• Nenhum resultado encontrado

PARTE II – Patrimônio e representação social

1.5 A representação social do patrimônio cultural

O presente estudo tem como pressuposto a ideia de patrimônio cultural enquanto processo de valorização e identificação coletiva no qual a representação

social é fundamental para o processo de investigação dos vínculos existentes entre o sujeito ou grupos sociais e o patrimônio cultural – material e imaterial – da cidade de Pombal, representado aqui pela Igreja de N. Sra. do Rosário dos Pretos e a festa do Rosário, respectivamente.

Assim, como o objetivo principal dessa pesquisa é analisar a indissociabilidade do patrimônio cultural a partir de uma dimensão subjetiva – sentimentos e valores dos grupos sociais - vinculado ao patrimônio cultural da cidade de Pombal, representado aqui pela Igreja de N. Sra. do Rosário dos Pretos e a festa do Rosário, compreendidos como construções sociais elaboradas a partir da atribuição de valores feita pelos grupos sociais, considerou-se a teoria da representação social o instrumento conceitual e metodológico mais adequado.

A teoria das representações sociais está ligada à área da Psicologia Social, que estuda os processos através dos quais o conhecimento é gerado, transformado e projetado no mundo social. Serge Moscovici introduziu o conceito de representação social em estudo pioneiro – sobre as maneiras como a psicanálise penetrou o pensamento popular na França – intitulado La Psicanalyse: Son image et

son public, em 1961. Segundo Duveen (in MOSCOVICI, 2007) o ponto de partida

fundamental para a consolidação da teoria da Representação social foi a insistência do psicólogo no reconhecimento da existência das representações sociais como um fenômeno, o que era antes considerado como um conceito.

As representações se apresentam como forma de pensar e interpretar a realidade cotidiana, uma forma de conhecimento da atividade mental desenvolvida pelo indivíduo e pelos grupos para fixar suas posições em relação a situações, eventos, objetos e comunicações que lhe concernem (SÊGA, 2000). O social intervém de várias maneiras: pelo contexto em que se situa o indivíduo e os grupos, pela comunicação estabelecida entre eles, pelos códigos, valores e símbolos ligados às posições sociais. Ou seja, a representação social é um conhecimento prático que dá sentido aos eventos que nos são normais, com o objetivo de dar sentido ao mundo e introduzir nele ordem e percepções, que reproduzam o mundo de uma forma significativa, ajudando na construção da nossa realidade, criando símbolos e estabelecendo nossa identidade. Assim como afirma Freire, a representação social é o dispositivo para remodelar a realidade e não apenas repeti-la. E ao reconstruir a realidade, possibilita diferentes formas de ver o mundo.

As representações sociais têm sua dimensão individual, resultante da avaliação particular do indivíduo – sujeito social - e outra dimensão coletiva, resultantes dos pontos comuns dos grupos sociais. Sendo assim, cada representação é composta por uma série de elementos gerais, bem como um campo particular aos indivíduos e aos subgrupos, integrantes da sociedade. Cada subgrupo apresenta um conhecimento que lhe é pertinente, podendo ser considerado como uma sub-representação. A junção dessas diversas sub-representações nos fornece a representação social global, formada pela representação coletiva e por facetas que não são comuns a todos, porém são relevantes a certos subgrupos sociais.

Alguns fatores irão interferir na constituição das representações sociais, como a orientação política e cultural, o papel do indivíduo e dos subgrupos sociais no corpo social e o acesso aos meios de comunicação. Dessa maneira alguns elementos e imagens irão se repetir em diversos grupos e outros grupos irão ser referidos por indivíduos e grupos específicos, fazendo com que a teoria das representações sociais permita uma abordagem bastante enriquecedora, fundamentada na articulação entre o sistema cognitivo individual e as estruturas simbólicas coletivas (COSTA, 2007).

Assim, toda representação social é representação de alguma coisa ou de alguém. Ela não é cópia do real, nem cópia do ideal, nem a parte subjetiva do objeto, nem a parte objetiva do objeto, ela é o processo pelo qual se estabelece a relação entre o mundo e as coisas (SÊGA, 2000).

Segundo Moscovici, o processo de elaboração das representações sociais envolve os mecanismos da ancoragem e da objetivação. A ancoragem “é o processo que transforma algo estranho, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada” (MOSCOVICI, 2007, p. 61), ou seja, torna o não-familiar em familiar, possibilitando que o objeto da representação seja integrado a um sistema de pensamento existente, seja dentro de um contexto anterior de experiências individuais, como também dentro de um contexto social mais amplo. Já a objetivação consiste na associação de uma figura ao objeto representado, é a transformação da ideia em uma forma tangível, que podem ser então, integrados a uma rede mais extensa e complexa que constitui o imaginário, como afirma Moscovici:

Objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso; é reproduzir um conceito em uma imagem. Comparar é já representar, encher o que está naturalmente vazio, com substancia. Termos apenas de comparar Deus a um pai e o que era invisível, instantaneamente se torna visível em nossas mentes, como uma pessoa a quem nós podemos responder como tal (MOSCOVICI, 2007, p. 72).

Os processos de elaboração da representação social – ancoragem e objetivação – ocorrem de forma simultânea: para classificar algo desconhecido em um sistema preexistente, é necessário atribuir ao objeto uma figura, possibilitando que a ele seja associado um sentido, tornando-o conhecido dentro de uma rede de conhecimento, que por sua vez irá englobar diversas representações sociais sobre outros objetos. Além desses processos de elaboração, é preciso considerar a estrutura das representações sociais, e o seu tempo de seu surgimento, elaboração e divulgação.

Nesta perspectiva, é possível entender que as representações sociais articulam três funções, conforme afirma Freire (1997, p. 115): “a função cognitiva, de integração da novidade, a interpretação dessa realidade e os comportamentos e condutas relacionados a essa rede simbólica”.

O contexto em que são promovidas e expressas as representações sociais pode ser compreendido, assim, a partir de uma perspectiva temporal: há o tempo mais curto, em que são expressas as representações sociais; o tempo médio, em que ocorre o tempo de socialização, com a inserção do sujeito no grupo, e há ainda o tempo mais longo em que é construída a memória social (SPINK, 2003, apud COSTA, 2007).

Para esta pesquisa, procurando abordar os diversos momentos desse processo – pois a atribuição ou não de valor ao patrimônio material e imaterial, aqui estudados, deve levar em conta não só os valores do tempo atual, como os sentidos dados a esses patrimônios no passado – foram realizadas entrevistas semiestruturadas que permitiram, a partir da fala, a apreensão das representações sociais dos sujeitos e dos subgrupos sociais (tempo curto), a análise da festa do Rosário, em dois anos consecutivos, e sua apropriação do espaço edificado (tempo médio), e a pesquisa dos antecedentes históricos da conformação urbana da cidade de Pombal, da festa do Rosário, bem como seus agentes produtores (tempo longo).

Os procedimentos e as técnicas a serem adotadas numa pesquisa de representação social dependerão de qual dimensão do fenômeno será estudada.

Para esta pesquisa, visando identificar a representação social do patrimônio cultural da cidade de Pombal, mostrando a indissociabilidade do patrimônio material e imaterial, estabeleceu-se o objetivo de delinear a representação social dominante, sem desconsiderar a diversidade das representações existentes nos indivíduos e nos grupos sociais.