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Uma das primeiras medidas tomadas durante a Revolução Francesa foi o confi sco dos bens, pertencentes à Igreja Católica, aos emigrados e à própria monarquia francesa. O objetivo era evidentemente econômico, pois visava à apropriação desse patrimônio – aqui entendido basicamente, no sentido jurídico, como herança – pelo povo francês.

Dentre os bens dessa imensa herança, havia obras de arte e monumentos históricos de todos os períodos (da Antiguidade clássica e da Antiguidade nacional) e tipos (esculturas, edifícios, ornamentos). Todos esses bens, por conta da sua transferência para o governo revolucionário, passavam a ter um novo (e duplo) valor: de um lado, econômico, por ser contabilizado nos cofres do Estado, e, de outro, nacional, por ser visto como pertencente ao povo.

Procurando transformar esse grande tesouro apreendido em dinheiro corrente, o governo francês procurou vender parte desse patrimônio para particulares que poderiam pagar por ele. Aquilo que não podia ser vendido ou que gerava dúvidas sobre como ser avaliado, passou a ser considerado em seu valor simbólico.

Para essa tarefa, logo em seguida, o governo revolucionário nomeou uma comissão de monumentos com o objetivo de inventariar e classifi car (tombar) os bens confi scados. A primeira decisão da comissão foi dividir os bens em móveis e imóveis. Os bens móveis foram enviados para espaços especialmente destinados ao seu armazenamento e à sua exposição Esses novos espaços eram os museus, cujo intuito era instruir a nação.

Na época da instalação dos primeiros museus, não havia uma maior clareza sobre os critérios de seleção daquilo que deveria constituir seus acervos. Isto dava margem a diversas disputas e reviravoltas em torno no assunto, ao sabor das circunstâncias políticas do período revolucionário. Apenas o Museu do Louvre

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da nação e da civilização, tornando-se a matriz para os demais museus de todo o mundo.

A partir de 1792, houve a radicalização dos revolucionários, no período conhecido como Terror. O que antes era confi sco para aumentar e socializar a renda nacional torna-se uma onda geral de destruição premeditada de todos os símbolos que remetessem ao clero e à nobreza.

Não se tratava de mera destruição, mas de uma atitude deliberada de se apagar uma parte ou um aspecto do passado nacional em detrimento do qual se pretendia erguer uma nova civilização. Muitas vezes, pregava-se o reaproveitamento de materiais extraídos de obras de arte que carregariam símbolos da odiada aristocracia em novas obras de arte como, por exemplo, propôs o pintor David, em 1793.

Jacques-Louis David: um pintor da Revolução

Figura 3.14: Autorretrato de 1794. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/c/c6/David_Self_Portrait. jpg/466px-David_Self_Portrait.jpg

David nasceu em Paris, em 1748. Aos 18 anos, en- trou para a Academia Real de Pintura e Escultura da França e, em 1774, foi estudar na Itália. Ali, visitou as ruínas de Herculano, as coleções de antiguidades de Pompeia e os templos dóricos de Pesto, experi- ências fundamentais em sua obra. De volta a Paris, as suas obras afi rmavam a simplicidade e a auste- ridade estoicas antirrococó. O quadro Juramento dos Horácios, de 1785, representou uma renovação artística e um manifesto político contra a corrupção da aristocracia e pelos princípios morais da Roma republicana. No início da Revolução, David ligou-se aos jacobinos, foi eleito para a Convenção Nacional em 1792 e votou pela execução de Luís XVI. Durante o Terror, como membro da Comissão Parlamentar de Arte, David substituiu a Academia Real por uma Sociedade Popular e Republicana das Artes. Nesta época, David ocupou-se com a propaganda revo- lucionária, deixando de lado a sua produção em pintura. Em 1799, sua obra A intervenção das Sabi- nas foi considerada um manifesto de reconciliação e de pacifi cação da sociedade francesa. Napoleão Bonaparte também utilizou o talento de David em benefício próprio. Foi David o autor do famoso qua- dro Consagração do imperador Napoleão I (1807). Com a queda de Napoleão, David foi exilado em Bruxelas, onde morreu em 1825.

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Figura 3.15: A intervenção das sabinas.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/70/ Sabine_women.jpg/220px-Sabine_women.jpg

Figura 3.16: Detalhe do quadro Consagração do imperador Napoleão I.

Fonte: http://www.artelista.com/La-uncion-de-Napoleon-y-coronacion-de-la- emperadora-Josefi na-MS/03/mwm02319.jpg

Ao mesmo tempo em que se radicalizava a tentativa de destruição dos símbolos e emblemas que remetiam ao Antigo Regime, no próprio governo revolucionário surgiam decretos e ações

que demonstravam a preocupação em se preservar monumentos e obras artísticas que, apesar de sua simbologia, eram vistos como de valor nacional e histórico. O governo buscava, com isso, pelo menos, minimizar os efeitos do vandalismo. Assim, a tensão interna colocava em questão uma série de valores que estariam em jogo:

• O que esses monumentos representavam para a nação francesa?

• Qual patrimônio proteger?

• Como pano de fundo, o que era essa nação francesa? • Qual passado refl etiria melhor a sua identidade?

Assim, a partir deste embate entre destruição e preservação do legado do Antigo Regime, uma nova forma de se pensar e organizar o patrimônio da nação começou a ganhar contornos mais nítidos.