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2 A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO

3.1 As definições operacionais da Convenção de Haia de 1980

3.1.3 A Residência Habitual e a escolha da jurisdição competente

A expressão “residência habitual” é predominante na legislação. Ao analisar-se o artigo 3º do Decreto nº 3.413/2.000, é evidente que tal conceito é essencial para a identificação de casos em que se aplicam a CH80:

Artigo 3º – A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção;

e b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado.

Ou seja, para compreender-se em quais casos é autorizada a aplicação da CH80, é necessário, primeiramente, entender a terminologia em que foi construída a legislação, sendo um deles a definição de “residência habitual”. Segundo os comentários à legislação tecidos pelo GPECH, houve divergência no momento de fixação dessa nomenclatura (STF, 2018, p. 04):

Os Estados contratantes manifestaram preferência, desse modo, por um termo que não oferecesse muita polêmica e fosse eminentemente prático, já que o conceito de domicílio, utilizado pelas legislações de vários Estados, entre os quais o Brasil, para fixação da competência jurisdicional internacional, é um conceito que engloba maior polêmica.

Porém, mesmo tal conceito sendo de imprescindível importância para a correta interpretação da CH80 e de seus procedimentos, a referida convenção optou por não conceituá-lo. Tampouco estabeleceu os critérios capazes de caracterizar o que seria uma “residência habitual”, apenas afirmando o teor do art. 3º, ou seja que, para o pleito ser considerado de natureza ilícita, é preciso que a criança subtraída estabelecesse residência habitual no Estado requerente logo antes à violação do Direito de Guarda ou de Visita.

Como a sua conceituação não está presente na CH80, deve-se recorrer ao direito local para obtê-la. Todavia, deve-se observar o que afirma o artigo 16 da legislação, para que não ocorram decisões judiciais ou administrativas conflituosas:

Artigo 16 – Depois de terem sido informadas da transferência ou retenção ilícitas de uma criança nos termos do Artigo 3, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda sem que fique determinado não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para o retorno da criança ou sem que haja transcorrido um período razoável de tempo sem que seja apresentado pedido de aplicação da presente Convenção.

A Cartilha publicada pela AGU “Combate à Subtração Internacional de Crianças: A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” (2011, p. 12 e 13), apresenta uma conceituação para “residência habitual”:

Nesse contexto, “residência habitual” foi o elemento de conexão escolhido pelo tratado para indicação da lei aplicável à análise do pedido de cooperação jurídica internacional para restituição de crianças vítimas de subtração internacional: trata-se, em linhas gerais, do país do qual a criança foi retirada e, em consequência, aquele para o qual ela deverá ser restituída. Esse conceito não se aplica aos pedidos relacionados ao “direito de visitas” da convenção, já que, a aplicação do artigo 21 do tratado não exige a ocorrência de subtração internacional de crianças.

Ademais, aponta dois elementos essenciais para estabelecer tal definição:

Na configuração da “residência habitual”, apontam-se 2 elementos essenciais: “ânimo” (vontade de criar laços com um novo país, em detrimento de todos os demais) e “tempo”. Assim, a criança terá residência habitual num determinado Estado quando ela estiver nele residindo, com intenção de lá permanecer. O requisito tempo, no entanto, pode variar, não existindo um “prazo mínimo” para sua configuração. No caso de crianças, em especial as mais jovens, o mais comum é considerar como seu local de residência habitual o mesmo dos seus genitores.

A CH80, ao mencionar tal expressão, essa fundamenta-se na premissa de que o local em que a criança estabelece a sua “residência habitual” é aquele em que ela desenvolveu vínculos mais emocionalmente profundos e importantes. Ou seja, por meio dessa expressão, também é estabelecida mais uma proteção ao melhor interesse do menor.

Por fim, salienta-se que, ao adotar-se a expressão “residência habitual”, são, consequentemente, abandonadas uso de “domicílio” e “nacionalidade”, não devendo ser abordados questionamentos sobre o domicílio ou sobre a nacionalidade das partes envolvidas no processo (CARTILHA AGU, 2011, p. 12).

Questiona-se, porém, quanto tempo a criança deve residir em um local até que esse possa ser considerado como a sua residência habitual. O Ministério da Justiça responde a esse questionamento por meio de uma cartilha repleta de informações disponível em seu sítio (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018, p. 05):

[…] o tempo necessário a caracterizar a residência habitual da criança pode variar, em cada caso, ganhando maior relevância a comprovação de que a criança mantinha residência naquele país, com caráter de habitualidade. Portanto, ainda que residindo por pouco tempo (meses, por exemplo), a residência habitual da criança no país de

onde ela foi abruptamente removida estará configurada se esta, dentre outros elementos, frequentava a escola, creche, possuía residência fixa.

Entretanto, há ainda mais um problema que decorre da aplicação da definição da residência habitual: Convém aplicar esse conceito mesmo nos casos em que o menor subtraído ilicitamente foi um recém-nascido? Essa problemática é apresentada e explicada por Brant, Lage e Cremasco (apud GASPAR e AMARAL, 2013, p. 366):

A respeito das crianças de tenra idade, o questionamento é decorrente da seguinte indagação: “Que laços afetivos uma criança recém-nascida deixa para trás?”. Visto que a razão do retorno imediato é a não desvinculação do menor de suas referências (família, amigos, idioma, etc.), o que fazer quando essas referências ainda não foram desenvolvidas por causa da idade? Esse é mais um dos pontos de interrogação que envolve a Convenção, porém o entendimento majoritário é de que, em geral, crianças pequenas devem permanecer sobre os cuidados das mães.

A decisão sobre qual a “residência habitual” do menor subtraído cabe ao Juiz ou à Autoridade Administrativa encarregada da análise do pedido de retorno. Esses deverão verificar se a criança em verdade residia no país que requer a sua volta, o que pode ser realizado por meio de análises de recibos de pagamentos, depoimentos de pessoas que conviviam com a vítima, dentre outros (STF, 2018, p. 06).

A questão da residência habitual do menor ilicitamente transportado ganha maior relevância no momento em que a parte interessada decide acionar as autoridades responsáveis, pois esse conceito é determinante para decidir qual é a jurisdição competente para receber e processar o pedido de restituição da criança. Sobre o assunto, Pérez-Vera (apud MESSERE, 2005, p. 81), afirma o seguinte:

[…] aquele que sequestra ou retém a criança pretende que sua ação seja legalizada pelas autoridades competentes do Estado para onde transferida a criança, um meio eficaz de dissuadi-lo consiste na retirada de toda consequência prática e jurídica de sua ação. E para tanto, a Convenção adota o remédio da restituição do menor ao Estado contratante de sua residência habitual imediatamente antes da transferência ou retenção ilícita. É uma forma indireta de fixação de competência, típica do direito internacional privado, e que permite que a posterior disputa pela guarda da criança seja resolvida pela autoridade judicial do Estado de residência habitual.

Portanto, conclui-se que a jurisdição competente para receber e processar os pedidos de restituição da criança é a pertencente ao Estado em que o infante estabeleceu sua residência habitual logo antes de sua transferência ilícita.

3.1.4 O Princípio do Melhor Interesse da Criança: a prioridade da Convenção de Haia de