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A religiosidade como fator de proteção e de bem-estar na adolescência

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.3. Adolescência e religiosidade

2.3.3. A religiosidade como fator de proteção e de bem-estar na adolescência

Cada vivência religiosa carrega consigo valores relacionados ao próprio dogma, aos próprios preceitos. Os adeptos de cada religião, ainda que em diferentes intensidades, desenvolvem um processo de internalização do que se prega como certo e errado. Sabe-se que a vida é tomada de contradições e incoerências; porém, entende-se que, em sua vivência religiosa original e legítima, os jovens que se identificam com determinada religião estruturam valores na direção da crença, ou seja, com base em preceitos religiosos e espirituais desta crença.

Em pesquisa sobre religiosidade e identidade positiva na adolescência, Marques, Cerqueira-Santos e Dell’Aglio (2011) observaram influência positiva da religiosidade na identidade, porém não foi possível discriminar se os jovens que

possuíam uma identidade positiva eram os que buscavam maior envolvimento religioso, ou se os jovens com maior envolvimento religioso se beneficiam de uma visão mais positiva de si. A religiosidade influencia positivamente a noção que os jovens possuem, ou estão formando, de si. No entanto, destaca-se que o envolvimento religioso não deve ser tomado como fator protetor absoluto, já que em certos contextos, e diante das características psicológicas individuais, pode ter um impacto negativo.

Em outra pesquisa, relacionada à religiosidade como fator de proteção, Marques e Dell’Aglio (2009) apontam que na adolescência se passa por momentos em que se pode estar mais vulnerável a inúmeros eventos estressores. Dependendo de como se enfrenta os problemas e adapta-se a eles, pode haver resultados de saúde, equilíbrio e resiliência, ou em comportamentos de risco e maiores dificuldades. Para as autoras, apesar de a adolescência ser geralmente vista como um período de vulnerabilidades, observa-se que a maioria dos adolescentes atravessam esse período apresentando sentimentos positivos em relação a si e à família, e este desenvolvimento positivo está bastante relacionado às características dos contextos em que estão inseridos e aos fatores de risco e de proteção presentes. Os comportamentos de risco desses jovens os expõem a uma maior probabilidade de apresentar problemas físicos, psicológicos e sociais. Entendem como fatores de proteção os que se referem “a influências que modificam, alteram ou melhoram a resposta dos indivíduos a ambientes hostis ou que, em sua ausência, predispõem a consequências mal adaptativas” (p.7).

Os fatores de risco são mencionados por Benincasa e Rezende (2006) como elementos com grande probabilidade de provocar ou associar-se ao desencadeamento de um evento indesejado, não sendo necessariamente fator causal. Identificam em sua pesquisa, por exemplo, a associação do álcool e a direção como fator de risco para acidentes de trânsito entre adolescentes.

Com relação ao bem-estar psicológico na adolescência, um grupo de pesquisadores constatou no relato deles que aqueles pertencentes a alguma religião, ou que tinham alguma prática religiosa semanal, apresentaram maiores níveis de bem-estar psicológico que os adolescentes que iam a templos religiosos às vezes ou nunca (SILVA et al., 2007).

Nessa direção, em uma pesquisa sobre religiosidade e bem-estar com jovens adolescentes estudantes portugueses, moçambicanos, angolanos e brasileiros

(FERREIRA; PINTO; NETO, 2012), perceberam-se relações entre vivências religiosas e a satisfação com a vida e o bem-estar. O estudo apontou que a religiosidade está associada às variáveis psicológicas em todos os grupos culturais. Foi verificado nesta amostra que os rapazes têm atitudes mais favoráveis ao cristianismo que as moças. Eles também apresentaram maior bem-estar religioso; já as moças apresentaram maior bem-estar existencial. Os homens sentem mais solidão e as mulheres são mais satisfeitas com a vida do que os homens. Outra questão importante identificada foi quanto à frequência à igreja ou a outro local religioso. Os jovens que frequentam mais os locais religiosos têm uma atitude mais favorável ao cristianismo, maior bem-estar religioso e existencial, sentem menos solidão e são mais satisfeitos com a vida. Nesse estudo, os brasileiros foram os que mais declararam frequentar locais religiosos. Os jovens angolanos e brasileiros são os que mais acreditam em Deus, que declararam que o ato de rezar, orar e ir à igreja os ajuda a ter uma vida melhor e contribui para o seu bem-estar. Os jovens que possuem atitudes mais positivas ao cristianismo sentem maior bem-estar religioso e existencial, frequentam mais a igreja e rezam mais sentem que a sua vida está próxima de seu ideal, que as condições de vida são boas, que têm as coisas importantes que gostariam de ter da vida e que não mudariam nada caso vivessem tudo de novo. Os jovens que demonstraram ter menos solidão revelaram ter maior bem-estar existencial; porém, a pesquisa não percebeu correlação entre as medidas de religiosidade e a solidão.

De acordo com Witter et al. (1985) e Inglehart (1990), citados por Ferreira, Pinto e Neto (2012), vários estudos indicam que pessoas com maior frequência à igreja são mais satisfeitas com a vida, o que mostra uma correlação positiva entre a religiosidade e o bem-estar.

Em consonância com o supracitado, estudos de Stroppa e Moreira-Almeida (2008) revelam que maiores níveis de envolvimento religioso estão associados de forma positiva a indicadores de bem-estar psicológico, como satisfação com a vida, felicidade, afeto positivo e moral elevado, melhor saúde física e mental. Por outro lado, a depressão, pensamentos e comportamentos suicidas, uso e abuso de álcool e outras drogas tendem a estar inversamente relacionados ao nível de envolvimento religioso. No entanto, o impacto positivo do envolvimento religioso na saúde mental geralmente é mais intenso em pessoas em situações de fragilidade, como idosos, por exemplo, em pessoas sob estresse ou pessoas deficientes ou com doenças

clínicas. Marques (2003) também diz que a vivência da espiritualidade pode contribuir de forma importante para a promoção da saúde e prevenção da doença.

Outro aspecto importante contemplado pela vivência religiosa é apontado por Argyle (2001), que diz respeito ao fato de que a religião propicia forte suporte social fornecido pelos grupos de igreja, que providenciam várias formas de apoio e ajuda prática e emocional. Aponta também que a importância da religião está associada à atuação com relação à força das crenças, não só em relação à crença na vida após a morte, mas também em relação ao fornecimento de esclarecimentos e propósitos. Tudo isso produz efeitos positivos no bem-estar subjetivo e, mais especificamente no bem-estar existencial, como também na saúde física, mental e na felicidade de forma geral. Observa, ainda, em sua pesquisa, que mais felicidade é proporcionada pela relação com Deus, vivida no rezar e nas experiências religiosas, e atua como suporte das relações sociais. De acordo com os estudos realizados, desvelam ser mais felizes as pessoas que disseram frequentar a igreja uma ou mais vezes por semana.

Ferreira e Neto (2008) realizaram um estudo com professores de Portugal e relacionaram a religiosidade e o bem-estar ao longo da vida. Constataram que as atitudes face ao cristianismo, a orientação intrínseca, a identificação, o bem-estar religioso e os comportamentos religiosos tiveram correlações positivas com a satisfação com a vida e com a felicidade, e negativas com a solidão, o que está de acordo com a compreensão de que a vivência religiosa fornece apoio social.

Dalgalarrondo et al. (2004) mencionam que estudos nacionais e internacionais demonstram que a religiosidade é um importante modulador no consumo de álcool e drogas em estudantes adolescentes. Constataram, em pesquisa realizada com 2.287 estudantes de escolas públicas e particulares da cidade de Campinas – SP, que o uso pesado de pelo menos uma droga foi maior entre estudantes que tiveram uma educação na infância sem religião. O uso no mês de cocaína e de medicamentos para “dar barato” foi maior nos estudantes que não tinham religião, e o uso no mês de ecstasy e de “medicamentos para dar barato” foi maior nos estudantes que não tiveram uma educação religiosa na infância. Constata-se, assim, que várias dimensões da religiosidade agem com possível efeito inibidor sobre o uso de drogas por adolescentes. Sobretudo, desvela que uma maior educação religiosa na infância mostrou-se importante nessa possível inibição.

Neste sentido, Carvalho e Carlini-Contrin (1992) colheram dados em extensa pesquisa, com 16.117 estudantes de Primeiro e Segundo Grau, em quinze cidades brasileiras. Encontraram correlação negativa fraca, mas constante, entre consumo de álcool e drogas e frequência a atividades religiosas.

Em importante pesquisa para o contexto desta pesquisa de mestrado, por se tratar do mesmo público, Amparo et al. (2008) pesquisou 852 adolescentes e jovens que cursavam o Segundo Grau em regiões administrativas do Distrito Federal. Referente aos fatores pessoais de proteção, como a vivência religiosa e espiritual, destacaram o modo como esses indivíduos investem na sua espiritualidade e como ela contribui para a sua autoestima e, portanto, para a sua resiliência. Os elementos identificados como fatores de proteção se caracterizam como suporte pessoal para o adolescente diante da exposição aos fatores de risco. Nesta pesquisa, a busca da espiritualidade, ou mesmo da religião, se mostrou como um foco importante de investimento pessoal, pois 62% dos jovens percebem a religião como sendo bastante ou muito importante; 77% deles costumam pedir ajuda a Deus para resolver seus problemas e 68,3% costumam agradecer a Deus. Porém, somente 41,3% frequentam encontros religiosos e 38,6% costumam ler as escrituras sagradas. Assim, a religiosidade e espiritualidade dos adolescentes, nesta pesquisa, apresenta-se como um movimento individual, pois a maioria deles não costuma frequentar instituições religiosas. Com base nesses dados, percebe-se o movimento dos jovens em direção à crença e à estruturação de valores com base em preceitos religiosos e espirituais.

Considera-se ser de extrema relevância que os adolescentes tenham as condições necessárias para a formação de valores positivos para si e a sociedade, pois nessa fase ocorrem muitos questionamentos quanto às regras a que até então estavam submetidos, reflexões a respeito do que realmente acreditam e sobre o código de conduta a que pretendem se submeter. O mais adequado é que eles possam vivenciar religiosidades que lhes estimulem o pensamento crítico, de forma a construir valores com os quais se identificam genuinamente. O próximo tópico busca estabelecer relações entre valores, moral e religiosidade, no sentido de compreender a conexão entre esses aspectos e sua relação com a adolescência.