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O Acesso ao ensino superior nas perspetivas dos estudantes do primeiro ano:

Capítulo I – Fracassos e Sucessos Previsíveis Lógicas de Reprodução social e

1.2.   O Acesso ao ensino superior nas perspetivas dos estudantes do primeiro ano:

A problemática da democratização do ensino superior não deverá restringir-se a uma análise do fenómeno de massificação, no sentido do crescente número de estudantes a frequentar o ensino superior, aproximando o número de jovens da faixa etária passíveis de estarem em processos de escolarização, com o número efetivo de estudantes a frequentar o grau de ensino (Cabral, 2007). Com efeito, verifica-se que nas últimas décadas, com maior incidência a partir dos anos 80 e ao longo de toda a década de 90, o número de estudantes no ensino superior tem crescido de uma forma muito considerável, em grande medida pelos investimentos feitos na expansão da rede, quer por parte dos poderes públicos (alavancado pelos fundos estruturais), quer da iniciativa privada (praticamente suportada na sua totalidade por dinheiro da cobrança de propinas a custos reais). Atualmente o ensino superior acolhe estudantes de estratos sociais, que há 30 ou 40 anos não tinham representação no ensino superior (Nunes, 1971). Resta no entanto avaliar se a massificação do ensino superior acompanhou na mesma proporção o processo de democratização (qual a representação das classes sociais no ensino superior, face ao seu peso representativo na sociedade portuguesa).

Segundo Alfredo Sousa (1968)

“Por democratização do ensino entendemos uma política que vise tornar o ensino, e especialmente o ensino superior, acessível a todas as classes sociais sem distinção de meios materiais. Isto é, uma política de ensino que tente eliminar os obstáculos financeiros que se opõem à entrada dos jovens nos estabelecimentos de ensino superior, e retenha, como critério de selecção, unicamente o exame das capacidades intelectuais e de trabalho do candidato. Deve ainda entender-se, por extensão, que uma política de democratização do ensino implica a abertura de possibilidades de acesso ao ensino superior àqueles que, não sendo jovens e tendo já iniciado uma carreira profissional, sintam necessidade de aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos ou a sua cultura.” (op. cit.:248)

No entanto, a problemática da democratização não ficará totalmente esclarecida se não atendermos aos fenómenos menos visíveis, aos condicionalismos de ordem social e económica que determinam diferentes possibilidades objetivas de escolha e frequência de um curso de ensino superior.

Não podemos observar o fenómeno da democratização do ensino superior, sem olhar às estratégias de escolarização das diferentes classes sociais, e na correlação entre essas estratégias de acordo com os recursos disponíveis e também, de acordo com as expectativas de mobilidade social. É preciso olhar o acesso ao ensino superior como um “jogo” de

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possibilidades que não está totalmente disponível em todas as possibilidades para todos os indivíduos (Vieira, 1995). O acesso a certos bens culturais ou educacionais, a capacidade económica para investir na educação dos filhos, ou a perceção que as famílias têm na delimitação de um percurso educacional desde os primeiros anos, depende em grande medida do posicionamento social da família (Vieira, 1995).

As classes sociais que se fazem representar de diferentes maneiras e com diferente proporcionalidade, no contexto do ensino superior, tendem a ter relações assimétricas com o sistema. Há uma concorrência interna, que muitas vezes se faz sentir pelas escolhas dos detentores do capital económico e cultural (em relação a determinados cursos ou instituições) face a grupos de “excluídos”, que mesmo assim, encetam uma estratégia de frequência do ensino superior num contexto altamente desfavorável face ao mercado de emprego ou face a lógicas de prestígio (escolha de instituições ou cursos cuja representação social é perspetivada pela sociedade em geral de uma forma negativa).

No entanto, o problema de quem influencia e de como é influenciada esta dinâmica, assim como, se os estudantes sendo influenciados por múltiplos fatores de ordem externa, também, são condição e resultado do próprio sistema (Giddens, 1998, 2010). Os atores do sistema (neste caso os estudantes e os seus grupos de origem) também utilizam uma capacidade reflexiva para a tomada de decisões. Os atores utilizam a “consciência prática” para determinar as suas escolhas muito embora nem sempre consigam descrever essa consciência de uma maneira discursiva ou estruturada. São as consequências perante a escolha (numa conjugação entre razões, motivações e opções de escolha) que fazem antecipar a ação e que tendem a tornar-se mecanismos perversos perante a entrada no ensino superior.

Há uma efetiva relação de forças entre as diversas classes sociais que se fazem representar de uma forma diferenciada no ensino superior. Os estudantes provenientes de meios sociais desfavorecidos ou provenientes de grupos com uma condição de origem socioeducativa sem tradição no ensino superior tendem a dominar de uma forma mais precária a realidade social perante as opções de acesso e frequência de um curso de ensino superior.

A construção de um conceito operativo designado por background sociocultural, foi desenvolvido a partir de estudos sobre o acesso ao ensino superior (Almeida, et al, 2003; Justino, 2010). Considerando que os aspetos socialmente relevantes são múltiplos e

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complexos na análise do estudante quanto à sua origem, foi efetuada uma abordagem analítica através da utilização de indicadores socioeducacionais e socioprofissionais (Almeida et al, 2003; Machado et al, 2003) ao qual se juntou um indicador de rendimentos (remunerações) (Justino, 2010).

O estudo tem como instrumento de medida uma base de dados, disponibilizada pela Direção Geral do Ensino Superior, referente ao ano letivo de 2006/07, que tem compiladas as respostas dos estudantes que ingressaram pela 1ª vez num curso de nível superior em Portugal: bacharelatos, licenciaturas, mestrados ou doutoramentos. Muito embora seja uma base de dados do ano letivo de 2006/2007, ela tem uma importante particularidade: foi a última vez que o Ministério da Educação e Ciência realizou este tipo de inquérito de caraterização, através de um questionário físico (em papel) denominado “O Boletim do Aluno1”. Este era o instrumento único, universal e fundamental para conhecer as tendências

de escolha dos estudantes perante uma bateria de indicadores.

O ensaio empírico teve como objetivo dar um contributo para melhor conhecer os mecanismos de escolha face ao curso pretendido e à Instituição de Ensino Superior escolhida. O inquérito a utilizar neste Capítulo constitui um instrumento de recolha de informação da responsabilidade da Direção Geral do Ensino Superior do Ministério da Ciência e Educação que se reproduz no anexo A, implicando um meticuloso trabalho prévio de seleção das questões mais pertinentes relacionadas com o diagnóstico do sistema.

Numa perspetiva de melhoria de políticas educacionais e de ação social e, sobretudo, do melhor conhecimento de fluxos de entrada e posteriores saídas do sistema de ensino, foi crucial apreender o percurso escolar do aluno, a sua caracterização social e económica e do respetivo agregado familiar, conduzindo a uma rigorosa perceção das motivações para a escolha de determinada área de formação ou das aspirações que estiveram na base da sua seleção.

O número de questionários respondidos anualmente variava em função do número de admissões, sublinhe-se que o carácter obrigatório de preenchimento deste Boletim no ato da matrícula garantia uma taxa de respostas muito próxima dos 100%. Todavia, num ou noutro caso, poderá ter-se verificado o extravio ou dano de alguns boletins.

1 Os dados foram apurados através do Boletim do Aluno, impresso n.º 1715, posteriormente alterado para impresso n.º 1885, da Imprensa Nacional Casa da Moeda.

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No ano letivo de 2006/07 responderam, total ou parcialmente, ao questionário 64.303 alunos (quadro 1). O sistema de leitura e reconhecimento ótico produz como output, por cada estabelecimento de ensino superior, um ficheiro de texto ASCII. Estes ficheiros são concatenados por ano letivo. O ficheiro de cada ano letivo é então convertido para o formato do SPSS (Statistical Package for the Social Sciences).

Quadro 1 – Ficha Técnica do Questionário

Promotor Direcção Geral do Ensino Superior – Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. População Estudantes do Ensino Superior que ingressam pela primeira vez num grau de ensino. Inquérito censitário 64.303 inquéritos por questionário válidos.

Inquiridos Estudantes do Ensino Universitário e Politécnico, das Instituições públicas, Privadas e da Universidade Católica Portuguesa.

Modelo do questionário O inquérito é constituído por 32 questões fechadas.

Método de recolha da informação Inquérito administrado no ato da matrícula, nas instituições de ensino superior. Modelos estatísticos utilizados Análise fatorial dos componentes principais; regressão linear.

Análise de dados SPSS 15.0

Controlo de Qualidade

O inquérito foi elaborado pelo GEP/ME, no início da década de 90, e atualizado pelas DGES no ano de 2004. Após a expedição pelas instituições de ensino superior dos inquéritos preenchidos pelos alunos, a DGES através da parceria com a UCP de Lisboa – Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP), procedeu à sua leitura ótica. Efetuada a codificação das perguntas abertas e validação total do ficheiro informático (DGES), este ficou apto a ser tabulado e tratado com base em software concebido para o efeito (SPSS 15).

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