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Se a conflitualidade não para de crescer nas sociedades desenvolvidas modernas, temos fatalmente que falar na forma de resolvê-la, ou seja, na Administração da Justiça.

Fruto do que foi dito, a que se juntam necessariamente outras causas para além do desenvolvimento técnico-económico das sociedades, que não cabem no âmbito desta tese, todos temos a noção de que o Direito e a Administração da Justiça têm estado sujeitos a uma pressão e a um desenvolvimento acelerado. De facto, perpassa por todos a sensação de que o Direito penetra hoje abundantemente todas as dimensões da sociedade, do Ambiente64 ao Urbanismo65, da Educação à Saúde66, dos Transportes67 ao Consumo68.

Já Galanter69 no seu trabalho sobre o sistema judicial em sociedades desenvolvidas como o Reino Unido, os Estados Unidos e o Canadá, conclui que naqueles Estados, cujas sociedades são ricas, informadas e de grande diversidade social:

64 Cfr. Freitas do Amaral, Análise preliminar da Lei de Bases do Ambiente - Textos de Direito do Ambiente, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários,1994.

65 Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Direito do Urbanismo e do Ordenamento do Território, volume I, Coimbra, Almedina, 2012. 66 Cfr. Emmanuel Amaral, O impacto da educação, da inovação e da saúde : no crescimento e na convergência económica entre Estado-Membros da União Europeia, Lisboa : Princípia, 2008.

67 Barthélémy Mercadal, Droit des Transports terrestres et aériens, Paris, Dalloz, 1996. 68 Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, Coimbra, Almedina, 2005.

69 Marc Galanter, Direito em abundância: a actividade legislativa no Atlântico Norte, Revista Critica de Ciências Sociais, n.º 36. Coimbra. Centro de Estudos Sociais, 1993, pp. 130-131

“- há mais leis, mais advogados, mais processos, mais intervenientes estratégicos no jogo do direito; as sociedades gastam mais com o direito, tanto em termos absolutos como em termos relativos;

- as instituições jurídicas (incluindo os tribunais e as sociedades de advogados) funcionam cada vez mais de uma forma racionalizada, à maneira do mundo dos negócios, e com atenção à relação custo-eficácia;

- os advogados, administradores e juízes revelam mais iniciativa e sentido de inovação no modo como concebem e reformulam as instituições e os procedimentos;

- o direito é plural e descentralizado, emanado de uma multiplicidade de fontes;

- o facto de haver mais actores a aplicar mais normas e mais padrões a um conjunto mais variado de situações significa que do ponto de jurídico os resultados são contingentes e variáveis: é cada vez mais frequente ver normas fixas serem acompanhadas por padrões dialógicos igualmente variáveis;

- é cada vez mais frequente os resultados serem decididos pela via da negociação e não através de sentença;

- o direito é menos autónomo, menos estanque, mais absorvente, e mais aberto a métodos e a dados provenientes de outras disciplinas;

- uma vez que o direito é contingente, flexível e tecnicamente sofisticado, o trabalho jurídico tende a ficar cada vez mais caro. Por falta de posses, a maioria das pessoas acaba por ser empurrada para fora do mercado, deixando, na maior parte dos casos, de ter acesso directo ao direito;

- o direito funciona, cada vez mais, através de controlos simbólicos indirectos – quer dizer, pela irradiação de mensagens, e não tanto através da coacção física. A participação indirecta, feita através de grupos e dos meios de comunicação, aumenta a um ritmo mais rápido do que a participação directa.”

Estas conclusões, parecem, sem grande margem de contestação, aplicar-se à realidade jurídica nacional, ou a qualquer outra sociedade moderna na atualidade.

De facto, a seguir ao 25 de abril de 197470, o recurso à justiça pela população não cessou de crescer. Se na década de 70 do século passado entravam em média por ano 245.676 processos nos tribunais judiciais, nos anos 90 essa média já se cifrava em 609.827 para passar para 873.438 em 201271, ou seja, mais do que triplicou.

Dados recentes das estatísticas da justiça mostram que Portugal, país com pouco mais de 10,5 milhões de habitantes72, tinha em 2004 cerca de 1.600.000 processos pendentes. Apesar das diversas reformas encetadas, o Boletim de Informação Estatística n.º 20 da DGPJ73, de outubro de 2013, revelou que existiam no final do ano de 2012, 1.716.128 processos pendentes nos tribunais judiciais de primeira instância e que a duração média dos processos findos na Justiça Cível fora de 29 meses74.

É sabido que a Justiça assenta em três dimensões essenciais, que consistem na procura de decisões justas, o seu custo e o tempo de gestação das decisões75. A administração na área da justiça assenta no resultado da gestão destas dimensões, como reflexo das políticas empreendidas nesta área, não sendo ainda despiciendo considerar que pelo facto de se tratar de uma área de especial sensibilidade e intervenção do Estado, não se pode deixar de considerar os recursos financeiros possíveis de alocar.

É uma evidência que nas sociedades atuais, altamente desenvolvidas e socialmente complexas, em permanente e vertigionosa mutação, não se pode ter a utopia de que é possível uma reforma da justiça que responda de uma vez por todas (e para sempre) aos constrangimentos que o sistema vai apresentando. Face à crise da justiça de que tanto se fala, várias soluções são possíveis, como refere João Pedroso76 e que vão

70 Data da revolução que afastou o regime político em Portugal, introduzindo o Estado de direito democrático, conforme se refere no art.º 2.º da CRP.

71 Atualmente, fruto de diversos fatores que não cabem no âmbito deste trabalho, mas de que sobressai o elevado valor das taxas de justiça, este número baixou em 2013 para 712.719 processos entrados.

72 10.562.178 habitantes segundo os Censos 2011 realizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE)

73 A Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) do Ministério da Justiça, de acordo com o disposto no n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 163/2012, de 31 de Julho, tem por missão prestar apoio técnico, acompanhar e monitorizar políticas, assegurar o planeamento estratégico e a coordenação das relações externas e de cooperação, sendo ainda responsável pela informação estatística do sector da Justiça.

74 De facto, no cenário atual de funcionamento da justiça portuguesa, podemos perguntar se o disposto no n.º 5 do art.º 20.º da CRP tem aplicabilidade. Na verdade, aquele preceito determina que: “ Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

75 Adrian Zuckerman (org.), Civil Justice in Crisis, Oxford, Oxford University Press, 1999 76

do injetar mais recursos no sistema, a uma melhor gestão dos recursos, à aposta na inovação e na tecnologia ou à aposta em meios ditos alternativos à justiça convencional dos tribunais judiciais. Este autor sublinha que os “novos modelos emergentes têm constituído o modelo ADR77 (Alternative Dispute Resolution, ou mais recentemente,

Amicable Dispute Resolution), consistindo na criação de processos, instâncias e

instituições descentralizadas, informais e desprofissionalizadas, que permitem desviar a procura dos tribunais para outras instâncias públicas ou privadas”.

De facto, a administração da justiça tornou-se mais complexa e agravou-se com o advento das sociedades ditas de consumo. Todos, temos a noção de que isso seja porque provavelmente a publicidade é omnipresente e persuasiva, como estão constantemente a ser propostos ao consumidor produtos e serviços que o desenvolvimento científico e tecnológico propicia. Por outro lado, o aumento do rendimento das famílias nas sociedades ditas desenvolvidas, possibilitou o acesso a bens e serviços que sustentam o aparecimento e desenvolvimento das empresas que exploram esses bens e serviços.

Esta conjugação de fatores sociais e económicos permite que as pessoas participem quotidianamente numa teia de relações de consumo, sendo a maior parte dessas relações de reduzido ou mediano valor. O consumo é hoje em dia um fenómeno social por excelência.

Deste aumento das relações de consumo, como já foi referido, resultou inerente o aumento da conflitualidade que elas muitas vezes geram. A diversidade das questões que o consumo origina e a impossibilidade de as prever e regular na sua totalidade78, gera uma mutiplicidade de litígios que se abate de forma dramática pelos tribunais, impedindo o seu normal funcionamento e a discussão das relações jurídico-sociais de maior relevância.

77 RAL em português (passagem de resolução alternativa de litígios para resolução amigável de litígios).

78 Como se sabe, esse facto é aliás uma das causas geradoras das lacunas da lei.Cfr. José de Oliveira Ascensão, Interpretação das leis, integração das lacunas, aplicação do princípio da analogia, Lisboa, Ordem dos Advogados, 1997, pp. 913-941, disponível em www.oa.pt.

A este incremento da conflitualidade nas relações de consumo, respondeu o Estado como João Pedroso79 refere, isto é, com legislação num primeiro momento e depois com a criação de entidades especializadas na resolução dos conflitos de consumo, tendo sido por aqui que inicialmente se afirmaram, entre nós, parte dos hoje designados meios de RAL.

2.3. Dos meios de RAL em geral