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MILÍMETROS DE CHUVA POR MÊS

3 BOURDIEU: A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA EM RELAÇÃO AOS UTSIDERS

3.1 AS ESPECIFICIDADES DO CAMPO JURÍDICO

O campo jurídico é altamente hierarquizado, onde a busca pelo capital jurídico específi co diz respeito à autoridade jurídica, ou seja, a legitimidade de dizer o direito, cujo monopólio é do Estado. Essa legitimidade é atribuída por representação ofi cial do direito, aliada a sanções físicas ou patrimoniais. O quanto de autoridade jurídica defi nirá a posição hierárquica – dominação ou subordinação - e a disposição dos profi ssionais do direito, determinando desta maneira, como irão manter a posição que se enquadram ou alcançar a almeja- da, bem como os comportamentos sociais e o acesso aos privilégios.

Como dito, a legitimidade em dizer o direito pertence ao Estado, por- tanto, possuem validade apenas as regras constituídas em seu âmbito. Para que alcance a efi cácia e legitimidade, no entanto, é necessária a expressão, apli- cação e interpretação daqueles a quem foi atribuído o exercício dessa função estatal – os agentes jurídicos.

Uma das mais relevantes características do campo jurídico para com- preensão das relações de dominação é o formalismo latente. As relações que se desenvolvem são permeadas por ritos, praxes, etiquetamentos próprios que ordenam o campo. Para toda e qualquer atividade a ser desenvolvida e para que possua conformidade, obedecerá a sequências exatas. Neste contexto, inclui-se a linguagem específi ca utilizada, seja em relação aos termos próprios usados para designar especifi cidades, bem como o uso de verbetes em latim, aludindo assim a um monopólio de conhecimento para compreensão das relações, bem como da produção do campo jurídico.

O direito é necessário a organização social, analisando as sociedades que foram destino de estudo das teorias relacionadas. Cabível dizer, então, que para viver em sociedade há dependência da ordem jurídica, adequação a suas regras, bem como cumprimento das disposições impostas. Sociologicamente falando, ninguém vive em sociedade sem permear o campo jurídico. Porém, conforme exposto, o campo jurídico possui uma série de mecanismos que o tornam extremamente detalhado, formalístico, fazendo com que para “chegar ao Direito” seja necessário adequar-se não somente ao que o Direito estipula, mas a sua sistemática interna própria. É dizer, o direito além de estipular a or- dem social, estipula seu arranjo interno de maneira complexa.

Tendo o direito a busca pela ordem social, fazendo com que todos pos- suam vínculo com ele para viver em sociedade, tendo poder inexoravelmente, percebe-se que a dominação torna-se resultado desta equação. Tendo este po- der através de sua forma, seus atos possuem um poder simbólico, que por meio de uma linguagem jurídica da universalidade, neutralidade e impessoalidade aliado a um processo judicial altamente formalizado, institui na mão de alguns a dominação sobre aqueles que não adéquam-se a essa sistemática.

Garante-se o monopólio do uso do Direito por aqueles que detêm o poder – podemos também chamá-los de Estabelecidos – e os que sofrem por não fazerem parte, por não se adequarem, fi cando suscetível a dominação – os Outsiders.

A compreensão do agente visto como Outsider em relação ao campo jurídico pode ser compreendido por mais de uma perspectiva. Tanto pode ser aquele que transgrediu as regras estipuladas pelo meio jurídico, em relação ao seu campo – o comportamento no campo jurídico, como a relação de formalis- mo, por exemplo –, podendo ser também aquele que violou as normas estabe- lecidas pelo Direito, ou também aquele que não consegue obedecer as normas do campo social impostas, onde não consegue se colocar dentro da sociedade, e por refl exo, no campo jurídico. Encontrando-se como Outsider em relação ao campo jurídico, como fazer parte dos demais campos? Se, conforme exposto, o campo jurídico é parte essencial da sociedade?

Sob essa tônica compreende-se que a estrutura do Direito contribui para a formação das relações daqueles que exercem o poder, fazendo com que haja a exclusão não apenas do mundo jurídico, mas também dos demais campos sociais. Averiguou-se tanto, a partir da compreensão da exposição de Bourdieu sobre a estrutura do campo jurídico: suas características são refl exos de suas relações disciplinadas, a formalística, a detenção do poder simbólico nas mãos daqueles que detém o capital jurídico, a legitimidade dos agentes como forma não apenas de exercício do poder do Estado, mas como veículo para a dominação.

Destarte, pode-se afi rmar que o direito cria diferenças que dão base aos conceitos de estabelecidos e outsiders. Em primeira instância e através da visão de Bourdieu, essa consideração é válida, tendo em vista a dialética buscada.

Alcança-se também a indagação mencionada no início: como a ciên- cia precursora da justiça e dos princípios de igualdade pode estabelecer tan- tas disparidades entre os considerados inseridos, e os que não condizem com as condições pré-estabelecidas. A Ciência Dogmática Normativa do Direito é compreendida como prógono da busca pela igualdade, conforme visto em sua história, na sua construção e no dia-a-dia do jurista, do estudante, do operador do Direito. Contudo, com as considerações concebidas, compreende-se que o Direito nada mais é do que a formalização, o exercício da dominação, e não da busca pelos princípios que deveriam regê-lo. Não importante, no entanto, considerá-lo assim em sua totalidade, mas sim compreender que tal visão é construída através da relação feita, levando-se em conta o prisma dos Estabe- lecidos e Outsiders.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem a pretensão de encerrar os debate e estudos levantados, as consi- derações a que se chegou instigaram questionamentos pertinentes aos operado- res do Direito: essa percepção construída a partir das teorias de Becker, Elias e Bourdieu, devem ser compreendidas apenas como visão sociológica? Ou é possível, e necessário, que o jurista hoje dê atenção a pontos salientes que as demais ciências apontam no Direito, retirando assim a dogmática inatingível da Ciência Normativa? Mais que isso, o operador do Direito compreende que é este o papel do Direito – assegurar dominação? O Direito hoje é apenas dominação ou sofre quebras, avançando no sentido da busca pelos direitos so- ciais, individuais? Ou continuamos com “migalhas” e formalizando assegurar o monopólio do uso do instrumento direito, nas mãos de alguns, dos Estabe- lecidos? Entende-se que a esses a demais questionamos deve-se posicionar o jurista consciente de sua função social, para chegar, realmente, a busca pelos princípios que norteiam o Direito.

REFERÊNCIAS

ELIAS, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.

BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Tradução Maria Luiza X. de Borges; revisão técnica Karina Kuschnir - 1 ed. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008.

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. TOMAZ, Fernando (Trad.). O poder simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.

_______________. Poder, derecho y classes sociales.Tradutores diversos. Bil- bao, Espanha: Desclée de Bouwer, 2001.

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