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A1 – Retrato 8 “A necessidade de formar os filhos” – Estudante de 1.º Ano de

Capítulo II – Lógicas de reprodução social e cultural em contexto territorial

4.4   Configuração de disposições os “burgueses” 169

4.4.1   A1 – Retrato 8 “A necessidade de formar os filhos” – Estudante de 1.º Ano de

Porto

Sinopse

A. vive com os pais e um irmão, mais novo, em ambiente citadino. É estudante do 1º ano do mestrado integrado em Medicina Veterinária, curso que escolheu como 1ª opção. Sempre viveu com a família nuclear, sendo o pai e a mãe pequenos empresários de um negócio que herdaram. O pai possui o 12º ano e a mãe o 9º ano de escolaridade. A família alargada vive relativamente perto o que proporciona algum convívio. Os pais são católicos, não praticantes, embora tivessem orientado os filhos nos valores do catolicismo, permitindo que estes tivessem decidido se queriam ou não praticar a religião católica. Da família alargada ainda ninguém tinha ingressado no ensino superior, mesmo entre os primos, sendo a estudante a primeira da sua geração a fazê-lo. Não é bolseira da ação social, está deslocada da família e partilha casa, em Vila Real, com outros estudantes do mesmo curso.

Todo o seu percurso escolar foi feito em escolas perto de casa, sendo o percurso feito de carro, quando era mais pequena e a pé quando adolescente. Vinha almoçar a casa fazendo, por isso, sempre as refeições com os pais e o irmão. Frequentou, sempre, escolas públicas e refere que teve bons professores e que as condições físicas da escola eram boas. Nunca foi a melhor da turma mas refere que esteve sempre entre as melhores. Os trabalhos de casa eram feitos diariamente, em casa, até para rever matérias através dos resumos feitos e, sempre, depois de jantar. Refere que teve explicações de português, devido à sua dificuldade nessa disciplina. A mãe era a pessoa que se ocupava em saber notícias da escola, levantando as notas das avaliações dos períodos escolares e, refere que, a partir do secundário, a sua mãe passou a ser ainda mais ativa nos assuntos da escola.

Não refere influências nas escolhas ao ensino superior, salientando a ideia do pai de que a medicina seria um curso que lhe daria maiores possibilidades, com prestígio, embora lhe desse liberdade de escolha. Atribui a sua escolha à sua vocação, ao gosto pelos animais.

Projeta a sua vida profissional trabalhando como médica veterinária, talvez com grandes animais, embora ainda de uma forma pouco definida, colocando a possibilidade de trabalhar no estrangeiro. No primeiro semestre fez todas as unidades curriculares, embora esteja

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dececionada com as notas. Na vida académica sente-se integrada, com os colegas e na cidade, fazendo saídas regulares para convívio.

Histórico

A. é estudante de Medicina Veterinária, curso que escolheu em 1ª opção, com boas notas de acesso, embora a nota do exame de matemática não lhe tenha sido favorável, baixando- lhe a média. Considerando a circunstância de poder ter realizado outras opções de ingresso ao ensino superior, quer ao nível de preferência de curso, quer ao nível da instituição de ensino superior, argumenta: “(…) queria aqui (…) quando soube que vinha para aqui fiquei contente”. A opção no Porto era mais favorável pela proximidade de casa e, também,

atendendo à preferência dos pais. “Concorri (ao Porto) mais pelos meus pais do que

propriamente por mim (…)”. As experiências socializadoras da família são quase nulas,

num fechamento familiar, motivada pelo tipo de profissão exercida que lhes tira tempo e flexibilidade uma vez que a disponibilidade para os negócios é total, absorvente e imprevisível. “Eles a qualquer hora podem sair de casa (…)”. Nas horas livres praticou ballet e andebol, não mencionando hobby ’s ou outros interesses de natureza cultural. Fazem as refeições, juntos, e os serões são passados em casa a ver televisão, navegar na internet ou a fazer leituras, sempre que a profissão dos pais o permite. Eventualmente, pode fazer algumas saídas com amigos, mas muito raramente, já que o pai é bastante rigoroso com as saídas entre amigos. A mãe ocupa-se das lides domésticas, eventualmente auxiliada pelo pai em pequenas tarefas, havendo uma reprodução de papéis familiares tradicionais: a autoridade representada formalmente pelo pai, embora a tomada de decisões sejam da mãe e “(…) apesar de muitas vezes não parecer (…)”. No investimento pedagógico salienta-

se as condições facilitadoras para que a estudante progredisse e se salientasse, atendendo ao facto de ser uma família sem grandes dificuldades económicas, condicionada também pelo nível de exigência dos pais, revelador de um apego às regras sociais. O investimento no estudo revela-se no seu gosto em estudar e tirar boas notas, tendo estado o seu rendimento escolar entre os melhores alunos da turma. Os trabalhos da escola eram feitos em casa, por norma depois do jantar, dedicando, em regra, 2 horas por dia ao estudo. Era a mãe quem se ocupava em frequentar as reuniões de entrega das avaliações, nos finais de períodos escolares e a partir do secundário a sua mãe intensificou a sua participação nos assuntos da escola.

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Relativamente às influências no acesso ao ensino superior refere o desejo do pai de que escolhesse Medicina Humana, mas nunca como uma imposição, atribuindo-lhe liberdade de escolha respeitando a sua vocação. Nunca sofreu pressões ou influências por parte dos professores, referindo apenas um professor que a marcou muito, pela positiva, por revelar confiança nas suas capacidades, dando-lhe segurança em si mesma para consolidar a sua vocação. Projeta a sua vida exercendo a sua profissão: “(…) contentava-me só trabalhar como médica veterinária. Se é por conta própria, ou não, já é …”. Revela que não se

limita ao território nacional, ponderando, caso seja necessário, emigrar, mas acima de tudo gostaria de trabalhar com grandes animais. No primeiro semestre do curso obteve aproveitamento escolar a todas as unidades curriculares, embora revele ter ficado desiludida com as notas, comparando: “aqui é preciso o dobro do trabalho (…) para ter tão boas

notas”. Esforça-se por melhorar e quer efetuar o Programa ERASMUS e, assim, conhecer

outras realidades. Da vida académica refere estar integrada, salientando que apesar de considerar a praxe um pouco violenta, foi conseguido o objetivo de integração uma vez que

“(…) era deixar-nos todos num patamar igual (…) consegui integrar-me com os meus colegas”. Faz saídas com os colegas, tem novos amigos, salientando que procura ter uma

conduta que não traia os valores incutidos pelos pais.

Mensagem

“(…) sabia que para abrir portas, pelo menos eu tinha que estudar e ter boas notas.”

A família com algum poder económico e apego a regras e modelos sociais mais rígidos e conservadores, privilegia a adesão plena ao projeto escolar e tudo o que ele representa em termos de mobilidade social, valorizando e proporcionando a progressão académica, incentivando o bom desempenho escolar, mas atribuindo-lhe liberdade para seguir a sua vocação, ao mesmo tempo que lhe exige responsabilidade no seu desempenho escolar e no respeito pelos valores familiares transmitidos pelos pais, mesmo estando afastada de casa.

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4.4.2 M3 – Retrato 11 “Rebeldia e determinação” – Estudante de