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2.5 O PAPEL DO ESTADO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

2.5.1 Políticas públicas voltadas à gestão de resíduos sólidos

2.5.1.3 A Responsabilidade e a Responsabilização Municipal pela Gestão

Coube aos municípios a maior responsabilidade quanto ao plano de resíduos,

considerando que o artigo 10 da PNRS expressamente definiu que incumbe ao DF e

aos municípios a gestão integrada dos resíduos sólidos gerados em seus territórios.

E não poderia ser diferente, já que a Constituição Federal em seu artigo 30, inciso V,

definiu como sendo de competência dos municípios a prestação de serviços de

interesse local. A gestão e o gerenciamento de resíduos sólidos devem observar as

particularidades de cada localidade, evidenciando o interesse local e, portanto, a

competência municipal na execução dos serviços.

Sobre a divisão das responsabilidades entre estados e municípios cabe

registrar a opinião de Crespo e Costa (2012), que registra as dificuldades dos

municípios no que se refere às suas atribuições quanto ao gerenciamento dos

resíduos sólidos:

No caso dos resíduos sólidos urbanos, mais especificamente no manejo desses resíduos, cabe aos estados a importante função de articular os municípios e buscar, sempre que possível, por uma questão de economia de escala e de tecnologia a ser compartilhada, a gestão associada desses serviços públicos. A escala municipal mostra a experiência das décadas recentes, é insuficiente para garantir a sustentabilidade de unidades de destinação dos resíduos sólidos urbanos, sejam aterros sanitários, unidades de compostagem dos resíduos orgânicos ou até mesmo a reciclagem. Estima-se que o custo operacional de manutenção de um aterro sanitário situe-se em torno de um terço do custo de sua implantação. Assim é muito difícil para um município de pequeno porte implantar, equipar e manter a operação de um aterro sanitário por muito tempo sem apoio do estado ou de uma articulação intermunicipal. Tanto é que são muitos os casos em que aterros sanitários de municípios pequenos, e até mesmo médios e grandes, foram construídos e equipados, mas logo viraram lixões. Está provado que o fator escala é preponderante para a gestão sustentável de aterros sanitários. Um dos instrumentos para enfrentar esse desafio é a gestão associada dos serviços públicos de manejo dos resíduos sólidos urbanos, já possível pela Lei n. 11.107/2005, Lei dos consórcios públicos, e o seu decreto

regulamentador (Decreto n. 6.017/2007). Para isso, os estados são fundamentais para realizar a função agregadora e articulador dos municípios de forma regionalizada (CRESPO e COSTA, 2012, p. 289).

Parte dessa dificuldade decorre de uma caraterística de descentralização de

políticas públicas, diluindo a responsabilidade central do Estado, como apontam

Gurski e Souza-Lima (2016, p. 743):

Com a presença da globalização e o desmanche do modelo nacional-desenvolvimentista, em que o Estado nacional é que centralizava o gerenciamento de políticas sociais, ocorreu a transferência de responsabilidades sociais para a gestão dos municípios. Esta passagem soou como redução da responsabilidade estatal. O aparato institucional gestor do município não era concebido como Estado propriamente dito, dele não se esperavam responsabilidades assumidas como as do Estado central e a ação dos municípios diluía a responsabilidade nacional. Se, aparentemente, estava em curso um processo participativo ampliado, o limite dos orçamentos públicos municipais e sociais reduzia (reduz ainda) as possibilidades reais de políticas públicas sociais universais que permitissem incluir a todos.

As dificuldades apontadas acima, atribuídas à descentralização da PNRS aos

municípios serão verificadas ao longo do texto.

Em vista da responsabilidade dos Municípios quanto à gestão e

gerenciamento dos resíduos sólidos, incluindo a coleta, o transporte e a disposição

final dos rejeitos, é essencial definir que o não cumprimento da legislação pode

acarretar o ajuizamento de Ação Civil Pública

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contra a municipalidade. Como

exemplo, cita-se ACP proposta pelo Ministério Público de São Paulo contra a

prefeitura municipal de São Sebastião da Grama, no processo n°

0000054-94.2013.8.26.0588. O objeto da ação trata de lesão ambiental e riscos à saúde dos

munícipes, com a destinação irregular dos resíduos que, após coletados, foram

despejados de maneira irregular em local desprovido de licenciamento, sem correção

de situação do antigo vazadouro com o adequado encerramento. O município foi

condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (segunda instância) a

multa no importe de R$ 200.00,00 (duzentos mil reais), além da ordem de

regularização da situação em 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (dois

mil reais), limitada a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), em decorrência de

25A Lei Federal n° 7.347/1985, que disciplina a ação civil pública, abrange as ações de responsabilidade

por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente (art. 1°, inciso I). Pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3°). Tem legitimidade para propor a ação, dentre outros autores, o Ministério Público, a Defensoria Pública, empresas estatais, autarquias, associações qualificadas (art. 5°).

desídia ao permitir o lançamento de resíduos de forma inadequada em seu território.

A regularização determinada pelo juízo implica em abstenção de realização, ou

permissão de despejo de resíduos na área sub judice, de resíduos sólidos sem

tratamento; apresentação de projeto de encerramento e recuperação do antigo aterro

sanitário (lixão); e, regularização do resíduo nas valas e das pessoas não autorizadas

no local.

Relevante transcrever trechos do respectivo Acórdão, no qual o

desembargador relator estabeleceu que a questão orçamentária apontada pelo

município não seria argumento para afastar a responsabilização do réu, que poderia

ter contingenciado gastos para priorizar a questão sanitária:

[EMENTA]

APELAÇÃO CÍVEL. Ação civil pública. Aterro sanitário (irregular). Deposição irregular de resíduos sólidos urbanos.

1. Inépcia da inicial por impossibilidade jurídica do pedido. Inocorrência. Não há discricionariedade no trato de questões que envolvem risco imediato à saúde pública e ao meio ambiente. O Poder Judiciário existe exatamente para fazer cumprir a lei, a partir da Constituição; essas atribuições não implicam ingerência em outra esfera de poder. Não configurada invasão de competências por parte do Judiciário, mas efetivo exercício da própria competência para fazer valer o sistema republicano de controle de poderes e deveres.

Preliminar rejeitada.

2. Mérito. Condenação havida em virtude da desídia municipal, permitido o lançamento de resíduos sólidos de forma inadequada. Falta de apresentação de projeto de encerramento do antigo lixão e da competente licença ambiental para a regular dispensação de detritos no novo aterro sanitário. Lesão ambiental e riscos à saúde dos munícipes.

3. Colheita de resíduos urbanos e hospitalares e sua regular deposição e tratamento é tarefa municipal. Situação narrada nos autos que revela descaso do Poder Público local com relevante questão sanitária e de saúde pública, ao singelo argumento de que tem feito tudo que está ao seu alcance para revertê-la. Questão orçamentária não é argumento apto ao afastamento da responsabilização do réu que poderia contingenciar gastos, priorizando a questão sanitária. O fato de se tratar de questão pública, notória e incontroversa só corrobora a responsabilização do município pelo descaso verificado. Ausência de mácula no laudo de vistoria apresentado pela CETESB.

4. Manutenção da r. sentença que julgou o feito parcialmente procedente. Obrigações de fazer e de pagar condizentes com a degradação ambiental, firmadas com respeito à razoabilidade e levando em conta as peculiaridades do caso concreto.

5. Observação quanto à antecipação de tutela concedida na r. sentença. Ordem de 'regularização' a ser cumprida em 90 dias, sob pena de multa, a partir da publicação do v. aresto. (TJSP, 2017).

Extrai-se da PNRS, portanto, que aos municípios coube a maior carga quanto

à gestão e ao gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos. Decorre dessas

atribuições questões pertinentes que serão avaliadas com maior profundidade nas

situações analisadas mais abaixo.