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MILÍMETROS DE CHUVA POR MÊS

4 A REPRESENTAÇÃO MUNDANA CONSTITUÍDA PELA LINGUAGEM

Pela sua formação heterogênea, o sujeito é o grande responsável pela constituição de um mundo totalmente organizado pela linguagem. Foucault (1971) apresenta um sujeito que faz do discurso (o qual é transmitido pela linguagem) um mecanismo de poder, que não deixa de ser um mecanismo retó- rico. Desta forma, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) afi rmam que o grande orador, aquele que tem ascendência sobre outrem de forma retórica, parece animado pelo próprio espírito de seu ouvinte, ou seja, o sujeito é embalado pela recepção/percepção que os outros fazem dele. Porém, não podemos esquecer que cada ouvinte é diferente, por isso o processo de adaptação da linguagem/ discurso deve ser uma constante. Isso mostra que a projeção da linguagem dependerá do contexto comunicativo, bem como dos sujeitos envolvidos neste contexto, construindo as relações signifi cativas.

A signifi cação, campo de longínquas discussões, é o epicentro da pro- dução de linguagem. A linguagem é o lugar ordinário da signifi cação, essa concepção aparece nas teorias de Wittgenstein (1976), e desenvolvida por Aus- tin (1962), na teoria dos atos linguísticos (de fala), na qual ele afi rma que as palavras signifi cam aquilo que os homens fazem com elas. Austin (1962, p. 148) mostra que: “sendo a linguagem nossa forma de ver o mundo, as palavras contêm todas as distinções que os homens acharam por bem estabelecer para sua comunicação”.

Podemos, neste momento, afi rmar que o sujeito, enquanto dominador da linguagem, (re)produz o mundo a partir de um movimento, aliás típico (ou inconsciente), de representações linguísticas, carregadas de movimentos me- tafóricos, porém, sempre adaptando o processo discursivo dependendo do seu campo de abrangência.

Franchi (2002, p. 65) diz que:

A linguagem, pois, não é um dado ou um resultado; mas um trabalho que “dá forma” ao conteúdo variável de nossas experiências, trabalhos de construção, de retifi cação do “vivido”, que ao mesmo tempo constitui o sistema simbólico mediante ao qual se opera sobre a realidade como um sistema de referências em que aquele se torna signifi cativo. Um tra- balho coletivo em que cada um se identifi ca com os outros e a eles se contrapõe, seja assumindo a história e a presença, seja exercendo suas opções solitárias.

Encarar a linguagem como um processo constitutivo é perceber que as relações formais são uma consequência de atos refl exivos sobre a própria linguagem, processo comum a todos os falantes. O signifi cado passa por esse processo constituidor, caracterizando-se como um processo sociocultural que nos segue desde o berço, formulando, assim, os signos linguísticos.

Para exemplifi car, utilizaremos aqui o signo mesa. Numa visão meta- linguística, comum no dia-a-dia, encontramos no Dicionário Aurélio da Lín- gua Portuguesa (2001, p. 491) uma defi nição de mesa:

Sf. 1. Móvel, em geral de madeira, sobre o qual se come, escreve, traba-

lha, etc. 2. Conjunto formado pelo presidente e secretários duma assem- bléia. 3. Numa seção eleitoral, o conjunto dos indivíduos que se ocupam dos trabalhos relativos à votação. 4. Quantia fi xa ou cumulativa de apos- tas, em certos jogos de azar.

Seguindo a teoria de Saussure (1979), vemos que é a impressão psí- quica transmitida pela imagem acústica /meza/, que expressa foneticamente o signo mesa, essa imagem acústica evoca psiquicamente a ideia acima repre- sentada pelo dicionário. Mas voltando ao “signifi cado” dicionarístico de mesa, encontramos quatro formas signifi cativamente diferenciadas. A primeira traz, justamente, a relação psíquica mais conhecida dos sujeitos, ou seja, mostra a sua utilidade: mesa como um objeto de madeira, sobre o qual se come, trabalha e se escreve.

Partindo agora para a análise dos outros signifi cados propostos pelo dicionário, não temos mais uma representação concreta no mundo, pois o que leva o sujeito a compreender a mesa pelo viés da “formação” de uma mesa de trabalhos e/ou de apostas é o processo metafísico, ou seja, não há uma repre- sentacionalidade no mundo antes da formação da mesa. Assim, no processo de constituição do signo, teremos o conceito agindo, de forma marcante, na produção da imagem acústica, ou vice e versa. Pois, o primeiro signifi cado que temos é aquele co-relacionado à mesa de madeira, com quatro pernas, que serve para apoiarmos nossos pratos sobre ela, ou escrevermos, ou trabalhar- mos, etc. Então, a partir do segundo sentido proposto pelo dicionário o sujeito deve fazer um processo metafórico para compreender o que é uma mesa. Por esse motivo questionamos: quando uma mesa, num processo de constituição de signifi cados, é uma mesa?

Resweber (1982, p.14) praticamente elucida essa charada linguística dizendo que:

Ao mesmo tempo em que se abre o domínio de uma práxis, anuncia- -se a signifi cação fundamental de um corpo que se apresenta como o instrumento primeiro que permite confeccionar os outros instrumentos. Ora, o enunciado reativa a memória do gesto inaugural pelo qual esse instrumento se transforma dando forma ao mundo.

Além dos signifi cados encontrados no dicionário, temos outras formas signifi cativas para mesa, por exemplo, quando alguém usa uma maleta (aque- las de executivo) sobre o colo para escrever alguma coisa, será uma mesa, ou apenas está usando algo para que sirva como tal? E então, como fi ca a repre- sentação dessa mesa no mundo lexical constituído pelos sujeitos? Como afi rma Resweber, sempre iremos puxar a signifi cação primeira, a qual nos dá toda a representação.

No mesmo caminho Saussure (1979, p. 80) diz que: “o caráter psíqui- co de nossas imagens acústicas aparece claramente quando observamos nossa própria linguagem.” Ou seja, quando vemos alguém usando uma maleta como mesa, logo fazemos o jogo signifi cante + signifi cado = signo mesa. Mas o que mais infl uencia para que chamemos isso de mesa? Neste caso é a imagem acústica que realiza uma acrobacia relacional, dando-nos uma conclusão: é uma maleta que está servindo de mesa, isto é, naquele momento é uma mesa.

Podemos perceber, então, que a representação do mundo através dos processos de construção de signifi cado, abre um arcabouço de dúvidas a se- rem refl etidas na mente dos sujeitos, o que nos leva a mais uma densa refl exão nos fazendo perceber que os signifi cados constituídos pela metalinguagem dicionarística, não servem para tudo que existe no mundo, o que explicará, ou pelo menos amenizará, a busca pelo sentido será todo o trabalho desenvolvido pela linguagem que cerca o sujeito e, consequentemente, constrói o mundo. E será somente assim que podemos dizer que uma mesa é uma mesa e não uma cadeira, embora utilizemos, em alguns casos, a cadeira como mesa, a signifi cação estará centrada no objetivo do sujeito, isto é, a signifi cação estará centrada na ação que o sujeito irá realizar com, e nas coisas do mundo. Assim, até uma escada poderá virar uma mesa, pois naquele momento ela deixa de ser escada para virar mesa, isso somente é possível no mundo representacional apresentado pela linguagem, a qual constitui o sujeito. Sobre isso Saussure (1979) apresenta uma excelente visão dizendo que é o ponto de vista que cria o objeto.