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GERMANA MORAIS LIRA SEQUESTRO INTERNACIONAL DE MENORES: UMA ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980 PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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Academic year: 2018

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GRADUAÇÃO EM DIREITO

GERMANA MORAIS LIRA

SEQUESTRO INTERNACIONAL DE MENORES: UMA ANÁLISE DA

IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980 PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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SEQUESTRO INTERNACIONAL DE MENORES: UMA ANÁLISE DA

IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980 PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Internacional.

Orientadora: Prof.ª Dra. Tarin Cristino Frota Mont’Alverne.

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SEQUESTRO INTERNACIONAL DE MENORES: UMA ANÁLISE DA

IMPLEMENTAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980 PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Internacional.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof.ª Dra. Tarin Cristino Frota Mont'Alverne (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof.ª Dra. Theresa Rachel Couto Correia

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Prof.ª Dra. Márcia Correia Chagas

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Muitas foram as pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho.

Primeiramente, agradeço à minha família, que jamais deixou de acreditar nas minhas capacidades, que sempre me apoiou e me incentivou a lutar pelos meus sonhos. Aos meus pais, Paulo e Jacqueline, que são e sempre serão exemplos para mim. Ao meu irmão, Gabriel, que sempre esteve disposto a me fazer companhia quando percebia que eu me encontrava com a cabeça repleta de preocupações.

À minha avó, Tereza, e minhas tias Izabel e Ana Iza, que jamais negaram-me abrigo ao longo da faculdade, estando sempre de portas abertas para me receber, quer fosse para o pernoite ou mesmo para um café e uma conversa.

Ao meu primo, Thiago, cujas caronas e milkshakes me salvaram no início da faculdade.

Aos meus colegas de faculdade, os “pigmeus”. Sem vocês, esses últimos anos seriam bem mais sem graça e mais difíceis. Cada um, da sua forma, me incentivou a crescer e a amadurecer, não só profissionalmente, mas também emocionalmente. Principalmente, obrigada às minhas grandes amigas Beatriz, Heloise e Marina, que me apoiaram e me acalmaram no transcorrer dessa monografia.

Aos meus amigos do colégio, que sempre me animaram e me ampararam. Posso contar com cada um para rir, para lembrar quem eu sou e o quanto mudei. Muito obrigada pela amizade imutável e pelo elo inquebrável. Sei que, mesmo com a distância que a vida impôs entre nós, sempre terei a amizade e o apoio de vocês.

Aos meus colegas do Ministério Adorar, principalmente, Matheus e Emanuella, que jamais permitiram que eu perdesse o foco, tanto na vida profissional quanto na espiritual.

Às minhas grandes amigas Rute, Yasmim e Mariana, que sempre me levantaram nos momentos de desespero e me divertiram nos momentos mais leves. Muito obrigada pelas partilhas, pelos conselhos e pela paciência.

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interesse pela pesquisa acadêmica.

À Professora Thereza Rachel e à Professora Márcia Chagas, que atenciosamente aceitaram participar da banca examinadora, cedendo seu tempo e atenção.

A todos aqueles que, mesmo não diretamente citados, contribuíram para a minha graduação e para a realização deste trabalho de conclusão de curso. Obrigada a todos que acreditam em mim e que torcem para que eu realize meus sonhos.

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toca profundamente o coração, obrigando-nos também a um exame de consciência. O que fazemos para que essas crianças possam olhar para nós sorrindo e manter um olhar límpido, cheio de confiança e de esperança? O que fazemos para que não lhes seja roubada esta luz, para que esses olhos não sejam perturbados e corrompidos por aquilo que encontrarão na rede, que será parte integrante e importantíssima do seu ambiente de vida? Portanto, trabalhemos juntos para ter sempre o direito, a coragem e a alegria de fitar nos olhos as crianças do mundo”

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O presente trabalho almeja analisar a implementação da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de menores pelo Brasil. Analisa, inicialmente, a necessidade da ratificação da Convenção de Haia de 1980 pelo país, examinando o histórico do Direito da Criança em âmbito internacional. Em seguida, são estudados os diferentes aspectos da convenção, seus diferentes conceitos, hipóteses de aplicação, exceções e críticas. Por fim, examina casos práticos, com o objetivo de observar se o ordenamento brasileiro aplica a Convenção de Haia de 1980 efetivamente. O estudo foi realizado essencialmente a partir de pesquisa documental e revisão bibliográfica, baseada na avaliação e interpretação das informações coletadas. Concluiu que, embora a Convenção de Haia de 1980 tenha fornecido grande avanço ao combate ao Sequestro Interparental de Crianças, ainda é necessário que o país estabeleça uma estrutura melhor para cumprir a convenção em seus termos e conseguir, consequentemente, resultados mais significativos.

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The present work aims to analyze the implementation of the Hague Convention of 1980 on the Civil Aspects of International Child Abduction by Brazil. It Analyzes, initially, the need of Brazil to ratificate the Hague Convention of 1980, examining the historic of the Rights of the Child at intertional level. Subsequently, studies the differents aspects of the Convention, their differents concepts, aplications, exceptions and criticisms. Lastly, examines the pratical cases, with the objective of perceive if the brazilian legal system applies the Hague Convention of 1980 effectively. The work was essentially based on documental research and bibliographical review, based on the evaluation and interpretation of the collected information. It concluded that, although, the Hague Convention of 1980 has provided a big progress in the combat against the International Parental Child Abduction, still needs that the country establish a structure capable of fulfil the terms of the Convention and to achieve, consequentially, meaningful results.

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Art. STF CH80 ONU AGU HCCH CPDIPH CNJ ACAF SEDH GPECH

CJF DRCI

DIP MJ

INTERPOL EUA

Artigo

Supremo Tribunal Federal Convenção de Haia de 1980 Organização das Nações Unidas Advocacia Geral da União

Hague Conference on Private Internacional Law

Conferência Permanente de Direito Internacional Privado da Haia Conselho Nacional de Justiça

Autoridade Central Federal

Secretaria Especial de Direitos Humanos

Grupo Permanente de Estudos sobre a Convenção de Haia de 1980

Conselho da Justiça Federal

Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional

Direito Internacional Privado Ministério da Justiça

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1 INTRODUÇÃO...14

2 A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO...16

2.1 O desenvolvimento dos Direitos das Crianças na esfera internacional...17

2.2 A problemática do Sequestro Internacional: a Convenção de Haia de 1980...20

2.3 A internalização de convenções internacionais no ordenamento interno brasileiro...23

2.4 A ausência de legislação específica no ordenamento jurídico brasileiro e a internalização da Convenção de Haia de 1980: a caminhada até o Decreto 3.413/2.000. 25 3 A APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980 NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: SEUS CONCEITOS, RITO PROCESSUAL ADEQUADO E CRÍTICAS...28

3.1 As definições operacionais da Convenção de Haia de 1980...29

3.1.1 Abduction X Sequestro: nomenclatura controversa...30

3.1.2 A definição própria de Direito de Guarda presente na CH80...32

3.1.3 A Residência Habitual e a escolha da jurisdição competente...33

3.1.4 O Princípio do Melhor Interesse da Criança: a prioridade da Convenção de Haia de 1980...37

3.2 Sequestro Interparental: o papel da autoridade central federal...38

3.3 Hipóteses em que a Convenção de Haia de 1980 deve ser aplicada e suas exceções...41

3.4 O trâmite processual do pedido de restituição do menor transportado ilegalmente..44

3.4.1. Casos de Cooperação Passiva: o Brasil como Estado requerido...45

3.4.2 Casos de Cooperação Ativa: o Brasil como Estado requerente...46

3.5 Críticas internacionais: as dificuldades enfrentadas no cumprimento da CH80 pelo Brasil...47

4. CASOS PRÁTICOS: DESAFIOS DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA 51 4.1 Caso Sean Goldman: a atuação brasileira nos primeiros anos após a ratificação da Convenção de Haia de 1980...52

4.2 Caso Nicolas Brann: o despreparo atual do judiciário brasileiro...56

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1 INTRODUÇÃO

O sequestro internacional de menores, como é denominada a subtração ilegal de um menor de 16 anos por um genitor para um país diferente do qual ele estabelecia residência habitual, é um tema que possui grande impacto e relevância no âmbito internacional. Da mesma forma, esse destaque ocorre no Brasil, país em que é alarmante a frequência de pedido de restituição desses menores. Por esse motivo, o país optou por ratificar a Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças por meio do Decreto nº 3.413/2000. Entretanto, a absorção de uma convenção internacional gera diversos obstáculos para o Estado Signatário, tais como diferenças entre conceitos e a dificuldade de desenvolver uma estrutura interna capaz de efetivar o requerido pela convenção.

O objetivo central presente neste trabalho é realizar uma análise da implementação da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças pelo ordenamento jurídico brasileiro, com o escopo de observar se a sua aplicação vem se dando com efetividade. Questiona-se como ocorreu a ratificação dessa Convenção, se havia necessidade para que ela fosse absorvida pelo ordenamento jurídico brasileiro, se não existiram obstáculos para essa implementação e, por fim, como o Brasil põe em prática o procedimento trazido pelo Decreto nº 3.413/2000, se consegue cumpri-lo correta e detalhadamente.

Para a realização de tal análise, no primeiro capítulo será investigado se havia realmente a necessidade de o ordenamento brasileiro ratificar a CH80 por meio do Decreto nº 3.413/2000, sendo estudado como ocorreu o desenvolvimento do Direito da Criança no âmbito internacional. Será também investigada a problemática do Sequestro Interparental, demonstrando, assim, a importância da CH80 como remédio para o tema. Em seguida, haverá o enfoque na experiência brasileira, examinando como a problemática era tratada antes da CH80 e como se sucedeu a internalização da Convenção

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como a diferença entre os diferentes casos de cooperação internacional. E, por fim, nele serão abordadas as críticas e as dificuldades enfrentadas pelo Brasil ao implantar a CH80.

No terceiro capítulo, serão analisados resultados já obtidos pelo Brasil na prática da CH80. Será verificado se o país atuou com efetividade, seguindo rigorosamente os ditames presentes no corpo do instrumento do Direito Internacional. Por fim, serão apresentadas as conclusões obtidas por meio do presente estudo.

O trabalho monográfico foi construído essencialmente a partir de pesquisa documental e de revisão bibliográfica. Foram estudados documentos internacionais que abordavam as temáticas. Ademais, também foi efetuada a leitura de livros, revistas, artigos científicos, dissertações de mestrado, nacionais e estrangeiras, e também relatórios referentes à Convenção.

Desta forma, a metodologia do presente trabalho foi descritiva, explicativa e bibliográfica, sendo baseada na avaliação e interpretação de diversas informações provenientes dos estudos efetuados.

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2 A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Em um cenário mundial globalizado, as relações sociais entre entes privados tornam-se cada vez mais comuns. Porém, não somente o firmamento dessas relações popularizou-se, mas também o seu término. Mais especificamente, com os divórcios provenientes de relacionamentos entre indivíduos de nacionalidades diferentes, tornam-se mais dificultosas certas questões familiares, sendo uma delas a incerteza de como será exercido o poder familiar, que é o poder-dever exercido pelos genitores de cuidar e proteger seus filhos, ou seja, com qual genitor ficará a guarda da criança.

Como consequência, são gerados diversos tipos de conflitos, sendo um dos mais frequentes o sequestro internacional de crianças, também denominado sequestro interparental. O sequestro internacional de crianças é definido pelo Grupo Permanente de Estudos do Supremo Tribunal Federal sobre a Convenção da Haia de 19801 como “um deslocamento ilegal da criança de seu país e/ou a sua retenção indevida em outro local que não o da sua residência habitual” (STF, 2018). Ou seja, tal delito ocorre quando um dos genitores da criança, infeliz com a situação de guarda estabelecida e sem o consentimento do outro, transporta seu filho consigo para um país diferente do que o infante possuía residência.

Para resolver a problemática, é necessário que haja uma colaboração entre os Estados envolvidos, devendo ser esta regida por uma convenção de natureza internacional. Entretanto, nem sempre foi assim. Somente após a ratificação da Convenção de Haia de 1980, que se concentrou nos aspectos civis do sequestro internacional de crianças, o Brasil passou a

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contar com tal dispositivo. Anteriormente, essa situação não apresentava solução satisfatória, o que culminava no baixo percentual de retorno das crianças brasileiras vítimas da subtração ilegal para a sua residência habitual.

Porém, para compreender-se como e porquê ocorreu a ratificação da Convenção de Haia sobre os aspectos civis do sequestro internacional de crianças de 1980 no Brasil, primeiramente será analisado, no presente capítulo, como se desenvolveu, no cenário internacional, o direito das crianças, com o enfoque nas principais conferências e convenções até chegar-se na CH80. Analisar-se-á, brevemente, os trâmites necessários para a ratificação de tratados e convenções internacionais no Brasil e, em seguida, será demonstrada a necessidade do ordenamento brasileiro absorver essa convenção por meio do Decreto nº 3.413/2.000.

2.1 O desenvolvimento dos Direitos das Crianças na esfera internacional.

A proteção da criança, em diversas faixas etárias, passou por grandes avanços nas últimas décadas do século XX, principalmente considerando-se a perspectiva da sociedade internacional. Se, no passado, a figura da criança sequer era considerada como sujeito de direitos e deveres, atualmente ela possui o amparo de diversas de conferências que lhe garantem direitos fundamentais pautados na norma internacional, na legislação brasileira, bem como também na doutrina, em jurisprudência e nos costumes em geral.

Em verdade, o desenvolvimento da proteção do infante iniciou-se ainda no século XIX, por meio da Convenção aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho de 1919. Nesta, determinou-se uma idade mínima para o trabalho infantil. Também, na mesma época, alguns países começaram a legislar sobre a educação compulsória de crianças, algo impensável o período. Até tal momento, as crianças não possuíam nenhum amparo na legislação. Essa péssima condição é visível através do caso “Mary Ellen” mencionado por Geraldine Van Bueren (apud DOLINGER, 2003, p.81):

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Conforme descrito acima, antes da Conferência Internacional do Trabalho de 1919, o desamparo infantil era tal que, mesmo ao se deparar com uma criança que sofresse maus-tratos, sequer era possível buscar apoio jurídico para cessar tal situação, pois os infantes não possuíam base legal que os protegesse de abusos.

Porém, somente no ano de 1924, foi publicado o primeiro documento de caráter abrangente que abordava a temática do direito das crianças: a Declaração de Genebra de 1924, também conhecida como “Carta da Liga sobre a Criança”. Como demonstrado a seguir, a declaração de 1924 iniciou verdadeiramente a tendência mundial de tutelar e garantir direitos à figura da criança (EGLANDINE apud DOLINGER, 2003, p. 82):

Pela presente Declaração dos Direitos da Criança, comumente conhecida como a Declaração de Genebra, homens e mulheres de todas as nações, reconhecendo que a humanidade deve à criança o melhor que tenha a dar, declara e aceita como sua obrigação que, acima e além de quaisquer considerações de raça, nacionalidade ou crença:

I. A criança deve receber os meios necessários para o seu desenvolvimento normal, tanto material como espiritual;

II. A criança que estiver com fome deve ser alimentada; a criança que estiver doente precisa ser ajudada; a criança atrasada precisa ser ajudada; a criança delinquente precisa ser recuperada; o órfão e o abandonado precisam ser protegidos e socorridos; III. A criança deverá ser a primeira a receber socorro em tempos de dificuldades; IV. A criança precisa ter possibilidade de ganhar seu sustento e deve ser protegida de toda forma de exploração;

V. A criança deverá ser educada com a consciência de que seus talentos devem ser dedicados ao serviço de seus semelhantes.

Como visto, a Declaração de Genebra de 1924 buscou garantir à criança seu direito de se desenvolver sendo livre de explorações. Destaca-se, entretanto, que passaram-se 35 anos para haver uma melhora nas garantias e nas proteções à criança no meio internacional. A Declaração dos Direitos das Crianças, também conhecida como a Declaração de 1959, modificou a forma como os infantes se relacionavam com seus direitos.

O avanço na tutela dos direitos das crianças é bem definida por Geraldine Van Bueren (apud DOLINGER, 2003, p.83), para ela, as crianças deixaram de ser meros recipientes passivos e tornaram-se reconhecidas como sujeitos do direito internacional, capazes de gozar de determinados direitos e liberdades.

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VISTO que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.

VISTO que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento.

VISTO que a necessidade de tal proteção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança.

Visto que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços.

[…] PROCLAMA esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as melhores em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas.

Como bem definido por Van Bueren, na Declaração de 1924, a criança apenas era reconhecida como um sujeito passivo. A ela é garantido o direito de ser educada, alimentada, sustentada, protegida, dentre outros. Porém, na Declaração de 1959, a criança não tem os seus direitos antecedidos pelo verbo “receber”, ela já é retratada como um sujeito de direitos, sendo capaz de gozar de diversos direitos e liberdades.

Atualmente, os direitos das crianças encontram-se pautados na Declaração de 1989 sobre os Direitos da Criança. Diferentemente das declarações mencionadas anteriormente, esta teve uma gigantesca adesão internacional, sendo a Convenção mais amplamente ratificada da história. Conforme as Nações Unidas (2015), a referida Convenção teve adesão de 195 países. O Brasil aderiu à Declaração em 24 de setembro de 1990 e esta serviu de inspiração na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Nádia de Araújo destaca (2016, p. 321) que os tópicos que foram abordados genericamente nessa Convenção foram regulamentados posteriormente pela Conferência da Haia e pelas Conferências Especializadas da Organização dos Estados Americanos.

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Del’Olmo (2014, p. 30), somente após aprovado e promulgado pelas partes signatárias, passa o tratado a ter força de lei. Desta forma, é essencial que haja a ratificação dos tratados, pois somente após esta que a sua natureza jurídica torna-se dupla, pois obriga o Estado tanto internalmente como no plano internacional.

A Declaração de 1989 diferencia-se das suas antecessoras, não só por sua definição de “criança”2 ou pela involução do “interesse da criança”3, mas sim pois contém normas positivas e negativas, devendo-se entender que ratificaram esse diploma legal estão sob a obrigação legal de cumpri-la integramente (DOLINGER, 2013, p. 86).

Assim, a Declaração de 1989 exerceu de forma exemplar o seu objetivo de incentivar os países-membros a implementarem em seus respectivos ordenamentos jurídicos a defesa do desenvolvimento pleno e harmônico da personalidade de suas crianças, inspirando-se principalmente nas normas internacionais que a antecederam e com a finalidade de particularizá-las em razão do sujeito de direito que tem como alvo — a criança —, bem como desenvolvê-las a partir da criação de mecanismos de aplicabilidade e de fiscalização desse princípios e normas (ALBERNAZ JÚNIOR; FERREIRA, 1998, p. 445).

Entretanto, mesmo abordando diversos temas extremamente relevantes, tais como o trabalho infantil e a exploração sexual de menores, bem como atuando na uniformização do direito internacional, tais convenções não ampararam os países na resolução de uma problemática que vem se popularizando ao longo dos anos: o sequestro interparental.

2.2 A problemática do Sequestro Internacional: a Convenção de Haia de 1980

Existem conflitos frequentes na comunidade internacional causados por pais que, visando exercer com exclusividade o direito de guarda e objetivando suprimir a influência do

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A Declaração de 1989 inicia-se com a definição de “criança”, identificando e restringindo a que indivíduo as suas disposições se aplicam. Tal definição encontra-se presente em seu artigo primeiro: “Para efeitos da presente Convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.”

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outro genitor sobre a prole comum, optavam por transferir os filhos para outros países, onde, distorcendo os fatos, logravam decisões judiciais que atribuíam aparência legal às situações ilícitas criadas, sepultando permanentemente os direitos do genitor ludibriado (AGU, 2015), é o denominado sequestro internacional de menores.

Esse problema, apesar de ser mais frequente no cenário atual, possui raízes muito antigas. O primeiro caso jurisprudencial de sequestro interparental registrado ocorreu no ano de 1898 (Garsonnet e Brun apud DOLINGER, 2003, p. 236):

[…] referente à multa a que a Princesa de Beauffremont foi condenada pelo tribunal francês, no valor de 500 francos por dia, durante o 1º mês e de 1.000 francos por dia a partir do 2º mês, se não devolvesse os filhos ao marido, sentença esta cujo reconhecimento e execução foram negados pelo tribunal belga, pois o marido teria que provar que além dos prejuízos morais tinha efetivamente tido danos materiais decorrentes do ato de sua mulher.

Da Conferência Permanente de Direito Internacional Privado da Haia, frutificou a convenção responsável por proteger as crianças dos efeitos prejudiciais do rapto e da retenção ilícita internacional mediante um procedimento que visa conseguir o seu rápido regresso (HCCH, 2018): a Convenção de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

Merece destaque também a Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores, que serviu de inspiração para a criação da CH80. Ambas possuem diversos objetivos em comum, sendo alguns deles a restituição imediata de menores retirados de forma ilícita e a proteção dos direitos de guarda (ARAÚJO, 2016, p. 334).

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Atualmente, a CPDIPH conta com mais de 120 países que participam dos trabalhos da conferência (STF, 2018), o que demonstra a sua eficácia, visto que o seu objetivo é lutar por uma progressiva redução das diferenças entre os sistemas jurídicos de cada país; adotando, para tanto, uma série de regras e tratados internacionais de Direito Internacional Privado (Ministério da Justiça, 2018).

Ao longo dos anos, a CPDIPH produziu, dentre outras, convenções sobre adoção, alimentos, proteção de adultos, proteção de crianças. Ou seja, grande parte de seu enfoque é na questão do direito de família internacional. Entretanto, dentre todas, destaca-se a convenção de 1980. Esta possui natureza de norma-quadro de cooperação jurídica internacional4, justamente por estabelecer obrigações recíprocas entre os Estados-Partes (AGU, 2015).

Antes da criação da Convenção de Haia de 1980 havia pouca perspectiva de resolução quando ocorria um caso de sequestro interparental. É o que relata Araújo (2016, p. 321):

Para essas situações, os instrumentos tradicionais do direito internacional privado eram inadequados: era difícil tanto o pedido de guarda no país estrangeiro, quanto o cumprimento da ordem proveniente do exterior, que necessitava ser cumprida em outra jurisdição, pois havia grande sentimento de desconfiança entre os juízes. Presumia-se que depois que a criança fosse restituída para outro país jamais retornaria. Isso gerava grande sensação de frustração por parte de todos os envolvidos. Não havia nenhum instrumento em prol da cooperação entre os poderes judiciários e a exceção de ordem pública assumia um papel preponderante na maioria dos julgamentos.

E várias nações permaneceram com o rito ineficiente e moroso, pois somente aqueles países que aderiram à referida convenção poderiam gozar de seus benefícios, sendo o Brasil um deles, visto que somente internalizou a CH80 em no ano de 2000, 20 anos após a criação dessa.

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2.3 A internalização de convenções internacionais no ordenamento interno brasileiro

Antes de se comentar como ocorreu a absorção da Convenção de Haia de 1980 pelo ordenamento jurídico brasileiro, é necessário, primeiramente, compreender como se desdobra o processo de internalização de tratados e convenções internacionais pelo Brasil.

Sabe-se que convenções são, basicamente, tratados solenes, multilaterais, oriundos de conferências internacionais que versam sobre assuntos de interesses gerais, nas quais a vontade das partes não é divergente. Ademais, mesmo não sendo sinônimos, os termos “convenção” e “tratado” são muitas vezes utilizados como se o fossem, isso ocorre até mesmo na Constituição Federal de 1988 (MAZZUOLI, 2011, p. 178).

Por este motivo, João Hermes Pereira de Araújo (apud MAZZUOLI, 2011, p. 179) afirma que a prática internacional estimula que se evite o uso da palavra “tratado” para designar atos bilaterais, qualquer que seja a sua importância, ainda mais se esses formalizarem um acordo de vontades diferentes. Mesmo assim, é extremamente comum encontrar textos em que há confusão entre os conceitos hodiernamente.

Mazzuoli (2011, p. 114), ao listar as fontes do Direito Internacional, menciona os tratados, salientando a sua importância:

Os tratados internacionais são, incontestavelmente, a principal e mais concreta fonte

do Direito Internacional Público na atualidade, não apenas em relação à segurança e

estabilidade que trazem nas relações internacionais, mas também porque tornam o

direito das gentes mais representativo e autêntico, na medida em que se

consubstanciam na vontade libre e conjugada dos Estados e das Organizações

Internacionais, sem a qual não subsistiriam.

Mesmo sendo uma fonte tão importante para o Direito Internacional, a ratificação de convenções foi uma questão que gerou muita polêmica ao longo dos anos. De tal discussão, emergiram duas teorias clássicas: os dualistas e os monistas. Rocha (1996, p. 73), explica:

Os primeiros, tendo como principais arautos Triepel e Anzilotti, sustentam a

independência do direito internacional frente ao direito interno. Afirmam tratar-se de

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consequência, haver conflito entre suas normas, já que não é possível uma norma ser

simultaneamente obrigatória em ambas as ordens jurídicas. Os segundos, que têm

como precursor Hans Kelsen, dividem-se em duas correntes. Uma sustenta a

existência de uma ordem, composta de regras internacionais e internas, sob o

primado do direito internacional; e a outra defende a primazia do direito nacional,

argumentando ser uma faculdade do Estado soberano a adoção de regras de direito

internacional.

Como visto, era discutido se os tratados internacionais possuíam ou não força vinculante para com seus Estados signatários. Atualmente, é pacífico o entendimento de que as convenções internacionais são dotadas de força cogente em relação a seus Estados pactuantes. Entretanto, ainda há divergência de posicionamentos ao questionar se a vigência ocorre automaticamente ou se é necessário que o Estado signatário adote alguma formalidade específica (ROCHA, 1996, p. 73). Sobre tal questão, Rocha (1996, p. 73) explica o posicionamento do Brasil:

Aqui, mais uma vez, surge a polêmica entre monistas e dualistas. Os primeiros

apregoam que a incorporação das regras internacionais no direito interno se dá

automaticamente com a ratificação do tratado; enquanto os segundos sustentam que

tais regras só vigoram internamente caso transformadas em norma jurídica nacional.

No Brasil, adotou-se uma solução mais consentânea com a doutrina dualista, embora

sem o radicalismo da exigência de elaboração de lei formal, para que se desse a

incorporação do direito internacional no direito interno. Todavia, não se contentou o

legislador constituinte com a simples ratificação.

Atualmente, para se compreender como ocorre o processo de incorporação de uma convenção internacional pelo Brasil, deve-se interpretar conjuntamente os artigos 49, I e 84, VIII da Constituição Federal Brasileira de 1988:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

[…]

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: […]

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[…]

Analisando ambos, verifica-se que rito a ser seguido exige que primeiramente haja a celebração do tratado, para que o mesmo seja aprovado pelo Congresso Nacional e, por fim, que este seja ratificado pelo Presidente da República tornando-se, assim, norma.

Segundo Carvalho (2016), as normas são divididas em três planos: o de existência, o de validade e o da eficácia. Após a ratificação e publicação do Decreto Presidencial de Execução, a convenção entra no ordenamento jurídico brasileiro, portanto, existe e torna-se válida.

Quanto à sua eficácia, depende da sua recepção pela ordem jurídica interna e do status jurídico que esta lhes atribui (31). No Brasil, os tratados absorvidos revogam, ainda que

tacitamente, as normas anteriores contrárias a seu conteúdo (CARVALHO, 2016).

Entretanto, o presente trabalho não vem analisar a eficácia da Convenção de Haia de 1980, mas sim se a mesma é aplicada com efetividade pelo ordenamento jurídico brasileira. Há uma distinção entre os termos. Por eficácia, entende-se alcançar a meta almejada, o seu objetivo. Já o conceito de efetividade é muito maior, englobando o de eficácia. Efetividade é a capacidade de alcançar o objetivo da melhor forma possível. A questão da efetividade da CH80 será abordada no capítulo seguinte, em que será analisada detalhadamente a aplicação da Convenção no Brasil.

Por fim, salienta-se que mesmo que muitos tratados e convenções encontrem-se ratificados pelo ordenamento jurídico brasileiro, é extremamente comum que esses sejam pouco invocados ou até mesmo mal interpretados pelos juristas pela população brasileira. É o que ocorre com o Decreto 3.413/2000, fruto da ratificação da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Criança.

2.4 A ausência de legislação específica no ordenamento jurídico brasileiro e a internalização da Convenção de Haia de 1980: a caminhada até o Decreto 3.413/2.000

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Primeiramente, em grande número de casos, o paradeiro da criança era ignorado, o que exigia um demorado processo de investigação, no qual a parte lesada recebia pouco ou nenhum apoio das autoridades do país em que a criança supostamente se encontrava. Assim, caso conseguisse encontrar o infante, o genitor prejudicado deveria ingressar no juízo local, onde se iniciava um processo de averiguação do estado em que se encontrava a criança, que, arrastando-se ao longo dos anos, resultava em uma decisão no sentido de não devolução da criança, por mais irregulares que tivessem sido as circunstâncias de seu deslocamento.

Salienta-se que o Brasil, não aderiu à Convenção de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças até o ano 2000 e, até esse período, não possuía legislação interna que amparasse verdadeiramente o genitor da vítima. Nádia de Araújo (2016, p. 323) descreve o rito no trecho seguir:

Nos casos em que a criança era retirada do Brasil de forma ilícita, cabia ao pai ou à mãe recorrer à justiça estrangeira sem qualquer apoio das autoridades brasileiras. Ao contrário, quando a criança vinha para o Brasil, a decisão estrangeira ordenando sua restituição precisava ser homologada previamente no STF, que reiteradamente negava o exequatur5

às medidas de caráter executório. Como era fácil a obtenção de uma guarda provisória no país, o destino da sentença estrangeira era invariavelmente o indeferimento, por já existir decisão nacional sobre a matéria.

Ou seja, como não havia legislação brasileira que regulasse o tema, nas hipóteses que o menor era retirado do Brasil ilegalmente, o genitor interessado deveria ingressar com ação diretamente na justiça do Estado estrangeiro sem qualquer apoio do Governo brasileiro. Mas, caso a criança fosse trazida ilicitamente para o Brasil, a decisão favorável à restituição tinha de passar por homologação prévia do STF, que geralmente resultava na não autorização do exequatur às medidas de caráter executório (GASPAR; AMARAL, 2013, p. 357).

Desta forma, depreende-se que o procedimento a ser seguido era extremamente dispendioso, frustrante e infrutífero. E, embora os benefícios trazidos pela ratificação da Convenção de Haia de 1980 fossem muitos, sempre há muitas questões a serem ponderadas ao se considerar absorver em seu ordenamento interno uma convenção internacional, por exemplo, deve-se analisar se há legislação incompatível ou mesmo se é possível cumprir as obrigações exigidas.

Assim, passaram-se 20 anos até o país tornar-se Estado signatário e optar por internalizar a Convenção de Haia de 1980 por meio da promulgação do Decreto nº 3.413 no

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dia 14 abril de 2000, tempo que as vítimas permaneceram sem o apoio de autoridades brasileiras para a resolução de seu dilema.

Primeiramente, a Convenção de Haia de 1980 foi aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 79 de 15 de setembro de 1999, sendo o Instrumento de Adesão6 depositado à Convenção no dia 19 de outubro de 1999.

Existem outras legislações que marcam a ratificação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças pelo ordenamento jurídico brasileiro além do Decreto nº 3.413/2.000. O Decreto nº 3.951 de 04 de outubro de 2001 foi o responsável por designar a Autoridade Central, autoridade esta responsável por cumprir as obrigações impostas pela CH80, o Conselho da Autoridade Central Administrativa Federal contra o Sequestro Internacional de Crianças, bem como instituiu o Programa Nacional para a Cooperação no Regresso de Crianças e Adolescentes Brasileiros Sequestrados Internacionalmente. Outro exemplo seria a Portaria nº 34 de 28 de janeiro de 2014, que criou a Comissão Permanente sobre Subtração Internacional de Crianças no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Embora o procedimento mais célere presente na CH80, agora Decreto nº 3.413/2.000 tornar possível a possibilidade de requerer ao juiz de 1º grau o pedido de restituição do menor sequestrado, o denominado auxílio ou assistência direta (ARAÚJO, 2016, p. 323), também é permitido recorrer diretamente à Autoridade Central ou à Justiça do país em que a criança está sendo mantida (DOLINGER, 2003, p. 267).

O Brasil, ao ratificar a CH80, conforme o preâmbulo da mesma, assumiu o dever de combater o sequestro internacional de menores e, consequentemente, a obrigatoriedade de promover a efetiva defesa dos interesses das crianças envolvidas. Devendo, assim, o Estado ser responsável por tornar efetivo o procedimento absorvido. Entretanto, analisar-se-á que existem diversos empecilhos que dificultam a perfeita aplicação da Convenção de Haia de

1980 pelo ordenamento judiciário brasileiro.

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3 A APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO DE HAIA DE 1980 NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: SEUS CONCEITOS, RITO PROCESSUAL ADEQUADO E CRÍTICAS

Hodiernamente, faz 18 anos que o Brasil optou por ratificar e promulgar a CH80 sobre os aspectos civis do rapto internacional de crianças. Com o passar dos anos, tal Convenção tem aumentado gradativamente a sua importância, de acordo com o respectivo crescimento do número de casos ocorridos no país.

Conforme o Manual de Aplicação da Convenção de Haia de 1980 publicado pelo Conselho da Justiça Federal (2015, p. 07), os casos de sequestro interparental aumentaram 150% somente no período entre 2008 e 2015. Ou seja, urge a necessidade de que o respectivo procedimento adotado para a resolução de tal situação seja eficiente e célere, de forma tal que o melhor interesse da criança permaneça preservado. É o que aduz o artigo 2º do Decreto 3.413/2.000:

Artigo 2º – Os Estados Contratantes deverão tomar todas as medidas apropriadas que visem assegurar, nos respectivos territórios, a concretização dos objetivos da Convenção. Para tal, deverão recorrer a procedimentos de urgência.

Entretanto, o país tem tido dificuldades para assegurar o cumprimento dos objetivos da CH80 com efetividade. As dificuldades enfrentadas são plurais. Quer sejam motivadas pela grande dimensão do território brasileiro, ou mesmo pela escassez de pistas sobre a localização do infante informadas pelo requerente, o ordenamento jurídico depara-se com diversas complicações que o impedem de aplicar a CH80 como deveria fazê-lo.

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3.1 As definições operacionais da Convenção de Haia de 1980

Para o Brasil ser capaz de por em prática a CH80, é necessário que o país cumpra eficientemente os objetivos dessa. Tais objetivos são especificados logo no início da convenção, em seu artigo 1º:

Artigo 1º – A presente Convenção tem por objetivo:

a) assegurar o retorno imediato de crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;

b) fazer respeitar de maneira efetiva nos outros Estados Contratantes os direitos de guarda e de visita existentes num Estado Contratante.

Entretanto, para que esse fim seja verdadeiramente alcançado, é necessário que aqueles que atuam no processo, tais como os Juízes Federais ou mesmo os membros da AGU, tenham pleno conhecimento do teor da CH80 e de suas definições específicas.

Muitos termos utilizados na CH80 não possuem o significado adotado mais comumente no ordenamento jurídico brasileiro. Por exemplo, ao denominar-se a “Convenção sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças”, o vernáculo “Crianças” não possui o conceito lato sensu7. O dicionário Houaiss oferece três diferentes definições para “criança”:

Cri.an.ça

s.f.1 Bebê

s.f. 2 Ser humano antes de ser adulto

adj.2g.s.f. 3 Que(m) age de maneira não adulta

Entretanto, ao deparar-se com a palavra “criança” ou mesmo ao termo “menor”, deve-se atribuir o significado de “menor de 16 anos”, pois, é o que afirma o artigo 4º da referida convenção:

Artigo 4º – A Convenção aplica-se a qualquer criança que tenha residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de guarda ou de visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de dezesseis anos.

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Essa questão é de extrema relevância pois, quando há um caso em que não se obtém interpretação correta dos artigos da CH80, provavelmente os consequentes atos processuais, administrativos ou judiciais, serão repletos de erros que poderão culminar em atrasos ou até mesmo na nulidade do processo.

Para tanto, diversos órgãos e instituições criaram manuais capazes de informar não só os operadores de direito, mas também a população em geral. Esses manuais podem ser encontrados facilmente nos sites da CJF, AGU e até mesmo no Ministério da Justiça.

O STF, no ano de 2006, optou por criar o GPECH, um grupo composto por diversos operadores do direito que tem a intenção de divulgar a CH80, incentivando estudos e pesquisas, promovendo discussões nos âmbitos nacional e internacional, bem como ofertando elementos capazes de auxiliar a interpretação e aplicação da referida convenção (STF, 2018).

E assim, buscando também esclarecer os vernáculos que assumem uma definição stricto sensu, a seguir serão elucidadas certas palavras e expressões presentes no texto do

Decreto nº 3.413/2.000.

3.1.1 Abduction X Sequestro: nomenclatura controversa

Um dos primeiros obstáculos a ser enfrentado é a nomenclatura da convenção. A Convenção de Haia de 1980 é denominada como a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ou seja, ao abordar o assunto, o mesmo é denominado como “Sequestro”, o que gera uma confusão de interpretação, uma incompreensão ao leitor.

No Brasil, o termo “sequestro” geralmente refere-se ao crime presente no artigo 148 do Código Penal Brasileiro:

Art. 148 – Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: Pena – reclusão, de um a três anos.

§ 1º – A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:

I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;

II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III – se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.

IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

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§ 2º – Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:

Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Tampouco, ao considerar-se a denominação “sequestro internacional de crianças”, deve-se assimilar ao rapto de infantes por terceiros com o fim de interesses de ganho econômico, como nos casos de tráfico internacional ou exploração de crianças, mas sim aos aspectos civis da ação perpetuada por um de seus pais ou parentes próximo (DOLINGER, 2003, p. 236).

Desta forma, ao referir-se à expressão “sequestro de menor”, no Brasil, há de pronto a associação com uma ação de natureza violenta em que se objetiva privar um menor de sua liberdade. Em verdade, ao referir-se a “sequestro internacional de menores”, o tradutor busca, conforme comentários elaborados por membros do Grupo Permanente de Estudos sobre a Convenção da Haia de 1980, nomear a conduta de realizar um deslocamento ilegal da criança de seu país e/ou a sua retenção indevida em outro local que não seja o da sua residência habitual.

Nos países de língua inglesa, o termo adotado foi “abduction”, que significa o transporte ilegal de um indivíduo (no caso, de uma criança), para outro país mediante fraude ou uso de força. Já na França, o vocábulo escolhido foi “enlèvement”, que significa retirada ou remoção. Em Portugal, a palavra escolhida ao traduzir a CH80 foi “rapto”, que adequa-se à legislação portuguesa, mas não à brasileira, visto que essa também carrega um significado similar à “sequestro”.

Em relação ao conflito de interpretação, a relatora do Informe Explicativo da Convenção, Elisa Pérez-Vera, (1982, p. 29) afirma que esse vocábulo foi o escolhido pois ele já era habitualmente utilizado pela mídia.

Deve-se salientar que, apesar das diversas críticas feitas em relação à escolha da palavra “sequestro”, esta é capaz de atribuir a gravidade da situação a que o menor envolvido se encontra, especialmente ao se considerar a instabilidade em que a vítima irá se submeter e aos danos que poderá sofrer.

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3.1.2 A definição própria de Direito de Guarda presente na CH80

O Decreto 3.413/2.000 estabelece em seu artigo 5º os seus conceitos de direito de guarda e de direito de visita:

Artigo 5º – Nos termos da presente Convenção:

a) o “direito de guarda” compreenderá os direitos relativos aos cuidados com a pessoa da criança, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência;

b) o “direito de visita” compreenderá o direito de levar uma criança, por um período limitado de tempo, para um lugar diferente daquele onde ela habitualmente reside.

Entretanto, ao considerar-se esses conceitos, principalmente o de guarda, deve-se levar em conta a necessária autonomia dos conceitos no ramo do Direito Internacional Privado. A proteção da autonomia dos conceitos culmina em uma uniformidade de interpretação e, consequente, de aplicação dos tratados e convenções do DIP (AGU, 2011, p.11).

Assim, de acordo com a autonomia dos conceitos, a definição de direito de guarda trazida pela CH80 não necessariamente coincide com o conceito presente no ordenamento do país que opta pela absorvição de tal convenção. Por esse motivo, a essa conceituação diferenciada é atribuído o nome de “direito convencional de guarda”, para que desse conflito não decorram confusões ou desvios de interpretação.

Salienta-se que o denominado “direito convencional de guarda” possui um significado mais amplo que o conceito de guarda utilizado pela legislação brasileira, pois o primeiro, por possuir uma definição mais abrangente, engloba uma quantidade maior de hipóteses que o segundo. AGU, 2011, p.11).

Depreende-se, a partir da leitura do artigo 5º que não há restrição à modalidade de guarda, sendo, portanto, cabível o pedido de restituição do menor movido ilegalmente nos casos de guarda unilateral, alternada ou compartilhada8. Entretanto, conforme o mesmo artigo,

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https://samararodriguez.jusbrasil.com.br/artigos/118530834/analise-dos-tipos-de-guarda-existentes-no-esse regime de guarda devia ser exercido logo antes da subtração ilícita da criança (AGU, 2011, p. 11).

A Advocacia-Geral da União (2011, p.12) ainda acrescenta que a CH80 objetiva não só proteger aquele que possui a “guarda física” do menor, mas sim daquele que é detentor do “direito convencional de guarda”, é o que explica no trecho a seguir:

É possível que o ordenamento jurídico do país de residência habitual determine que, ainda que os pais sejam separados (divorciados, não casados, etc.), ambos seguem compartilhando, em igualdade de condições, o “poder familiar” (ou “responsabilidade parental”, “autoridade parental”, denominação que dependerá de cada país) – apenas ocorrendo sua destituição por intermédio de decisão judicial. Nesses casos, é comum que tais poderem incluam “o direito de decidir o local de residência da criança” (seja expressamente, seja implicitamente – por exemplo, quando impõe que as viagens internacionais da criança acompanhadas apenas por 1 dos genitores deverá ocorrer com autorização do outro ou suprimento judicial; quando defere a ambos a atribuição de tomarem, em igualdade de condições, as decisões mais importantes quanto à vida da criança, dentre outras). Portanto, estando-se diante da situação em que: i) o genitor abandonado não detém a custódia física da criança (titularizando, por exemplo, apenas “direito de visitas), mas segue compartilhando o “poder familiar” com o outro genitor; ii) o Direito (lei, acordo ou decisão judicial) do local de residência habitual determina (expressa ou implicitamente) que o titular do “poder familiar” tem o direito de decidir o local de residência habitual da criança, esse genitor será detentor do “direito convencional de guarda” e, portanto, a subtração da criança de seu local de residência habitual, sem anuência do genitor abandonado fere tal direito deste último e, em consequência, configura sequestro internacional, que deverá ser combatido com sua imediata restituição ao país de residência habitual da criança.

Entende-se, portanto, que aquele que for o detentor do “direito convencional de guarda” será também o responsável por requerer o retorno do menor retido ilegalmente e por provar a sua qualidade de titular da guarda do infante conforme a legislação do país em que a criança estabelecia a sua residência habitual.

3.1.3 A Residência Habitual e a escolha da jurisdição competente

A expressão “residência habitual” é predominante na legislação. Ao analisar-se o artigo 3º do Decreto nº 3.413/2.000, é evidente que tal conceito é essencial para a identificação de casos em que se aplicam a CH80:

Artigo 3º – A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:

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a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção;

e b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado.

Ou seja, para compreender-se em quais casos é autorizada a aplicação da CH80, é necessário, primeiramente, entender a terminologia em que foi construída a legislação, sendo um deles a definição de “residência habitual”. Segundo os comentários à legislação tecidos pelo GPECH, houve divergência no momento de fixação dessa nomenclatura (STF, 2018, p. 04):

Os Estados contratantes manifestaram preferência, desse modo, por um termo que não oferecesse muita polêmica e fosse eminentemente prático, já que o conceito de domicílio, utilizado pelas legislações de vários Estados, entre os quais o Brasil, para fixação da competência jurisdicional internacional, é um conceito que engloba maior polêmica.

Porém, mesmo tal conceito sendo de imprescindível importância para a correta interpretação da CH80 e de seus procedimentos, a referida convenção optou por não conceituá-lo. Tampouco estabeleceu os critérios capazes de caracterizar o que seria uma “residência habitual”, apenas afirmando o teor do art. 3º, ou seja que, para o pleito ser considerado de natureza ilícita, é preciso que a criança subtraída estabelecesse residência habitual no Estado requerente logo antes à violação do Direito de Guarda ou de Visita.

Como a sua conceituação não está presente na CH80, deve-se recorrer ao direito local para obtê-la. Todavia, deve-se observar o que afirma o artigo 16 da legislação, para que não ocorram decisões judiciais ou administrativas conflituosas:

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A Cartilha publicada pela AGU “Combate à Subtração Internacional de Crianças: A Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” (2011, p. 12 e 13), apresenta uma conceituação para “residência habitual”:

Nesse contexto, “residência habitual” foi o elemento de conexão escolhido pelo tratado para indicação da lei aplicável à análise do pedido de cooperação jurídica internacional para restituição de crianças vítimas de subtração internacional: trata-se, em linhas gerais, do país do qual a criança foi retirada e, em consequência, aquele para o qual ela deverá ser restituída. Esse conceito não se aplica aos pedidos relacionados ao “direito de visitas” da convenção, já que, a aplicação do artigo 21 do tratado não exige a ocorrência de subtração internacional de crianças.

Ademais, aponta dois elementos essenciais para estabelecer tal definição:

Na configuração da “residência habitual”, apontam-se 2 elementos essenciais: “ânimo” (vontade de criar laços com um novo país, em detrimento de todos os demais) e “tempo”. Assim, a criança terá residência habitual num determinado Estado quando ela estiver nele residindo, com intenção de lá permanecer. O requisito tempo, no entanto, pode variar, não existindo um “prazo mínimo” para sua configuração. No caso de crianças, em especial as mais jovens, o mais comum é considerar como seu local de residência habitual o mesmo dos seus genitores.

A CH80, ao mencionar tal expressão, essa fundamenta-se na premissa de que o local em que a criança estabelece a sua “residência habitual” é aquele em que ela desenvolveu vínculos mais emocionalmente profundos e importantes. Ou seja, por meio dessa expressão, também é estabelecida mais uma proteção ao melhor interesse do menor.

Por fim, salienta-se que, ao adotar-se a expressão “residência habitual”, são, consequentemente, abandonadas uso de “domicílio” e “nacionalidade”, não devendo ser abordados questionamentos sobre o domicílio ou sobre a nacionalidade das partes envolvidas no processo (CARTILHA AGU, 2011, p. 12).

Questiona-se, porém, quanto tempo a criança deve residir em um local até que esse possa ser considerado como a sua residência habitual. O Ministério da Justiça responde a esse questionamento por meio de uma cartilha repleta de informações disponível em seu sítio (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2018, p. 05):

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onde ela foi abruptamente removida estará configurada se esta, dentre outros elementos, frequentava a escola, creche, possuía residência fixa.

Entretanto, há ainda mais um problema que decorre da aplicação da definição da residência habitual: Convém aplicar esse conceito mesmo nos casos em que o menor subtraído ilicitamente foi um recém-nascido? Essa problemática é apresentada e explicada por Brant, Lage e Cremasco (apud GASPAR e AMARAL, 2013, p. 366):

A respeito das crianças de tenra idade, o questionamento é decorrente da seguinte indagação: “Que laços afetivos uma criança recém-nascida deixa para trás?”. Visto que a razão do retorno imediato é a não desvinculação do menor de suas referências (família, amigos, idioma, etc.), o que fazer quando essas referências ainda não foram desenvolvidas por causa da idade? Esse é mais um dos pontos de interrogação que envolve a Convenção, porém o entendimento majoritário é de que, em geral, crianças pequenas devem permanecer sobre os cuidados das mães.

A decisão sobre qual a “residência habitual” do menor subtraído cabe ao Juiz ou à Autoridade Administrativa encarregada da análise do pedido de retorno. Esses deverão verificar se a criança em verdade residia no país que requer a sua volta, o que pode ser realizado por meio de análises de recibos de pagamentos, depoimentos de pessoas que conviviam com a vítima, dentre outros (STF, 2018, p. 06).

A questão da residência habitual do menor ilicitamente transportado ganha maior relevância no momento em que a parte interessada decide acionar as autoridades responsáveis, pois esse conceito é determinante para decidir qual é a jurisdição competente para receber e processar o pedido de restituição da criança. Sobre o assunto, Pérez-Vera (apud MESSERE, 2005, p. 81), afirma o seguinte:

[…] aquele que sequestra ou retém a criança pretende que sua ação seja legalizada pelas autoridades competentes do Estado para onde transferida a criança, um meio eficaz de dissuadi-lo consiste na retirada de toda consequência prática e jurídica de sua ação. E para tanto, a Convenção adota o remédio da restituição do menor ao Estado contratante de sua residência habitual imediatamente antes da transferência ou retenção ilícita. É uma forma indireta de fixação de competência, típica do direito internacional privado, e que permite que a posterior disputa pela guarda da criança seja resolvida pela autoridade judicial do Estado de residência habitual.

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3.1.4 O Princípio do Melhor Interesse da Criança: a prioridade da Convenção de Haia de

1980

O princípio do melhor interesse da criança (também conhecido como princípio do interesse superior do menor) é a base dos tratados e convenções que versam sobre a temática do sequestro interparental.

Porém, deve-se destacar que esse princípio possui raízes muito antigas. Como traçado por Pereira (apud MESSERE, 2005, p. 34), o princípio do interesse superior do menor já era utilizado antes mesmo do Código Civil Francês9:

[…] o princípio do superior interesse da criança deu seus primeiros passos por meio do instituto do parens patrie utilizado no período medieval inglês para a defesa dos interesses daqueles que não pudessem fazê-lo por conta própria. A partir do século XVIII, também na Inglaterra, distinguiu-se a atuação em defesa dos interesses da criança daquela dirigida à defesa dos interesses dos demais incapazes, como os acometidos de doenças mentais. De qualquer modo, a defesa do melhor interesse da criança tinha como foco a manifestação de vontade do pai ou da mãe, como se o direito de propriedade desse em relação à coisa-criança fosse o elemento determinante a ser considerado. O princípio foi introduzido em 1813 nos Estados Unidos, quando uma Corte da Pensilvânia decidiu que o fato de a mãe haver cometido adultério não deveria ser o elemento determinante da decisão quanto à guarda da criança. Esta deveria levar em consideração os cuidados dispensados pela mulher à criança, sem prejuízo do relacionamento da mulher com o marido. A decisão, assim, deveria buscar, com neutralidade, o melhor interesse da criança.

Tal princípio foi implementado expressamente na legislação brasileira por meio do artigo 227, caput da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (MESSERE, 2005, p. 35-36), entretanto, já haviam resquícios da sua influência nos Códigos Penais de 1830 e 1890, bem como no Código de Menores de 1979, que já forneciam uma proteção especial às crianças (GASPAR e AMARAL, 2013, p. 372).

Promover a defesa dos interesses da criança subtraída de sua residência habitual, mesmo não sendo expressamente exposto na CH80, é um dos principais objetivos dessa convenção. Messere (2005, p.93) afirma que é possível depreender-se da CH80 que o superior interesse da criança constituir-se-ia “no seu direito de não ser transferida do seu país de residência habitual ou retida no estrangeiro sem a autorização de seus pais”.

9

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Entretanto, a aplicação do referido princípio também gera questionamentos e conflitos. Por não possuir uma previsão expressa na CH80, os juízes acabam contemplando um dilema importante. Ao depararem-se com o caso concreto, não sabem o que deve prevalecer, o superior interesse da criança ou a não violação da residência habitual. Muitas vezes, o magistrado acaba por encontrar-se julgando a questão do direito de guarda, mesmo sendo de uma jurisdição diferente daquela decorrente da residência habitual do menor, postura essa que fere a CH80 (MESSERE, 2005, p. 93).

Mesmo gerando incertezas ao ser aplicado, o princípio do melhor interesse da criança permanece sendo o centro da CH80 pois, conforme Lopes (apud GASPAR e AMARAL, 2013, p. 372-373), ele opta por preservar os interesses dos infantes em detrimento dos interesses dos pais, estimulando a interpretação do caso concreto e favorecendo, assim, o desenvolvimento saudável desses.

3.2 Sequestro Interparental: o papel da autoridade central federal

A Autoridade Central Administrativa Federal é o órgão responsável no Brasil por adotar as providências necessárias quanto ao cumprimento das obrigações impostas pela Convenção de Haia de 1980, pela Convenção Interamericana de 1989 sobre Restituição Internacional de Menores e pela Convenção de Haia de 1993, relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em matéria de Adoração Internacional (sítio do Ministério da Justiça) concluída em 29 de maio de 1993, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999.

O segundo capítulo do Decreto n

º

3.413/2.000, mais especificamente em seu artigo 6º, refere-se à Autoridade Central, definindo a necessidade de ser constituída em cada Estado Signatário uma autoridade capaz de cumprir as obrigações exigidas pela CH80:

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Como pode ser observado, o legislador não utilizou a prerrogativa de designar mais de uma autoridade central, mesmo essa opção sendo possível, já que o Brasil é um estado que adota o federalismo. Isto ocorre, conforme explicado nos comentários do STF à legislação (sítio do STF), porque a União é a responsável por responder pelas obrigações provenientes dos tratados e convenções internacionais.

Segundo Messere (2005, p. 100), a CH80 estabelece as obrigações que devem ser cumpridas pelas autoridades centrais de cada país signatário:

a) Artigos 1º e 2º: Tratam do dever de implementação dos objetivos da convenção, de modo a assegurar o pronto retorno da criança e assegurar que os direitos de custódia e de acesso sejam respeitados;

b) Artigo 7º: Dever de cooperação com as autoridades centrais de Estados estrangeiros e de coordenação das atividades das autoridades internas, sobretudo em ambientes federais que contem com autoridades centrais em nível de unidade da federação;

c) Artigo 8º: As autoridades centrais têm o dever de receber e enviar os pedidos de retorno de crianças sequestradas, salvo se do relato ficar constatada a inocorrência dos pressupostos de aplicação da Convenção;

d) Artigo 9º: Caso a criança ilicitamente transferida não se encontre no território da autoridade central requerida, esta deverá transmitir o pedido imediatamente à autoridade central do país em que acreditar que a criança possa estar;

e) Artigo 10º: As autoridades centrais devem realizar todos os esforços para que o retorno da criança ao país de residência habitual ocorra de forma voluntária; f) Artigo 11º, § 2º: As autoridades centrais devem agir com presteza nos procedimentos de retorno das crianças;

g) Artigo 21º: As autoridades centrais devem promover o exercício pacífico do direito de visita e a remoção de todos os obstáculos ao exercício desse direito; h) Artigo 27º: As decisões que representarem negativa de cooperação segundo a Convenção deverão ser fundamentadas e informadas ao interessado ou à autoridade central requerente.

Por meio do Decreto nº 3.951 de 04 de outubro de 2001, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), ente da estrutura do Poder Executivo Federal, foi estabelecida como a Autoridade Central a que se refere o artigo 6º da CH80:

Art. 1º – Fica designada como Autoridade Central, a que se refere o art. 6º a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e Adolescentes, concluída em Haia, em 25 de outubro de 1980, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 79, de 12 de junho de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.413, de 14 de abril de 2000, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.

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Art. 2º – Compete à Autoridade Central:

I – representar os interesses do Estado brasileiro na proteção das crianças e dos adolescentes dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícita;

II – estabelecer os procedimentos que garantam o regresso imediato das crianças e adolescentes ao estado de sua residência habitual;

III – receber todas as comunicações oriundas das Autoridades Centrais dos Estados contratantes;

IV – promover ações de cooperação técnica e colaboração com as Autoridades Centrais dos Estados contratantes e outras autoridades públicas, a fim de localizar a criança ou o adolescente deslocado ou retido ilicitamente e assegurar, no plano administrativo, se necessário e oportuno, o seu regresso;

[…]

VII – tomar medidas em conjunto com outras autoridades públicas para acordar ou facilitar, conforme as circunstâncias, a obtenção de assistência judiciária e jurídica;

VIII – fornecer ao Departamento de Polícia Federal os dados referentes às crianças e aos adolescentes desaparecidos ou que tenham sido deslocados ou retirados de sua residência habitual em violação do direito de custódia, para que sejam feitas diligências nacionais e internacionais; e

IX – adotar as providências, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores e com o Departamento de Polícia Federal, para assegurar o regresso das crianças e adolescentes brasileiros transferidos ilicitamente para o exterior.

Observa-se, desta forma, que a ACAF possui diversas obrigações. Porém, destaca-se dentre todas o dever de prestar cooperação internacional de maneira célere e efetiva, objetivando diminuir o número de etapas no processamento de demandas judiciais tramitadas em países diferentes (sítio do Ministério da Justiça). Assim, também é uma das atribuições da ACAF, evitar problemas na comunicação internacional e no seguimento de pedidos, garantindo que as etapas processuais ocorram de acordo com os pressupostos processuais gerais e específicos aplicáveis a cada caso. Ou seja, cabe à ACAF lidar com os pedidos de cooperação jurídica internacional que envolvem o seu país, após a análise dos requisitos administrativos para a admissão do requerimento.

Estando presentes os requisitos de admissibilidade, a ACAF deverá buscar solucionar o conflito da forma mais amistosa possível, por exemplo, porventura seja um caso de sequestro passivo, enviando uma notificação administrativa àquele que mantém a criança no território brasileiro.

Referências

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