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Apropriações das obras de Paulo Freire e Dermeval Saviani nos estudos do

CAPÍTULO II Teorias do Currículo

2.3 A teoria do Currículo Crítico

2.3.4 Apropriações das obras de Paulo Freire e Dermeval Saviani nos estudos do

Fundamentado em obras25 de Paulo Freire, Silva (2010) afirma que o professor

pernambucano não desenvolveu uma teorização específica sobre currículo. Entretanto, Freire discute questões relacionadas, comumente, com teorias mais propriamente curriculares. Por este motivo, é conhecida a influência dele sobre as teorizações de autores ligados ao campo de estudo do currículo.

Presentes no livro Pedagogia do oprimido, suas teorizações diferem fundamentalmente das teorias reprodutivistas (Althusser, Bourdieu e Passeron, Bowles e Gintis) por três motivos. Primeiro, diferente dos reprodutivistas, a análise de Freire deve muito mais à filosofia do que à sociologia ou à economia política. Nesse sentido, Silva (2010, p. 57-58), observando que a análise sobre a formação social brasileira, em Educação como prática da liberdade, é profundamente histórica e sociológica, indica que, diversamente,

[...] a análise que Freire faz do processo de dominação em Pedagogia do primido está baseada numa dialética hegeliana das relações entre senhor e servo, ampliada e da fenomenologia existencialista e cristã e de críticos do processo de dominação colonial (Memmi, Fanon). O foco está, aqui, muito menos na dominação como um reflexo das relações econômicas e muito mais na dinâmica própria do processo de dominação.

Segundo, as críticas sociológicas da educação em Freire se baseiam na estrutura e no funcionamento da educação institucionalizada nos países desenvolvidos, de modo que para

da educação de adultos em países subordinados à ordem mundial (SILVA, 2010).

não se limita a analisar como são a educação e a pedagogia existentes, mas apresenta uma teoria bastante elaborada de como elas devem ser

25Silva (2010) restringe sua análise aos livros Educação como prática da liberdade (FREIRE, 1967) e Pedagogia

De acordo com Silva (2010), a crítica de Freire ao currículo existente está sintetizada no conceito de educação bancária, que epistemologicamente concebe o conhecimento como sendo constituído de informações e fatos a serem transferidos, diretamente, do professor para o

independente dos envolvidos no ato pedagógico. Freire, então, formula o conceito de educação

problematizadora, como alternativa à concepção bancária, partindo de uma compreensão

nto é sempre o conhecimento de

59). Com efeito, o objeto a ser conhecido, mediado pelo diálogo

dores e educandos criam, dialogicamente, um conhecimento do VA, 2010, p. 60, grifo do autor). Silva (Ibidem) ainda complementa:

em Pedagogia do Oprimido, instruções detalhadas de como desenvolver um currículo observar que Freire utiliza nesse livro expressões e conceitos bastante tradicionais, está bem consciente, entretanto, da necessidade do desenvolvimento de um currículo que esteja de acordo com sua concepção de educação e pedagogia. A diferença relativamente às perspectivas tradicionais de currículo está na forma como se [...] Na perspectiva de Freire, é a própria do currículo dos programas de educação de adultos.

A compreensão de Freire (1970) de que os conteúdos programáticos da educação não seriam uma doação ou imposição, mas, sim, uma devolução organizada e sistematizada daqueles e

-se como uma operação visivelmente curricular. Silva (2010)

se antecipou, em certo sentido, a definição cultural característica da influência dos Estudos Culturais, iniciando o que,

-

problematiza as relações de poder entre países colonizados e colonizadores. Destarte, o autor afirma que

ta centralidade, essa dimensão da obra de Paulo Freire pode talvez servir de inspiração para o desenvolvimento de um currículo pós-colonialista que responda às novas condições

SILVA, 2010, p. 62)

Embora concordemos com Tomaz Tadeu da Silva (2010) sobre a presença de conceitos freireanos no desenvolvimento de um currículo pós-colonialista, observamos que no estudo de Saul e Silva (2009) sobre o legado de Paulo Freire para as políticas de currículo, ao apresentarem a trajetória de Secretarias de Educação municipais26 e estaduais das chamadas

, criadas durante os anos 1990, e inspiradas nos referenciais e na

prática cionalidade

27 que sugere a influência de uma matriz marxista com proximidade à Teoria

Crítica (Horkheimer, Marcuse e Adorno).

Portanto, ao se referirem à reorientação curricular no contexto da política educacional da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na gestão Paulo Freire (1989-1992), Saul e Silva (2009, p. 226) definem a escola desejada.

A escola deveria estar aberta para que a população pudesse recriá-la, dar-lhe ânimo, outra vida e, principalmente, reconstruir criticamente o saber, instrumento de emancipação, levando sempre em conta suas necessidades. A participação popular na criação da cultura e da educação rompe com a tradição de que só a elite é competente e sabe quais são as necessidades e interesses de toda a sociedade.

A escola deveria ser também um centro irradiador da cultura popular, não para consumi-la, mas para recriá-la, um espaço de organização política das classes populares, e, como espaço de ensino-aprendizagem, um centro de debate de idéias e soluções, reflexões, em que a organização popular iria sistematizando a sua própria experiência. O filho do trabalhador deveria encontrar nessa escola os meios de auto- emancipação intelectual, apropriando-se criticamente do conhecimento que a classe dominante detém. (nossos grifos)

Supondo que um currículo pós-colonialista fundamentado no Pós-Estruturalismo não

através da apropriação do conhecimento da classe dominante uma forma de manutenção da dominação, conclui-se, portanto, que a proposta implantada se sustenta em um paradigma

-

26 -1992), trabalhou na

perspectiva de construção e vivência de um novo paradigma curricular. Isso implicou pensar, ler, fazer e sentir currículo de forma diferente. Buscou-se uma reorientação presidida pela racionalidade emancipatória que toma

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contexto histórico, social, político e cultural como um todo. Construir/reformular/reorientar o currículo nessa perspectiva requer, antes de tudo, uma nova compreensão que explicite uma dimensão frequentemente oculta da

Passamos a tratar da influência de Dermeval Saviani nas questões do currículo, alternando as afirmações realizadas por Silva (2010) com algumas de nossas considerações.

Segundo Tomas Tadeu da Silva, o predomínio de Freire no campo educacional brasileiro foi contestado, no início da década de 1980, pela Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), desenvolvida por Dermeval Saviani. Semelhante à afirmação feita sobre Freire, o autor observa que Saviani não pretendia elaborar propriamente uma teoria do currículo, embora sua teorização focalize questões legítimas ao campo dos estudos curriculares. Aparentemente, Silva (2010) se baseia em Escola e democracia (SAVIANI, 2008) para contrapor Freire a Saviani. Com efeito, afirma que

Em oposição a Paulo Freire, Saviani faz uma nítida separação entre educação e política. Para ele, uma prática educacional que não consiga se distinguir da política perde sua especificidade. A educação torna-se política apenas na medida em que ela permite que as classes subordinadas se apropriem do conhecimento que ela transmite como um instrumento cultural que será utilizado na luta política mais ampla. Assim, para Saviani, a tarefa de uma pedagogia crítica consiste em transmitir aqueles conhecimentos universais que são considerados como patrimônio da humanidade e não dos grupos sociais que deles se apropriaram. Saviani critica tanto as pedagogias ativas mais liberais quanto a pedagogia libertadora freireana por enfatizarem não a aquisição do conhecimento, mas os métodos de sua aquisição. (SILVA, 2010, p. 63)

que, naquele período, este slogan, tornando-se lugar-comum, tendia a identificar educação com política, ou seja, a prática pedagógica com a prática política, dissolvendo-se, assim, a especificidade do fenômeno educativo. Neste contexto, naquele momento histórico, Saviani

excessivo foco no polo político. Embora esta crítica valha para algumas leituras freireanas

estacamos as seguintes:

Tese 1: Não existe identidade entre educação e política.

COROLÁRIO: educação e política são fenômenos inseparáveis, porém efetivamente distintos entre si.

Tese 2: Toda prática educativa contém inevitavelmente uma dimensão política. Tese 3: Toda prática política contém, por sua vez, inevitavelmente uma dimensão educativa.

Tese 4: A explicitação da dimensão política da prática educativa está condicionada à explicitação da especificidade da prática educativa.

Tese 5: A explicitação da dimensão educativa da prática política está, por sua vez, condicionada à explicitação da especificidade da prática política.

[...]

Tese 8: As relações entre educação e política dão-se na forma de autonomia relativa e dependência recíproca.

[...]

Tese 11: A função política da educação cumpre-se na medida em que ela se realiza como prática especificamente pedagógica. (SAVIANI, 2008, p. 71-72, grifos do autor)

Em semelhante perspectiva, Paulo Freire afirma em Política e educação (FREIRE, 2001, p. 16) que

A prática educativa, reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes. Lidando com o processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o ensino de conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização.

distinção, não identidade (Tese 1). A prática -

dimensão política (Teses 2 e 4

prática educativa em possibilitar o ensino de conteúdos (especificidade educativa) tanto quanto em buscar a conscientização das pessoas (especificidade política), manifesta-se nas relações entre educação e política na forma de autonomia relativa e dependência recíproca (Tese 8).

Adiante, Silva (2010, p. 63) afirma que

No contexto das teorias pós-estruturalistas mais recentes, que assinalam, seguindo Foucault, um nexo necessário entre saber e poder, a teorização curricular de Saviani parece visivelmente deslocada. No limite, excetuando-se uma evidente intenção crítica, é

possa se distinguir de teorias mais tradicionais do currículo.

Pois bem, a primeira questão a esclarecer é que Silva (2010), aparentemente, pauta sua afirmação tomando a PHC nos li

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Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações (SAVIANI, 2006), quando questionado

sobre o desvio que a denominação formulada por Libâneo estaria causando na interpretação da

- -

Quando o Libâneo estava para publicar seu livro, utilizando a denominação pedagogia

crítico- -

-me então que esta era exatamente a denominação que estava buscando, e chegou a pensar em utilizá-la no livro. Mas eu considerei secundária a questão do nome, pois o mais importante era difundir a proposta. A fixação do nome mais adequado dependeria das reações suscitadas. Então, não me opus a que ele empregasse a sua denominação.

dos métodos está presente na palavra pedagogia. Acontece que as expressões se difundem e no final você fica com formas sem conteúdos. É por isso que se fala em pedagogia sem estar atento ao significado da palavra. Há uma fetichização, uma

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rar-se do significado daquilo que lhe escapa, lendo e linha de uma volta à pedagogia tradicional, ou de uma recuperação dessa proposta.

Ou seja, entendemos que Silva (2010) se engana ao interpretar a PHC a partir da -se que a elaboração curricular fundamentada na PHC representante da teoria do Currículo Crítico - é distinta das teorias mais tradicionais do currículo. Pensamos com Malanchen (2014, p. 208-209) que

[...] um dos desafios a serem enfrentados pela Pedagogia Histórico-Crítica na atualidade é o de propor currículos escolares que expressem da forma mais consciente e sistematizada possível, aquilo que estava contido de forma limitada e contraditória no currículo da escola elementar tradicional, ou seja, a concepção do ser humano como um ser que se autoconstrói no processo histórico de transformação da realidade objetiva. Considerando-se a educação escolar desde a educação infantil até o ensino superior, os currículos escolares poderiam ser pensados como um processo de progressiva explicitação e complexificação dessa concepção de mundo.

E acenamos a respeito da relação da PHC e o currículo que

[...] um currículo pensado a partir da Pedagogia Histórico-Crítica, dentro das limitações existentes, pode ser disciplinar, mas com a concepção de mundo do materialismo histórico e dialético, devendo propor a articulação das disciplinas a partir do elemento fundante do ser humano e de todo o conhecimento produzido, que é o trabalho. (MALANCHEN, 2014, p. 210)

Infelizmente, os objetivos deste nosso estudo nos impedem de aprofundar este debate. Indicamos, no entanto, a intenção de voltar à temática em trabalhos futuros.