim, associando-a a outros fatores, como a busca de uma visão crítica da sociedade, o gosto pela pesquisa social e o interesse por questões sociais. Alguns depoimentos são ilustrativos a este respeito.

A família não influenciou minha escolha, meus pais sempre me deixaram livre para eu escolher a profissão que eu quisesse. Claro que havia, principalmente por parte de meu pai, uma certa idealização com as profissões mais tradicionais, como medicina, direito. Mas ele nunca chegou e disse para mim, eu gostaria que você fosse médica e advogada, inclusive quando prestei vestibular e disse que ia fazer para Ciências Sociais, ele só quis saber que curso era esse. E depois sempre me apoiou em tudo. (Entrevista 3)

Muito pelo contrário, pelos meus pais eu teria seguido a carreira do Direito, que era o sonho de meu pai, ter uma filha advogada. Quando eu disse que iria fazer vestibular para Ciências Sociais, ele quase ficou doido, até porque havia um certo estigma com relação ao estudante de Ciências Sociais naquela época. (Entrevista 13)

Em nada, minha família não influenciou a minha escolha. Na vontade deles eu teria feito algum curso na área de saúde, de preferência medicina ou odontologia. (Entrevista 10)

O meio familiar não interferiu na minha escolha em cursar Ciências Sociais, até porque o sonho deles era ter um filho doutor, seja lá em que área do conhecimento fosse. (Entrevista 7)

Não, o meio familiar não influenciou na minha escolha por Ciências Sociais. Posso dizer que até dificultou um pouco, pois no início questionaram bastante o fato de eu ter escolhido este curso. (Entrevista 14)

O meio familiar não interferiu em nada, foi indiferente. Meus pais nunca interferiram diretamente na escolha profissional dos filhos; eles exigiam disciplina, estudo e que fossemos aprovados e conseguíssemos nos formar. Não havia nem mesmo aquela pressão, comum nas famílias, para que os filhos escolham um dos cursos tradicionais, como Medicina, Direito ou Engenharia, apenas ficava num plano da idealização, mas nunca forçaram nenhum de nós para seguir tal ou qual caminho. (Entrevista 6)

Essa fraca influência da família pode vir a denotar, pelo menos no caso das Ciências Humanas, que o peso familiar na escolha da profissão está cada vez mais sendo reduzido, ou porque a família historicamente vem deixando de desempenhar alguns papéis que lhe eram característicos, ou por conseqüência da emergência de uma maior liberdade individual de escolha, que não se restringiria apenas à da profissão, mas que se estenderia inclusive para outras esferas da vida social – e a religião é uma delas.

Também é bastante significativo o certo equilíbrio entre os outros fatores condicionantes da escolha do curso de Ciências Sociais, com exceção do item militância política e participação em movimentos sociais que, em comunhão com o interesse e a preocupação com os problemas sociais, aparecem como justificativa por parte significativa do total dos entrevistados. Isto pode ser sintomático da permanência da representação clássica das Ciências Sociais, vista como um saber ligado, de forma direta ou indireta, às questões político-ideológicas e à mudança social, seja revolucionária ou reformista.

Queria entender e interferir, um pouco mais, nas coisas e achei que o curso de Ciências Sociais seria o curso mais próximo da militância. Naquela época pensávamos que era possível mudar o mundo. Foi um dos grandes motivos que me levou a fazer o curso, que foi a minha primeira opção (Entrevista 17)

Na época, no início de 1980... eu acho que foi 1979, quando eu estudava... foi mesmo um compromisso militante. Eu participava de movimentos que existiam na época, Movimentos de Anistia, Movimentos Comunitários de Campina Grande e a vontade de fazer Sociologia veio um pouco daí, pois era um curso que estava ligado a tudo isso; uma vontade de encontrar ou construir explicações para os problemas, e de poder interferir conscientemente neles. (Entrevista 19)

Outro aspecto importante diz respeito à baixa presença daqueles que escolheram o curso de Ciências Sociais como segunda opção65. Isto talvez seja explicado pelo recorte empírico da pesquisa - os profissionais formados - pois aqueles que entram no curso tendo-o escolhido porque não passaram em outro curso, que foi sua primeira opção, raramente continuam e conseguem concluí-lo. Diversos fatores contribuem para isso, mas o fato mais significativo é o abandono do curso depois de um semestre, para tentar novamente o vestibular no curso em que não foi aprovado. Salvo aqueles que durante este período se identificam com curso e decidem, mesmo conseguindo ser aprovado em outro, cursar ambos. Mas o curso de Ciências Sociais, para estes, passa a ter uma importância menor que o outro curso, que na maioria das vezes é o curso de Direito, o que ocasiona várias conseqüências.

Apesar de uma fragmentação no que diz respeito às razões para a escolha do curso, alguns fatores se repetem e se caracterizam como aqueles que mais incidem

65

O Curso de Ciências Sociais do campus I de João Pessoa, nos anos iniciais de sua existência, teve como característica a alta taxa de alunos que não tinham escolhido o curso como primeira opção – cerca de mais de 50% em cada ano de ingresso -, fato que se refletiu no alto grau de evasão registrado nos primeiros anos de seu funcionamento. Esta situação só modificou-se a partir 2001, quando, pela primeira vez, mais de 90% dos alunos que entraram no curso o escolheram como primeira opção.

sobre os futuros cientistas sociais, e dentre esses, estão a militância política anterior e a participação em movimentos sociais, assim como o interesse e preocupação pelos problemas sociais. Estes fatores se demarcaram como significativos na escolha do curso de Ciências Sociais. O que, como ressaltado acima, vem reforçar um estereótipo de que o cientista social necessitaria ligar o exercício teórico- reflexivo com uma práxis política.