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A Responsabilidade Social Corporativa em Estratégia

A área de gestão estratégica tornou legítimos vários princípios e frameworks que se mostraram como controversos e problemáticos. Curiosamente, os tantos problemas

causados por tais princípios “legítimos” ajudam a explicar a ascensão do conceito de CSR, ou Responsabilidade Social Corporativa – RSC, em gestão estratégica.

Banerjee ao estudar os dilemas da cidadania corporativa em algumas indústrias e suas relações, em especial, com aquelas comunidades localizadas nos pontos mais pobres do planeta, aponta (2008, p. 52):

“The problems faced by corporations in attempting to enhance social welfare are exacerbated in the case of TNCs1 operating in the poorer regions of the world, and recent years have seen a public backlash over corporate malpractices such as corruption, environmental destruction, use of sweatshop labor, dispossession of local communities, military involvement and complicity with repressive regimes.”

Apesar de em países periféricos ou de economia emergente algumas dessas corporações apresentadas por Banerjee serem as principais alavancadoras da economia local. O autor aponta que as comunidades mais pobres não se beneficiam de tal desenvolvimento, seja ele por meio da própria atividade da corporação, seja por meio das ações de RSC que respondem a interesses estratégicos da própria corporação. O autor pontua (p. 59):

“The zone of corporate social initiatives that can produce ‘combined social and economic benefits’ remains quite narrowly defined by business interests.”

“While corporate codes of conduct, ethical trading practices and social and environmental policies are aimed at enhancing a company’s social performance there is considerable evidence that shows that poorer communities in developing countries do not benefit from economic activity on their lands.”

Ao discutir as questões de RSC das empresas transnacionais, governos e sociedades locais o autor apresenta três indústrias, petróleo, farmacêutica e extrativista, cita exemplos de conduta nos negócios e em responsabilidade social que demonstram os dilemas e contradições dessa prática.

Um dos problemas apontados por Banerjee para esse panorama recai na ausência

de “a clear political and legal framework for coordinating citizenship rights and responsibilities” (2008, p. 60) quando se trata das teorias e conceituações a que está submetida à cidadania corporativa.

Ao comparar a situação de um governante que conduz mal seu governo a de uma empresa que prejudica a sociedade na qual está inserida, o primeiro pode ser “demitido” de suas funções, o segundo, em alguns casos, está numa situação de complacência com governos que não respeitam direitos humanos, por exemplo, utilizando trabalho escravo naquela região, o que o autor chama de cumplicidade direta, entretanto, estabelecer responsabilidade as corporações em casos de abusos é problemático e dispendioso.

Spector (2008) observa a construção do movimento de responsabilidade social nos EUA dentro do contexto ideológico-militar da Guerra Fria. Ao percorrer um contexto histórico que costuma ser ignorado e desprezado pela área de gestão estratégica, o autor aponta que durante a Grande Depressão nos EUA, o imaginário de que grandes corporações exerciam uma quantidade de poder saudável - que foi substancialmente reforçado durante a 2ª Guerra quando as corporações se mostravam patrióticas e imprescindíveis para o país – culminou em um ideário de modo de vida estadunidense. Spector aponta (2008, p. 317):

“Popular culture during the period reflected anxieties over the motivations and trustworthiness of business executives while simultaneously accepting the dominance of large corporations.”

Ao mesmo tempo, as escolas de negócio começavam a se reafirmar no pós- guerra, O reitor da Harvard Business School, convocou os homens de negócio e as grandes corporações a se envolverem nas questões públicas. Spector ressalta (2008, p. 318):

“He urged executives to look beyond the narrow financial interests of shareholders in order to promote the broader interests of society. But just how were those broader interests to be decided: by whom and for whom?”

Definir o que é bom para a sociedade e a maneira pela qual se chega a este estado se estabelece por meio de conceitos ideológicos. Entretanto, o autor aponta que apesar de argumentarem o contrário, de que a ideologia está ausente no discurso da gestão, (p, 318) “Their view of the good society and the responsibility of business leaders to promote that society was a Cold War construct” E este conceito está baseado na reafirmação do neo-liberalismo e nas tensões promovidas pelo avanço do comunismo durante a Guerra-Fria.

A construção da ideia de responsabilidade empresarial no arcabouço da gestão foi estabelecida sobre essas bases e disseminada em escala global como “pensamento

único” por meio das escolas de negócio, das publicações da área, e pelos praticantes.

Em termos mais específicos, Spector (2008) aponta o papel fundamental da Escola de Harvard (e suas alterações curriculares no pós-guerra a fim de atender os propósitos vigentes, defesa do capitalismo, embate frente aos regimes totalitários etc) e de sua publicação, a Harvard Business Review nesse processo.

As expressões “bem comum” e “modo de vida americano” foram repetidamente

incluídas nos discursos da área e também serviram de convocatória para atuação do setor privado nas agências de governo, já que o conhecimento e ferramentas de gestão privados serviriam com mais capacidade a um desenvolvimento econômico estrangeiro.

A ideia de “bem comum” encontrou algumas resistências frente as dúvidas de como tais esforços poderiam atrapalhar o objetivo principal das empresas, geração de lucros. A resposta veio com a idea de que “the enactment of social and business

responsibilities was mutually reinforcing” (SPECTOR 2008, p. 329). O bem comum é

bom para os negócios e o conceito único de maximização de recursos estava vencido.

Spector observa que a prática e a reafirmação de CSR encontram espaço nos últimos anos e apresenta algumas razões para tal movimento (2008, p. 330):

“Increasing globalization and interdependency of economic networks, reaction against widespread corporate scandals and eruptions of manifest greed, and scientific evidence (and public acceptance) of the impending dangers posed by global warming have combined in the opening years of the 21st century to refocus the attention of business leaders on corporate social responsibility (CSR).”

Tal retomada de interesse não exclui da discussão problemas recorrentes no campo do CSR. O primeiro é de que não existe uma definição comum do que é responsabilidade social, apenas a ideia de que as corporações devem atuar como agentes da mudança social.

Se por um lado existem algumas definições comuns que caracterizam a CSR, (2008, p. 331):

“CSR accepts as necessary but not sufficient the triple requirements that a corporation and its leaders act legally, meet fiduciary requirements to shareholders, and avoid harm to their communities. CSR also asks corporations to take affirmative action to ensure that a portion of the economic resources they generate are redistributed from private to public hands in a manner that is both equitable and sustainable. Further, sustainability should take account of the needs of multiple stakeholders in the organization as well as the global environment.”

Por outro, existem uma série de questionamentos na maneira como essas ações são realizadas e a que interesses servem, muitas vezes atendem a interesses próprios das corporações, obter influências em regulações nas suas áreas de atuação, por exemplo.

Para Spector, a ausência da ideologia nas discussões sobre CSR é, definitivamente, uma questão relevante na discussão sobre o próprio conceito e lança luzes sobre como o campo foi construído. No ideário americano, o pragmatismo e o cientificismo, como apresentado anteriormente, representa o que tem valor, o que é científico. Porém, nessa construção identifica-se um ideal que foi reproduzido e exportado.

Michael Porter, estudioso e praticante do campo da estratégia, cunhou que a mudança de estratégia corporativa para estratégia competitiva cunhada a partir de Cinco Forças: rivalidade entre concorrentes, poder de barganha dos fornecedores, ameaça de produtos substitutos, poder de barganha dos clientes e ameaça de novos entrantes se constitui num modelo de análise e desenvolvimento da estratégia das empresas. Possuir vantagem competitiva deve ser o alvo a ser atingindo pela estratégia de qualquer organização e se constitui em um ativo fundamental para operacionalização de um modelo de gestão onde as empresas são o centro do desenvolvimento social. Baseado na microeconomia, esse conceito também se amplia para vantagem competitiva entre nações. Tal vantagem é obtida quando os atributos do “diamante”: estratégia e rivalidade, condições da demanda, setores de apoio e correlatos e condições dos fatores,

são “lapidados” a ponto de gerarem um diferencial para que a organização consiga uma

posição de liderança em seu setor de atuação.

Em 2011, Porter e Kramer trataram de outro componente fundamental para que as organizações, mas que obterem vantagens, reafirmem o próprio sistema onde estão inseridas, uma reinvenção do capitalismo com desencadeamento de crescimento e inovação. O sistema se encontra acuado por ser responsabilizado pelos problemas econômicos, sociais e ambientais contemporâneos. Entretanto, os autores saem em defesa do sistema em Creating Shared Value: How to invent capitalism – and unleash a wave of innovation and growth (2011, p. 4), “Capitalism is an unparalleled vehicle for meeting human needs, improving efficiency, creating jobs, and building wealth.”

A solução encontrada, a despeito de uma discussão sobre o que e como as organizações lidam nas suas relações política, econômico-financeira e socioambiental com a sociedade, aponta para a criação de shared value.

Segundo esses autores, grandes corporações já percebiam, no âmbito de sua prática, a importância de se criar valores compartilhados entre corporação e sociedade a fim de reconciliar o ponto entre sociedade e performance da corporação. As necessidades sociais e os danos causados por elas podem acarretar em custos internos para as corporações. Sugerem que as empresas devem tomar a liderança no sentido de buscar uma conexão com a sociedade. Essa integração se dá pela via econômica, geração econômica significa valor para a sociedade.

Apontam ainda para uma mudança do conhecimento necessário ao praticante no desenvolvimento de tal valor, que passaria a ter que conhecer as questões sociais e ainda aprofundar as possibilidades produtivas da corporação, a saída para "relegitimizar" os negócios, fruto do enfrentamento sofrido na última crise de 2008 (2011, p. 4):

“The purpose of corporation must be redefined as creating shared value, not just profit per se. This will drive the next wave of innovation and productivity growth in the global economy. It will also reshape capitalism and its relationship to society. Perhaps most important of all, learning how to create shared value is our best chance to legitimize business again.”

Shared value, ou valor compartilhado, significa que a empresa deve se reposicionar e redefinir seus produtos e mercados, a produtividade na sua cadeia de valor e permitir o desenvolvimento do cluster local.

Os governos e organizações sociais são convocados a participar desta proposta já que, para os autores, os conceitos discutidos se aplicam a qualquer tipo de organização.

CSV – creating shared value é uma evolução do que CSR – corporate social responsibility representa para o mundo corporativo. Já que ao criar valor econômico, a empresa cria valor social.

Entretanto, afirmam que neste cenário, o papel do governo deve ser de facilitador para que o shared value ocorra. Isto é, este "novo" olhar das organizações frente as questões sociais se traduz na necessidade de ampliar e manter sua existência, relegando ao Estado um papel de validação de uma política onde a necessidade social se restringe a uma estratégia de gestão.

Faria e Sauerbronn (2008), antes mesmo dessa nova abordagem da responsabilidade social, CSV, já discutiam a ausência do interesse e, consequentemente, discussões e publicações sobre responsabilidade social corporativa. Observaram ainda a a aproximação da área de estratégia com a responsabilidade social, inicialmente nos EUA e posteriormente no Brasil. Apontam ainda para a posição de não neutralidade em que a área se insere, estabelecendo uma crítica, pois tanto o campo da estratégia, como o da RSC ou RSE – Responsabilidade Social Empresarial, se estabelecem, numa visão majoritária nesses campos de estudo, sob a legitimação das corporações e a desconsideração das esferas públicas e do Estado.

CSR é uma importante ferramenta para se estabelecer legitimidade e, apesar de como tal campo foi construído, das inúmeras questões relativas a definição do seu escopo e de como se constrói ou não a mudança social por meio de agentes corporativos, existe um espaço para discussão, observação e para essas práticas, há que se refletir sobre a importância que cada agente possui na construção de uma sociedade que compreenda e assimile as diferenças e que atue contra a exclusão.

A organização aqui observada atua diretamente como agente social. Foi criada no momento histórico do pós-guerra com o objetivo de contribuir com a manutenção da paz social, com a afirmação da iniciativa privada e reconstrução econômica. Apesar de mantida por um setor específico da economia, o comércio de bens, serviços e turismo, o

“braço social” de um setor econômico, agente representante de uma confederação

patronal, legitimador e respaldador da contribuição de um setor frente as questões sociais enfrentadas pela sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, tem sua gestão e, consequentemente, proposição programática realizada de maneira relativamente autônoma daqueles que a mantém, já que comporta uma equipe que ingressa a organização por meio de processo seletivo auditado por seu CF e pela CGU, mas sua

proposição social, bem como orçamento, é submetida ao seu Conselho para aprovação. Tais ponderações são expostas aqui a fim de subsidiar que a discussão aqui proposta não se refere a se o Sesc deve ou não ser considerado agente de responsabilidade social corporativa, para isso, o estudo deveria ter como norte essa finalidade, não é o caso. Entretanto, por mais que ainda não exista uma definição aceita para RSC, parece que as disponíveis não se encaixam ou não resumem o que é o trabalho desta organização. A princípio, tomo a análise que aqui se propõe a de uma organização social, onde a finalidade, diferente do lucro, está na mudança social.

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