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A Revista de Educação Física: disseminação e sistematização de saberes escolares

CAPÍTULO V Currículo escrito e a história da Educação Física no Brasil (1932-1945)

5.4 A Revista de Educação Física: disseminação e sistematização de saberes escolares

A criação da Escola de Educação Física do Exército a partir do Centro Militar de Educação Física

a) proporcionar o ensino do método de Educação Física Regulamentar; b) orientar e difundir a AÇÃO FÍSICA, 1933, p. 2). Realmente, desde o

reinício das atividades em 1929, o CMEF já era o principal local de formação de instrutores e monitores de Educação Física, através da doutrina francesa. No entanto, ampliando os objetivos, a EsEFEx

a) formará instrutores e monitores de educação física, mestres de armas, e monitores de esgrima;

b) proporcionará, aos médicos, especialização em educação física; c) formará massagistas desportivos;

d) fornecerá aos oficiais os conhecimentos indispensáveis à direção da educação física e da esgrima;

e) formará eventualmente para fins não militares, instrutores e monitores de educação física, recrutados no meio civil;

f) incrementará a prática da educação física e dos desportos;

g) estudará adaptações a serem introduzidas no método submetendo-as à apreciação do Estado Maior do Exército;

h) manterá correspondência com os institutos congêneres nacionais e estrangeiros (REVISTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, 1933, p. 3).

Confirmando a preocupação dos membros da ABE nos debates em 1929, sobre a possibilidade de o Anteprojeto ser um passo na direção da militarização da Educação Física escolar, principalmente ao centralizar a formação dos professores e instrutores aos cuidados do Exército, a EsEFEx se torna o local onde as decisões e rumos da Educação Física nacional foram definidos durante quase toda década 1930. Segundo Bezerra (2011, p. 46), a EsEFEx oi considerada um dos maiores institutos de formação militar que se organizou no país àquela época e dela partiram as ideias de se formar o corpo de profissionais atuantes no Exército e a circulação de concepções

Como estratégia à circulação do ideário militarista, a EsEFEx utilizou a Revista de

Educação Física (REF). Criada em 1932, no Centro Militar de Educação Física, sob a direção

do então major Newton Cavalcanti, a revista trouxe, no seu primeiro número, um artigo do redator-chefe, o 1º tenente João Ribeiro Pinheiro (1932, [s.p.]), que indicava a difícil relação entre setores militares e civis em torno da questão da Educação Física.

O Regulamento de Educação Física, em vias de aprovação pelo Estado Maior, preconiza que dentre em breve praso qualquer joven só poderá ingressar na Escola de Soldado depois de ter dois anos de educação física. Aos olhos mais indiferentes às necessidades nacionais ressalta logo os benefícios maravilhosos e oportunos de tal medida. No entanto elementos civis da alta administração, associações pedagógicas, num mau véso, propagam maldosamente, anti-patrioticamente, que se pretende fazer uma obra de militarismo. Confundidas na definição medieval da palavra militarismo, sem refletirem que a vida moderna, como a guerra moderna, faz da Nação armada o

seu próprio exército. Todavia, estou certo, que lenta, mas seguramente, o Brasil inteiro tomará conhecimento da grande obra nacional óra iniciada pelo C.M.E.F. e fará justiça aos seus realizadores.

Fazendo jus ao desiderato do tenente Pinheiro, a Revista de Educação Física, com a chancela da EsEFEx, torna-se o principal veíc

Regulamento (Nº 7) da Educação Física Método Francês, adotado pelo Exército Brasileiro como orientação oficial para Educação Física, tanto na caserna, quanto na escola. De acordo com Bermond (2007, p. 39),

sociedade brasileira da época (militares, civis educadores, intelectuais, juristas, esportistas

objetivos diversos, como a formação de um povo racialmente aperfeiçoado, de uma população sadia e de homens fortes, úteis tanto nas fábricas quanto na guerra.

Nesse sentido, a REF possibilitou que as ideias internas ao meio militar fossem disseminadas para outros setores da sociedade, isto é, que a doutrina da caserna, desmistificada, alcançasse a população em geral. Para além disso, a abertura de espaço para que intelectuais civis renomados também escrevessem nas páginas da revista, diminuiu a desconfiança externa e melhorou a aceitação do ideário militar. Ferreira Neto (1997, p. 103-

os militares buscaram apoio intelectual (médicos, advogados, jornalistas, escritores, educadores, etc.) com formação de toda ordem. Bastava que tais intelectuais se propusessem a ajudar a construir no espaço daquela Revista uma Unidade de Doutrina para a Educação Física

Embora estejamos de acordo com Ferreira Neto (1997) sobre os efeitos de tal estratégia jeto interventor nacional dos militares, observamos que, para além dos conhecidos benefícios políticos da cooptação dos intelectuais civis, a presença de outros setores da sociedade no debate sobre funções da Educação Física, até então, reconhecidamente militares, marca o movimento de transição através do qual os civis adquirem maior espaço nas decisões que envolvem a sistematização dos saberes relacionados a atividade física.

Entre 1932 e 1942, a REF reservava, além da supracitada Unidade da Doutrina, onde

político-

existiam a seção Lição de Educação Física facilitar a divulgação do método regulamentado pelo Exército para o ensino da Educação Física nos meios militar e

civil Editorial, normalmente

reservado aos intelectuais civis. De acordo com Ferreira Neto (2003, p. 101),

[...] a Seção Unidade de Doutrina apresenta propostas para a prática da Educação Física, fundamentadas no Regulamento Geral de Educação Física. Por meio desse Regulamento, é feita uma interpretação, que é divulgada e colocada em prática pelos profissionais que ministram a Educação Física tanto no meio militar quanto no civil.

Ou seja, os textos publicados na Revista de Educação Física cumprem a função complementar ao Regulamento (Nº 7)

adaptações ao método original, interpretadas à luz da realidade brasileira e elaboradas mediante experiências realizadas na EsEFEx ou nas escolas que os oficiais militares possuíam algum contato mais direto e frequente.

De fato, trabalhamos com a ideia de que, em um primeiro momento, logo após sua criação, em 1932, a Revista de Educação Física difundiu o Método Francês, ao defender a adoção da doutrina francesa e ao reproduzir trechos do Regulamento (Nº 7). Todavia, a atuação dos oficiais da EsEFEx e a participação dos intelectuais que colaboraram com a revista, produziram não apenas interpretações e adaptações do regulamento original, mas contribuíram para a ampliação das sistematizações e saberes escolares da Educação Física, consonantes com a realidade brasileira.

Para confirmar este fato, apoiados no estudo sobre o ciclo de vida da REF, realizado por Ferreira Neto (2003) e das pesquisas de Bermond (2007) sobre A Educação Física escolar na REF, trouxemos algumas citações que apresentam elementos que evidenciam a supracitada ampliação.

Na estreia da seção Unidade de Doutrina, o então tenente-coronel Newton Cavalcanti (1932, [s. p.]) declara que

Com o fim de facilitar a difusão do nosso método, vamos, a partir desse número, publicar uma série de lições de educação física, sessões de jogos, sessões de esportes individuais, e por fim sessões de esportes coletivos; acompanhados das explicações necessárias à sua execução.

[...] a reunião de exercícios variados e combinados que interessam simultânea ou sucessivamente todos os organs [sic] e as grandes funções, tendo em vista o seu aperfeiçoamento e sua melhora. Para sua execução é dividida em 3 partes de duração e importância desiguais. Inicia-se por uma sessão preparatória seguida da lição propriamente dita, terminando por uma volta à calma.

O autor militar define cinco princípios que devem ser seguidos nas formulações das lições: 1) a continuidade, que impõe a não interrupção da lição para a obtenção do efeito

desejado sobre o conjunto do organismo; 2) a alternância, que exige a mobilização intercalada das partes superior e inferior do corpo; 3) a graduação, que prescreve graduações de intensidade e dificuldade progressivas aos exercícios; 4) a atração, que preconiza a necessidade de manter o interesse dos alunos pela atividade; e 5) a disciplina, que pressupõe o completo controle da turma pelo instrutor (CAVALCANTI, 1932 apud FERREIRA NETO, 2003). De acordo com Ferreira Neto (2003, p. 105 sses princípios apresentam-se subordinados aos eixos doutrinários existentes no Exército, os quais orientam toda a doutrina institucional, são eles: a hie

Cotejando os extratos acima, retirados do artigo do tenente-coronel Cavalcanti (1932), com o texto presente no Regulamento (Nº 7), notamos que ele reproduziu as passagens presentes naquele documento76. Desse modo, inferimos que a reprodução de trechos do texto original do

Regulamento (Nº 7) naquele contexto notadamente aqueles relacionados à doutrina - supriria

a dificuldade de impressão (cópia) e distribuição do documento completo.

Cabe ressaltar que Ferreira Neto (1997, p. 102 odas as lições iniciam- se por uma sessão preparatória, passando pela lição propriamente dita e terminando com a volta

[...] nas lições, os objetivos, conteúdos, metodologia, recursos físicos, materiais didáticos e avaliação são diferentes conforme a instituição: Exército ou escola. Essa assertiva pode ser conferida no impresso tanto na descrição das lições como nas imagens (fotografia e crokiart) (FERREIRA NETO, 1997, p. 102).

Consequentemente, Ferreira Neto (1997, p. 108) indica que a

[...] lição é recomendada de forma diferente para militares e para civis. Na lição de Educação Física aplicada aos militares, predomina o uso da ginástica (composta de flexionamentos, dos exercícios educativos e das aplicações), com maior ênfase à lição propriamente dita, isto é, ao item aplicações, que corresponde as sete grandes famílias77.

escolar com base em constatações fisiológicas (ou somente empíricas) e não com fundamento em reflexões pedagógicas. Os oficiais sabiam em parte pela experiência adquirida na atuação com a formação pré-militar

de suportar a intensidade e o volume das atividades realizadas nos quartéis.

76No exemplar do Regulamento (Nº 7) da Educação Física (BIBLIOTECA DA DEFESA NACIONAL, 1934)

páginas 42 e 43.

77No Método Francês, as sete grandes famílias correspondem aos exercícios de: marchar, trepar, saltar, levantar e

Por fim, buscando elementos que sustentem a afirmação de que os artigos publicados na REF, durante o período de 1932 até 1945, contribuíram na ampliação das sistematizações e saberes escolares da Educação Física brasileira, utilizaremos o estudo de Bermond (2007), no qual o autor mapeou os artigos sobre Educação Física escolar publicados na Revista de

Educação Física entre 1932 e 1952, dividindo-os por temáticas. Todavia, diante dos objetivos

propostos e dos limites do nosso estudo, não iremos nos ater na busca de elementos nos textos publicados, por entendermos que a temática tratada e os títulos dos artigos definiriam em essência os seus objetivos.

Durante o período que compreende a criação da REF e final do Estado Novo (1937- 1945), foram publicados 101 artigos que tratavam da Educação Física escolar. No mapeamento realizado, Bermond (2007) dividiu os artigos em 18 temáticas: Educação Física e esportes na escola; Educação Física infantil e jogos; legislação referente à Educação Física escolar; Medicina e Educação Física escolar; Lições de Educação Física; dramatizações e ginástica historiada; conferências e congressos sobre Educação e Educação Física; Educação Física e nos Estados brasileiros; Educação Física e Educação; relatos sobre experiências com a Educação Física em escolas; Método Francês; Educação Física e Pedagogia; Educação Física corretiva; professores e instrutores de Educação Física; Fisiologia; Biometria; Antropometria e Biotipologia.

Até o final da década de 1930, a REF publicou 87 artigos relacionados com a Educação Física escolar, sendo que quase a metade (41) foram publicados antes do início do Estado Novo. Entre 1940 e 1945 apenas 14 artigos trataram da questão da Educação Física escolar (BERMOND, Idem). Destacamos que os artigos que tratam das temáticas relacionadas

78 79

80) e sua legitimação no ambiente escolar através do ideário escolanovista

78

-la, em relação à educação física feminina, nos estabelecimentos de Abade (1936).

79 pedagogia

80 ino Lopes Bonorino (1932), Paulo Teixeira

81 82), estiveram presentes

desde a criação da REF até os primeiros anos da ditadura estadonovista. O predomínio destas temáticas sinaliza o impacto dos acontecimentos político-militares ocorridos no Brasil naquele

da prática da Educação Física, a partir da orientação militar, seria uma forma de viabilizar sua intervenção no social no esforço de c

(BERCITO, 1996, p. 153). Afirma-se, também, conforme Ferreira Neto (1997), que no final da década de 1930, o apoio dos setores intelectuais ao pensamento militar atingiu o ápice, tornando evidente a participação destes setores na legitimação do projeto pedagógico militar para a Educação Física brasileira, como observado nas páginas da Revista de Educação Física.

Todavia, gradativamente e, em especial na década de 1940, temáticas que envolviam as

estra 83,

84

85) e a experiência prática nas escolas ( Notícias Sobre a Educação Física

nos estados brasileiros 86 87),

sistematizados a partir de interpretações e adaptações da versão oficial do Método Francês contida no Regulamento (Nº 7).

81 Educação

Peixoto Martins Stoffel (1936).

82 Abade

Airton Salgueiro Freitas (1938).

83

Batista Lobo (1942).

84 Considerações

85

Educação física infantil: método prático (1939).

86 ESCOLA superior de educação física de São

Orlando M. Torres (1936).