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Seguindo o caminho trilhado pelas políticas públicas, não podemos deixar de

tratar do texto fundamental para o Estado brasileiro, que aponta em seu artigo 225 a

diretriz elementar que une o meio ambiente à sociedade: “Todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-defendê-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988).

A orientação que decorre do texto constitucional sobre a qualidade de vida

atrelada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado leva-nos ao questionamento

sobre como está a relação entre o gerenciamento de resíduos sólidos, que apresenta

um grande liame com o equilíbrio ambiental, e a população, que almeja qualidade de

vida.

Como visto acima o gerenciamento inadequado de resíduos sólidos apresenta

consequências maléficas para a saúde humana e para o meio ambiente. Mas será

26 Informações obtidas no site http://www.residuossolidos.sema.pr.gov.br, consultado em 20 de abril de

que o manejo inadequado, em uma das fases do gerenciamento, afeta de forma

igualitária a sociedade? Ou é possível vislumbrar uma materialização de

vulnerabilidade social nesse aspecto, no sentido de algumas camadas da sociedade

receberem a carga negativa dos impactos decorrentes do manejo inadequado de

resíduos enquanto outras camadas passam ao largo desses impactos?

Um dos temas atrelados aos resíduos sólidos é justamente a consequência

social quanto à sua geração, às fases de gerenciamento e, principalmente, à

disposição final. Chama-nos a atenção, nesse aspecto o assunto relacionado à

expressão “justiça ambiental”. Mais ainda, seu oposto, a “injustiça ambiental”.

Essa expressão teve sua gênese nos Estados Unidos, no final da década de

70, com o clamor público dos cidadãos vulneráveis daquele país contra as

contaminações químicas que sofriam, resultantes de dejetos industriais ou de depósito

de resíduos perigosos próximos às suas habitações. Estudos sugeriram uma

distribuição espacial desigual da poluição segundo a raça

27

das populações mais

expostas a ela. O objetivo dos movimentos coletivos era o de incluir na pauta das

entidades ambientalistas o combate à localização do lixo tóxico e perigoso em áreas

de concentração de população negra (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009).

Pesquisa a pedido da Comissão de Justiça Racial da “United Church of Christ”

demonstrou que a composição racial de uma comunidade seria a variável mais apta

a explicar a existência ou inexistência de depósitos de resíduos perigosos em uma

dada área (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009).

Nesse cenário, os debates promovidos pela sociedade civil americana

mobilizaram as entidades ambientais para a luta contra a desigualdade e trouxeram

uma reflexão sobre as relações entre risco ambiental e pobreza.

Mas o movimento da justiça ambiental deriva de um debate anterior, no início

da mesma década de 70, no qual o geógrafo David Harvey teoriza sobre a

estratificação socioespacial, mostrando que as externalidades produzidas pelas

empresas têm um custo econômico e social que reflete na vizinhança pobre moradora

das zonas industriais (HERCULANO, 2001). Essas externalidades são os custos

27 O termo “raça” foi utilizado na obra de ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009, e reproduzido aqui

para manutenção da ideia de que o racismo, como prática na sociedade estadunidense, foi determinante para a gênese da injustiça ambiental nos Estados Unidos, conforme citações sobre o tema.

gerados pelas empresas poluentes e deslocados para o seu exterior com a liberação

de sua responsabilidade.

O modelo de desenvolvimento atual, que trouxe como carga a degradação

ambiental, transfere os impactos negativos aos mais vulneráveis.

A constatação por trás da injustiça ambiental, portanto, é a de que os custos

sociais e ambientais do processo produtivo são transferidos para toda a sociedade,

mas os mais vulneráveis sofrem mais, pagando com sua saúde e redução da

expectativa de vida, por não possuírem escolhas para se afastar da origem das

externalidades, ou dos locais onde elas ocorrem.

A injustiça ambiental decorre da desigualdade promovida pelo modelo de

sociedade atual, que promove o consumo como se este viabilizasse a igualdade,

vinculando-o à qualidade de vida e à dignidade. Contudo, como visto anteriormente,

o consumo da humanidade, além de exceder a capacidade de reprodução natural e

de assimilação dos rejeitos da natureza, tem sido feito de forma socialmente desigual

(KALIL, 2015).

Nesse aspecto, Acselrad, Bezerra e Mello (2009, p. 12) elucidam que:

É possível constatar que sobre os mais pobres e grupos étnicos desprovidos de poder recai, desproporcionalmente, a maior parte dos riscos ambientais socialmente induzidos, seja no processo de extração dos recursos naturais, seja na disposição dos resíduos no ambiente.

Marcuse (1969, p. 223) destaca que:

O padrão de vida alcançado nas áreas mais desenvolvidas não constitui modelo apropriado de desenvolvimento se o propósito é a pacificação. Em vista do que esse padrão fez ao homem e à natureza, deve ser novamente perguntado se ele vale os sacrifícios e as vítimas feitos em sua defesa.

O que se percebe nas relações socioambientais é que a degradação

ambiental compromete o bem-estar social e a qualidade de vida. Nesse sentido,

Fensterseifer (2007, p. 24) elucida que:

A proteção ambiental está diretamente relacionada à garantia dos direitos sociais, já que o gozo destes últimos, em patamares desejáveis constitucionalmente, está necessariamente vinculado a condições ambientais favoráveis. A pobreza e a miséria geralmente estão acompanhadas da degradação ambiental, tornando aqueles cidadãos mais prejudicados pela falta de acesso aos seus direitos sociais básicos também os mais violados nos seus direitos ambientais, razão pela qual tais demandas sociais devam ser pautadas de forma ordenada e conjunta.

Ante tal perspectiva vislumbra-se que o Estado e a sociedade têm um novo

papel, compartilhando responsabilidades e deveres observando uma postura ética e

de respeito aos direitos sociais e ambientais. Nesse sentido discorrem Sarlet e

Fensterseifer (2010, p. 252):

A compreensão integrada e interdependente dos direitos sociais e da proteção do ambiente, mediante a formatação dos direitos fundamentais socioambientais, constitui um dos esteios da noção de desenvolvimento sustentável no âmbito do Estado Socioambiental de Direito.

A expressão justiça ambiental incorpora aspectos culturais, valores,

regulações, comportamentos, políticas e decisões na busca da realização do potencial

humano (HERCULANO, 2001).

Nesse aspecto, orienta Figueiredo que ao tratar do tema de resíduos é

ululante compreender a questão aplicando-se uma abordagem sistêmica, que

pressupõe a identificação de características como a interdisciplinaridade, a

dinamicidade e a organicidade (FIGUEIREDO, 2010).

A interdisciplinaridade relaciona todas as variadas dimensões que se

inter-relacionam ao tema de resíduos, tais como ambiental, social, política, regional,

econômica, tecnológica.

Na concepção de Cavedon (2010) a complexidade dos conflitos ambientais

contemporâneos, em especial àqueles que expressam situações de exclusão,

desigualdade e discriminação ambiental aproxima o tema da proteção dos direitos

humanos ao direito ambiental, contribuindo à construção de um contexto jurídico e

institucional amplo e apto a tratar de tais questões.

Para a autora:

A condição de vulnerabilidade de um país ou comunidade parece ser o critério definidor das decisões sobre a localização de atividades contaminantes, utilizadora de recursos ambientais, geradoras de custos sociais e ambientais às comunidades. (CAVEDON, 2010, p. 164).

No que se refere aos resíduos sólidos urbanos pode-se relacionar a injustiça

ambiental à falta de efetividade das políticas de resíduos sólidos, mormente quanto à

falta de gestão ou o gerenciamento inadequado de resíduos em locais onde reside a

população de maior vulnerabilidade social. Não há, nessas localidades, coleta de

resíduos, ou esta não atende às necessidades da população que ali vive,

obrigando-a obrigando-a eliminobrigando-ar seus resíduos pelobrigando-a queimobrigando-a ou os enterrobrigando-ando; não há cobrigando-ampobrigando-anhobrigando-as de

educação ambiental; ou ainda, há presença de lixões ou a instalação de aterro

sanitário ocorre sem consulta à população local, que será afetada pelo mal cheiro,

pelo tráfego de caminhões, ou pelos impactos causados pelo gerenciamento

inadequado das células do aterro, como vazamento de chorume, poluição do solo,

dos corpos hídricos e do ar, além dos problemas de saúde que estão relacionados à

questão. Vale sinalizar que as situações expostas acima também estão relacionadas

à deficiência de políticas urbanas, cujas diretrizes gerais foram estabelecidas na Lei

n° 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto das Cidades, que dentre

outras disposições “estabelece normas de ordem pública e interesse social que

regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do

bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.” (BRASIL, 2001).

Em que pese a questão dos resíduos ser afeta a toda a coletividade, que os

gera, em função dos processos produtivos e do consumo, a população mais

vulnerável acaba sendo afetada pelas consequências ambientais e de saúde

negativas em relação às adversidades decorrentes da ineficiência das políticas

públicas de resíduos sólidos.