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M3 – Retrato 11 “Rebeldia e determinação” – Estudante de 1.º Ano de

Capítulo II – Lógicas de reprodução social e cultural em contexto territorial

4.4   Configuração de disposições os “burgueses” 169

4.4.2   M3 – Retrato 11 “Rebeldia e determinação” – Estudante de 1.º Ano de

Sinopse

Vive com os pais e um irmão, em meio urbano, próximo do Porto. Estudante do 1º ano do mestrado integrado de Medicina Veterinária, curso que escolheu como 1ª opção, com média de secundário superior a 18 valores e média de acesso ao ensino superior de mais de 16 valores, resultado de realização de melhoria aos exames nacionais, tendo ficado um ano a preparar-se. Sempre viveu com a família nuclear. O pai, de 59 anos, possui o 11º ano de escolaridade. Ficou recentemente desempregado, tendo sido trabalhador por conta de outrem, na área do comércio. A mãe é bancária, com frequência universitária (sem concluir o curso) e tem 49 anos de idade. Na localidade onde habitam não convivem com a família alargada, convivendo com a parte materna, às vezes, ao fim de semana. Os pais são católicos não praticantes. Na família alargada tem primos licenciados. Não se candidatou a benefícios sociais considerando que não se enquadrava nos parâmetros como economicamente carenciada, está deslocada da família e partilha casa com outros estudantes.

O seu percurso escolar, no 1º ciclo do básico, foi feito numa escola privada e nos restantes ciclos de estudo, foi sempre em escolas públicas, perto de casa, deslocando-se sozinha, sem recorrer a qualquer transporte e fazendo as refeições sempre em casa. Tirou sempre notas que rondavam entre os 17 e os 19 valores, considerando os professores bons, o ambiente na escola, também, agradável e as condições do espaço escolar muito boas. Gostou sempre de estudar em casa, na sala, e até ao 4º ano de escolaridade tinha o apoio dos pais (do que estivesse em casa) e, eventualmente, do irmão (a inglês). Os trabalhos de casa eram feitos em casa. Teve explicações no 12º ano, na disciplina de matemática, por imposição do pai. A sua encarregada de educação na escola, formalmente, era a mãe, embora quem se dirigisse à escola para saber do aproveitamento e comportamento fosse o pai, vigiando de forma apertada mesmo as saídas e entradas na escola.

Não refere influências para o acesso ao ensino superior no curso que frequenta, sendo mais a sua vocação a determinar essa escolha, mas salienta o constrangimento do pai tentando impor-lhe que fosse para medicina humana ou engenharia, no Porto.

Projeta a sua vida profissional marcando a diferença, ponderando exercer medicina de reabilitação em locais como Amazónia, África (Parque Nacional da Gorongosa), estando aberta a novos projetos que envolvam aventuras. No primeiro semestre do ano apenas não

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concluiu uma unidade curricular, mas sente-se desapontada com o facto de não ter notas tão altas, como no secundário. Da vida académica ressalva o quanto lhe custaram as praxes, ponderando em desistir de participar, por não conseguir ter estabilidade emocional (motivada pelo afastamento de casa e de saber que também para a mãe estava a ser difícil a sua ausência). Apesar disso entrou no espírito da praxe como diversão. Considera, no geral, a sua integração como boa, fazendo saídas com colegas.

Histórico

Estudante de Medicina Veterinária no curso que escolheu como 1ª opção. Sobre o facto de poder ter feito outras opções de acesso ao ensino superior, quer ao nível de curso ou ao nível da instituição, refere que o curso foi sempre o que quis, por vocação, e a instituição foi a única escolhida. Vive numa família com experiências socializadoras diversas. A mãe tem aulas de pintura e chega a fazer exposições. A mãe e o pai estão a recuperar uma casa em meio rural, numa quinta que herdaram, fazendo investimentos para a reabilitarem e tentando fomentar a produção agrícola. Passam lá bastante tempo. Não havendo hábito de atividades em conjunto entre pais e filhos, há um gosto comum, que todos partilham que é ó da leitura. O irmão mais velho tendo estado a frequentar até ao 3.º ano um curso de engenharia, decide ingressar no 1.º ano do curso de Filosofia. Fala do ambiente familiar como sendo bom, mas refere o rigor dos horários, das refeições em família, das conversas, numa tentativa de balizamento do universo familiar, procurando desenvolver as competências sociais. É a mãe quem programa a vida familiar e faz a lida da casa, sendo pouco auxiliada pelo pai. Revela a vincada representações dos papéis familiares tradicionais em que o pai é o chefe de família, constatando que ainda assim o “(…) pai também não é assim tão forte (…)”. Sobre a

dinâmica da vida em família constata-se uma presença marcante e disciplinadora para que seja fomentado o rendimento académico acima da média. No entanto, os trabalhos e a preparação para os exames de 12.º ano eram feitos no café, não revelando uma consistência de estratégia ou método tradicional de estudo, revelando que “(…) às vezes preciso daquele movimento (…)”. Não recorreu a apoios ou explicações, com exceção da preparação para

o exame de matemática, por imposição do pai que considerava ser importante para lhe estruturar o estudo. A sua encarregada de educação era a mãe, mas o pai era presença constante nas imediações da escola.

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Para a sua vida profissional projeta a prática da medicina veterinária mas marcando a diferença, estando “(…) aberta a outras propostas”, numa vertente mais aventureira e

querendo fazer reabilitação de animais, talvez na Amazónia ou em África. No primeiro semestre do ano letivo apenas não obteve aproveitamento a uma unidade curricular, fazendo as restantes, embora esteja desiludida com as notas obtidas, por se ter habituado a ter notas elevadas. Em Vila Real e na vida académica sente-se integrada embora lhe tenha custado muito, tendo ponderado mesmo abandonar a praxe. Viveu com sofrimento o afastamento dos pais, por constatar que a sua mãe lhe estava a custar estar afastada dela, mas mesmo assim lhe transmitia coragem e força. Entendeu que era uma fase e agora compreende que, entrando no espírito da praxe, até foi bom ter participado. Durante a semana e sempre que pode faz saídas com os colegas mas, por norma, vai a casa no fim-de-semana para estar com a mãe.

Mensagem

“(…) Eu gosto de coisas diferentes em tudo. Gosto da diferença (…)”

Sob uma significativa pressão familiar para que existam resultados escolares de exceção os pais, principalmente da parte do pai que exerce um grande controlo numa tentativa de condicionar as opções de ingresso no ensino superior. A estudante vive numa família sem grandes dificuldades de ordem económica que valoriza a cultura escrita e que investe na escola, mas muitas vezes questionando as orientações. A sua escolha do curso e da Universidade é reveladora de rebeldia perante a atitude muito controladora do pai. A estudante procura na sua entrada no ensino superior criar distância física e psicológica em relação a esse controlo e projeta-se num futuro profissional num país distante e num contexto de exceção e de aventura.

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4.4.3 P1 – Retrato 18 – “O empreendedor” – Estudante de 1.º Ano