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Existe um grande debate a respeito dos signifi cados atribuídos à Revolução Francesa e seu real impacto histórico. De qualquer maneira, não resta dúvida que fazia parte das pretensões dos revolucionários franceses a instauração de um novo tempo e de uma nova nação, rompendo com tudo o que representava ou trazia a marca do Antigo Regime – leis, estamentos sociais, símbolos da aristocracia.

O Antigo Regime

O Antigo Regime designa originalmente o siste- ma social e político aristocrático, estabelecido na França, sob as dinastias de Valois e Bourbon, entre os séculos XIV e XVIII. Durante este tempo, a socieda- de francesa dividia-se em três ordens, estamentos ou Estados: o clero (Primeiro Estado), a nobreza (Segundo Estado) e o Terceiro Estado, que representava a burgue- sia e os camponeses. Os privilégios dos nobres e do clero, bem como o seu poder sobre o resto da popula- ção, eram garantidos pela aliança entre o Primeiro e o Segundo Estados, que neutralizavam as demandas do Terceiro nas assembleias (Estados Gerais).

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Figura 2.4: O Terceiro Estado, carregando o Primeiro e o Segundo

Estados nas costas, segundo ilustração da época.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8e/ Troisordres.jpg/300px-Troisordres.jpg

O período do Antigo Regime representou a transição do feudalismo (a maior parte das terras, principal fonte de riqueza da época, estava nas mãos da aristocracia e do clero) ao capitalismo comercial (com a burguesia ascen- dendo econômica e politicamente). Em termos sociais, temos a coexistência de uma sociedade estamental e de uma burguesia, que ainda não podia assumir o papel da classe dominante, reservado aos estamentos privilegia- dos. Politicamente, temos uma monarquia absolutista.

Um dos atos mais simbólicos da Revolução Francesa foi a criação de um novo calendário: o calendário revolucionário francês ou calendário republicano. Criado em 1792 pela Convenção Internacional, ele simbolizava a ruptura com a ordem antiga e o início de uma nova era na história da França – e do mundo ocidental. Buscando se dissociar da herança clerical que impregnava os marcos temporais até então, este calendário eliminava da organização da vida cotidiana as festas religiosas católicas, os nomes de santos

e, sobretudo, o domingo. Em compensação, ele se inspirava nos fenômenos da natureza e nos signos da Revolução e da nova República. Esse calendário só vigorou de 22 de setembro de 1792 a 31 de dezembro de 1805, quando Napoleão Bonaparte ordenou o restabelecimento do calendário gregoriano, e também durante a Comuna de Paris (1871). Durante a revolução, deliberadamente se pretendia apagar os vestígios de uma memória francesa consagrada, que relacionava as origens da pátria às origens da nobreza e do clero.

Figura 2.5: Um calendário revolucionário francês no Museu de História de Lausane. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/08/Musee-historique- lausanne-img_0143.jpg/150px-Musee-historique-lausanne-img_0143.jpg

Mas, para tanto, era necessária a adoção de outras referências que traduzissem esse anseio de mudança e inovação. Pela difi culdade em se encontrar eventos e personagens históricos que não trouxessem a indesejada marca aristocrática, recorreu-se a símbolos e imagens que remontavam à Grécia Antiga, como um

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O Iluminismo e a Enciclopédia: novas ideias para um novo mundo

A queda do Antigo Regime não aconteceu como consequência de um único evento. Durante o sécu- lo XVIII, uma nova corrente de pensamento, chamada Iluminismo (ou Ilustração ou Filosofi a das Luzes), ganha grande impulso, principalmente na França, defendendo ideias que se chocavam diretamente com os valores do absolutismo monárquico. O Iluminismo foi um movimento intelectual, encabeçado por impor- tantes pensadores ligados à Ciência, à Filosofi a e às Artes. Os iluministas exaltavam a razão esclare- cida, a ideia de liberdade, a tolerância de credo e fi losófi ca, e a igualdade jurídica entre os homens em oposição à opressão religiosa, moral e política da época. Eles defendiam a primazia do espírito científi - co sobre a fé cega, nos dogmas religiosos. A refl exão política era marcada pela teoria do contrato social, pela defesa da participação do povo (burguesia) nas decisões políticas, pela defesa do fi m dos privilégios da nobreza e de uma constituição que regesse e limi- tasse os poderes dos mandatários. No campo eco- nômico, exaltava-se o liberalismo e reivindicava-se o fi m do intervencionismo. Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), Diderot (1713-1784), Rousse- au (1712-1778) e Beaumarchais (1732-1799) foram alguns célebres iluministas franceses.

Figura 2.6: Jean-Jacques Rousseau. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/5/59/Rousseau.jpg/200px- Rousseau.jpg Figura 2.7: Diderot. Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/a/ad/Louis-Michel_van_ Loo_001.jpg/235px-Louis-Michel_van_Loo_001. jpg. Diderot par Louis-Michel van Loo, 1767.

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Uma das obras mais notáveis do movimento iluminista foi a Enciclopédia, a primeira do mundo, editada por Denis Diderot e Jean le Rond D’Alembert. Esta grande obra, lançada entre os anos 1751 e 1777, compre- endia mais de 71 mil artigos, sobre os mais diversos assuntos, e quase 3 mil ilustrações. Ela teve a partici- pação de mais de 130 colaboradores, dentre os quais, notáveis fi guras da época, como Voltaire, Rousseau e Montesquieu. A publicação tinha como objetivo mudar o modo comum de pensar através da expansão do conhecimento e do desenvolvimento de formas críticas de pensamento, livres do obscurantismo religioso da época. Por sua crítica à Igreja Católica, a Enciclopédia chegou a ser banida, mas as edições continuaram a ser produzidas clandestinamente. Ela foi também um vasto compendium das tecnologias do período, descrevendo inclusive os mais novos dispositivos da Revolução Indus- trial no Reino Unido.

Figura 2.8: Jean le Rond d’Alembert. Fonte: http://upload.wikimedia.org/ w i k i p e d i a / c o m m o n s / t h u m b / e / e 3 / J e a n _ d % 2 7 A l e m b e r t . j p e g / 2 0 0 p x - Jean_d%27Alembert.jpeg

Figura 2.9: Fragmento da capa da Enciclopédia, de Diderot e

d’Alembert. Na ilustração, a Razão e a Filosofi a, à direita, retiram o véu da Verdade, que ilumina toda a composição (pintada por Charles Nicolas Cochin e gravada por Benoît-Louis Prévost, em 1772).

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/93/ Encyclopedie_frontispice_section_256px.jpg/200px-Encyclopedie_ frontispice_section_256px.jpg

O vandalismo contra os símbolos do