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2.7. As ferramentas utilizadas pela Resolução Extrajudicial de Litígios

2.7.3. A arbitragem

É a Constituição da República Portuguesa (CRP) que afirma no n.º 1 do art.º 202.º que “Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”. Por seu turno, o art.º 209.º da CRP que trata das categorias de tribunais prevê expressamente a existência de tribunais arbitrais159.

Como também já foi sendo referido ao longo deste texto, a arbitragem encontra o seu escopo legal atual160 na LAV que permite a sua utilização num conjunto significativo de litígios de caráter patrimonial (ou mesmo extra patrimoniais, “desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido”161

), desde que exista convenção de arbitragem subscrita pelas partes, a qual deve revestir forma escrita face

157 Como por exemplo, Catarina Frade, "A resolução alternativa de litígios e o acesso à justiça: a mediação do sobreendividamento", 2003, Coimbra, Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º65, 2003, pp. 107-128, p. 109 e 110.

158 Zulema Wilde, Luís M Gaibrois, op. citada, pp. 35 a 37. É próxima desta também a posição de Mariana França Gouveia, in "Meios de resolução alternativa de litígios: negociação, mediação e julgados de paz", 2008, in Estudos Comemorativos dos 10 anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – Volume,pp. 737 a 739, que considera que a conciliação em sentido estrito aproxima-se da situação em que o juíz de algum modo procura obter o acordo das partes, coartando a sua liberdade. Já em sentido amplo a autora considera que a conciliação é qualquer ato de auto-composição de litígios, o que abrange a confissão ou desistência do pedido e a transação.

159 O n.º 2 daquele artigo dispõe que: “Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.

160 Como já foi referido supra, a primeira lei a regular especialmente a arbitragem voluntária em Portugal foi a Lei n.º 38/96, de 29/08, revogada pela atual LAV, que se encontra vertida na Lei n.º 63/2011, de 14/12.

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ao disposto no n.º 1 do art.º 2.º162. O tribunal arbitral pode ser constituído por um único árbitro ou por vários, em número ímpar, embora nos CACC, a primeira possibilidade constitua a regra, sem exceções. As regras aplicáveis ao processo arbitral podem ser escolhidas pelas partes, mas no caso dos CACC resultam do disposto nos respetivos regulamentos de arbitragem, que todos possuem163164.

O art.º 30.º da LAV impõe um conjunto de princípios fundamentais a ser respeitados no processo arbitral:

 O demandado é citado para que se defenda;  A igualdade das partes;

 Oportunidade razoável a ambas as partes para fazer valer os seus direitos, por escrito ou oralmente, antes de ser proferida a sentença final;

 Respeito pelo princípio do contraditório em todas as fases do processo.

Curiosamente, contrariamente à antiga LAV165, a atual não determina a necessidade de uma audiência antes de ser proferida a decisão final. De facto, o n.º 1 do art.º 34.º permite que “salvo convenção das partes em contrário, o tribunal decide se serão realizadas audiências para a produção de prova ou se o processo é apenas conduzido com base em documentos e outros elementos de prova”.

Embora a LAV não o refira expressamente, as partes podem designar quem as represente ou assista no tribunal arbitral166. Relativamente aos meios de prova, a LAV determina que compete ao tribunal arbitral determinar a admissibilidade e valor da

162 Consagrando os restantes números do art.º 2.º amplas possibilidades de considerar satisfeito este requisito de forma.

163 Os regulamentos arbitrais dos CACC não são uniformes, o que constitui um aspeto a rever no seu funcionamento, na medida em que se afigura conveniente uma harmonização dos principais aspetos do processo, como sejam o valor do processo, prazos, produção de prova, entre outros. Esta necessidade resulta agora mais claramente da Lei. Cfr. art.º 4.º da Lei n.º 144/2015, de 8 de setembro.

164 Não deixa de ser curioso notar que o Dec-Lei n.º 425/86, de 27 de dezembro, relativo aos procedimentos a ter pelas entidades que pretendam a realização de arbitragens institucionalizadas não lhes imponha desde logo a obrigação de disporem de um regulamento arbitral. Esta obrigação apenas é solicitada em sede de processo administrativo pela DGPJ, entidade que analisa o processo de criação do tribunal arbitral.

165 A alínea d) do art.º 16.º da Lei n.º 31/86, de 29/08 impunha como fundamental que “Ambas as partes devem ser ouvidas, oralmente ou por escrito, antes de ser proferida a decisão final”.

166 O n.º 4 do art.º 13.º do Regulamento do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo refere que “No processo arbitral é obrigatória a constituição de advogado nas causas com valor superior à alçada do tribunal judicial de primeira instância, podendo as partes designar quem as represente ou assista nos restantes casos, nomeadamente pela associação de defesa do consumidor ou da associação empresarial de que seja associado. Já quanto à representação nas sessões de mediação dos CACC, conferir a propósito o disposto no n.º 6 do art.º 4.º do Regulamento do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo reproduzido na nota de rodapé 30.

prova a produzir167. Já os regulamentos arbitrais, comuns à arbitragem institucionalizada realizada nos CACC vão no sentido de permitir uma ampla admissibilidade de meios de prova, onde se inclui o depoimento de parte, documentos, perícias e exames. Já no tocante à prova testemunhal é habitual limitar o número de testemunhas a intervir168. Os árbitros decidem segundo o direito constituído, salvo se as partes acordarem no recurso à equidade169.

O n.º 7 do art.º 42.º da LAV determina que a sentença arbitral “tem o mesmo carácter obrigatório entre as partes que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado e a mesma força executiva que a sentença de um tribunal estadual”, correndo a execução da sentença arbitral proferida em Portugal “no tribunal estadual de 1.ª instância competente, nos termos da lei de processo aplicável”170

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Uma das mais fortes críticas apontada frequentemente à antiga LAV, residia na possibilidade, como regra geral, das partes poderem recorrer da decisão arbitral nos mesmos termos que podem das decisões dos tribunais judiciais171.

Tal crítica, que introduz uma nota de desconfiança e de desvalorização do processo arbitral foi corrigida na nova LAV. De facto, o recurso à arbitragem é feito muitas vezes como alternativa em termos de celeridade e eficiência em relação aos tribunais judiciais. Permitir, no fim de um processo arbitral, às partes recorrer e regressar aos tribunais judiciais é subvertter completamente o espírito da arbitragem. Daí, que ao nível internacional e das mais modernas leis de arbitragem, se impeça ou limite a possibilidade de recurso da decisão arbitral.

De facto, a possibilidade de recurso no processo arbitral foi claramente limitada na atual LAV quando se afirma no n.º 4 do art.º 39.º que: “A sentença que se pronuncie

sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que

167 Cfr. O n.º 4 do art.º 30.º da LAV.

168 No caso do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo, 3 por facto e 6 no total (cfr. alínea d) do n.º 1 do art.º 15.º). 169 Cfr. n.º 1 do art.º 39.º da LAV e o n.º 3 do art.º 17.º do Regulamento do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo. 170 Cfr. n.º 9 do art.º 59.º da LAV,

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a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.

Contudo, ao nível dos regulamentos dos CACC a situação é diversa. Existem centros que acompanham a regra geral da LAV e outros que permitem recursos. Neste último sentido, o regulamento do CIAB, por exemplo, permite que possam ser objeto de recurso “os processos de reclamação de valor superior à alçada do tribunal judicial de primeira instância e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”172

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Como foi já referido, uma das principais vantagens da arbitragem reside na celeridade processual. A título de exemplo, a LAV introduz como regra geral o prazo de 12 meses para notificar às partes a sentença a contar da data da aceitação do último árbitro173. Contudo, na arbitragem de consumo, a questão da celeridade ainda se coloca de forma mais pertinente, considerando a urgência na obtenção de uma decisão em tempo útil. Por exemplo, em processos relativos a serviços públicos essenciais em que o consumidor está confrontado com uma ameaça de suspensão ou corte efetivo do serviço, o tribunal arbitral tem de ser particularmente ágil. Assim, é frequente os regulamentos arbitrais introduzirem prazos muito curtos (de poucos dias) para a decisão. Refira-se para exemplificar, o número 1 do art.º 17.º do regulamento do CIAB-Tribunal Arbitral de Consumo que impõe que”... finda a produção de prova, o tribunal arbitral

decide de imediato e oralmente, exceto se a complexidade do litígio o não permitir, devendo nesse caso proferir a decisão no prazo máximo de 10 dias”174.