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A Revolução Industrial, a Lei dos Pobres e o estado capitalista

Marx afirma que o Estado vem para garantir o direito da classe possuidora em explorar a classe não possuidora, além de assegurar o domínio da primeira sobre a segunda. Tem, desta forma, por determinação genética, a essência de um comitê executivo da classe dominante para a defesa de seus interesses históricos, contra a revolta dos explorados. Destarte, a civilização tem seus sustentáculos na propriedade privada, na família monogâmica e no Estado, que tem, a cada época, uma nova forma de exploração, baseada na divisão social do trabalho (LESSA, 2012).

Nos seus 40 anos de estudo sobre a sociedade burguesa, Marx desvela as leis do movimento do capital13, bem como analisa o fenômeno das crises econômicas, considerando- as inevitáveis e inerentes ao sistema do capital. Nesse sentido, é importante compreender que o aumento da produção, nem sempre vem acompanhado do aumento do consumo, o que diminui a expectativa de lucro. Portanto, mesmo que aumente a produtividade, sem aumentar o número de trabalhadores, o capitalista não aumenta seu lucro, porque o que gera mais-valor, é a força de trabalho.

Sem o consumo da força de trabalho pelo capitalista, não há aumento de mais- valia. Portanto, não há como sustentar uma teoria que afirme ser natural a existência de classes possuidoras de bens e as classes dominadas por aquelas, baseadas na exploração do trabalho alheio para obtenção de lucro, de mais capital.

Nesse momento, faz-se necessário o entendimento da relação da vida imediata com as questões mais gerais, que os homens estabelecem entre si, para a produção da riqueza material e espiritual/intelectual. Engels (2012), afirma que o grau de desenvolvimento do trabalho e a família, são os modos de produção que condicionam a ordem social em que vivem os homens de determinada época. Nas palavras do autor (2012)

Quanto menos desenvolvido o trabalho, mais restrita é a quantidade de seus produtos e, por consequência, a riqueza da sociedade; com tanto maior força se manifesta a influência dominante dos laços de parentesco (Geschlechtsbande), a produtividade do trabalho aumenta sem cessar e, com ela desenvolvem-se a propriedade privada e as trocas, as diferenças de riqueza, a possibilidade de empregar força de trabalho alheia, e com isso, o fundamento dos antagonismos de classe: os novos elementos sociais, que, no transcurso de gerações, procuram adaptar

13 Aula expositiva sobre as Bases Teóricas da Crise do Capital, proferida pelas Professoras Dr.ª Maria das Dores Mendes Segundo e Dr.ª Josefa Jackline Rabelo no Mestrado Acadêmico em Educação (MAE), da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em parceria com o Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO), e a linha de pesquisa Marxismo, Educação e Luta de Classes (E-LUTA) da Universidade Federal do Ceará (UFC), no dia 24 de maio de 2012.

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a velha estrutura de sociedade às novas condições, até que por fim, a incompatibilidade entre estas e aquela leva a uma reviravolta (Umwälzung) completa (ENGELS, 2012, , p. 18-19).

A riqueza da sociedade depende do desenvolvimento do trabalho e, quanto maior o grau do seu desenvolvimento, quanto mais complexo, maior será a quantidade dos seus produtos. Com isso, resulta que a riqueza social, na sociedade capitalista, está pautada na força da influência dominante dos laços de parentesco, aumentando a produtividade do trabalho, desenvolvendo, desta forma, a propriedade privada.

Engels (2012), segue assinalando que aquelas relações baseadas no parentesco, agora dão lugar a uma sociedade centralizada no Estado, que submete completamente o regime familiar às relações de propriedade “[...] e na qual tem livre curso às contradições de classe e a luta de classes, que constituem o conteúdo de toda a história escrita, até nossos dias” (ENGELS, 2012, p. 19).

Engels (2012, p. 22) afirma que

[...] até o início da década de 1860 não se poderia sequer pensar em uma história de família. As ciências históricas ainda se achavam, nesse domínio, sob a influência dos Cinco Livros de Moisés. A forma patriarcal da família, pintada nesses cinco livros com maior riqueza de minúcias do que em qualquer outro lugar, não somente era admitida, sem reservas, como a mais antiga, como também se identificava – descontando a poligamia – com a família burguesa de hoje, de modo que era como se a família não tivesse tido evolução alguma através da história. No máximo, admitia-se que nos tempos primitivos pudesse ter havido um período de relações sexuais não reguladas.

Somente após 1861, com estudos relativos à história da família, na qual Engels (2012) cita contribuições de dois estudiosos no assunto, para expor as situações familiares no período primitivo, nos remete à compreensão das origens e o quadro de desenvolvimento da humanidade, destacando, nesse momento, o estado selvagem e a barbárie, que, a partir dos estudos de Levis Henry Morgan, classifica o estado selvagem como:

[…] período que predomina a apropriação dos produtos da natureza, prontos para ser utilizados; as produções artificiais do homem são, sobretudo, destinadas a facilitar essa apropriação; […] a Barbárie é o período em que aparecem a criação de gado e a agricultura, e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio de trabalho humano (…) (ENGELS, 2012, p. 43-44).

De acordo com Engels (2012), que se fundamenta nos estudos de Morgan, a família comunista (no comunismo primitivo), “[...] significa predomínio da mulher na casa” (ENGELS, 2012, p. 67), indicando uma ideia absurda - a difusão, pela filosofia do século 18,

53 de que a mulher era escrava do homem - que, diferente dos resultados dos estudos em questão, “[...] Entre todos os selvagens e em todas as tribos que se encontram nas fases inferior, média e até (em parte) superior da barbárie, a mulher não só é livre, como, também, considerada” (ENGELS, 2012, p. 68).

É importante ressaltar que, dentre tantas outras informações que o autor demonstra a respeito da família monogâmica, expõe que esta se baseia no predomínio do homem e tem como finalidade expressa “[...] a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se essa paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens de seu pai” (ENGELS, 2012, p. 83).

Foi no “[...] processo histórico da humanidade que se colocou a necessidade de criação do Estado nas formas de organização social desde o surgimento da divisão do trabalho e da sociedade de classes” (ENGELS, 2012, p. 270).A função social do Estadofoi alterada para complementar a exploração de uma classe sobre a outra, para a manutenção da ordem da sociedade de classes e seus antagonismos, mesmo com seus conflitos, administrando-os de forma desequilibrada nos interesses de classes.

De acordo com Engels (2012), o setor produtivo europeu do século XVIII passou por grandes transformações com a Revolução Industrial, a qual decorreu a partir dos avanços das técnicas de cultivo e da mecanização das fábricas. Com a maquinaria, houve a possibilidade de aumento na ação produtiva e os preços baixaram ao lado do crescimento do consumo e dos lucros, acumulando capital nas mãos dos donos dos meios de produção.

O autor confere a esta relação, a partir da comparação da força de trabalho a um artigo de comércio como outro qualquer em que o trabalhador necessita vender sua força de trabalho diariamente, o qual é tratado como mercadoria, sujeitando-se ao mercado, retirando- lhe, com a maquinaria e a divisão do trabalho, a sua autonomia e todo atrativo (ENGELS, 2012).

O trabalho, conforme Engels (2012), nesse modo de produção passa a ser monótono, pois o que se exige do trabalhador na relação com a máquina são operações simples, monótonas e mais fáceis de aprender. Sem maiores exigências no manuseio das máquinas, o custo do trabalhador é reduzido à manutenção necessária, quase exclusivamente, à sua existência.

54 Numa relação inversa, à medida que aumentam as horas de trabalho e o próprio trabalho, decresciam os salários. Retira-se a visão do todo na produção do objeto de trabalho, como no caso dos artesãos, agora os trabalhadores são amontoados nas fábricas, em total vigilância, num caráter despótico, que tem o lucro como objetivo de exclusividade. Sem muitas exigências nas habilidades com as máquinas, o trabalho dos homens é suplantando pelo das mulheres e das crianças.

O proletariado, nas suas diferentes fases de desenvolvimento, advindo de vários setores das camadas inferiores da classe média de outrora, os artesãos, os pequenos industriais, pequenos comerciantes, etc, enfim, todos aqueles que, de alguma forma, sentem- se arrebatados pela burguesia, iniciam a sua luta contra essa classe, das mais variadas formas.

Engels (2012), afirma que logo que nasce (o homem), começa a sua luta contra a classe dominante - no caso a burguesia - numa luta em defesa pelos seus salários, e por conta das crises econômicas, tornam-se cada vez mais instáveis, assim como a precarização das condições de vida, com o aperfeiçoamento das máquinas, transformando a luta entre os operários e burgueses, numa luta de classes, desembocando na organização dos operários em associações, o que, historicamente, levou-os, algumas vezes, a triunfar, embora de maneira efêmera, resultando na ampla união dos trabalhadores, o que leva o autor a reconhecer que este é o verdadeiro resultado das lutas.

Marx e Engels (2008) afirmam que o desenvolvimento das relações burguesas é o capital, que se compara ao “[...] feiticeiro que já não pode controlar as potências internas que pôs em movimento com suas palavras mágicas” (MARX E ENGELS, 2008, p. 26). Nestes termos, Marx e Engels (2008) criticam a história da indústria e do comércio, que não é senão a história da revolta das forças produtivas modernas, contra as modernas relações de produção e de propriedade, que a cada crise comercial periódica, ameaça a existência da burguesia. Esta se desenvolve ao lado do desenvolvimento do proletariado, que só poderá viver se tiver trabalho, ao passo que no aumento do trabalho, aumenta o capital, conforme atestam os autores (2008):

[…] cada crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produtivas já desenvolvidas. Uma epidemia, que em qualquer outra época teria parecido um paradoxo, desaba sobre a sociedade - a epidemia da superprodução” (MARX E ENGELS, 2008, p. 26).

55 Conforme Marx (2008), o progresso da indústria – pior que o sistema escravocrata, ou servil, que davam condições genuínas de existência como escravo, ou como partícipe da comuna, não elevou o operário, ao contrário, deixou-lhe cada vez mais abaixo da condição de sua classe e este caiu no pauperismo, “com o acúmulo e a concentração da riqueza em poucas mãos” (MARX, 2008, p. 151). É no processo de acumulação e concentração da riqueza produzida pelo trabalho, apropriada pelos donos dos meios de produção e da força de trabalho, que o aumento da riqueza na sociedade capitalista aumentou em maior proporção do que o tamanho da população. Marx (2008) explica que é desta maneira que é produzido “o empobrecimento das massas de homens livres, aos quais só restavam competir com os escravos ou converter-se em mendigos” (aqui o autor, refere-se à sociedade ateniense) (idem).

Sobre a produção da riqueza, de acordo com Marx (2008, p. 57), esta vem sendo gerada dentro dos moldes da sociedade capitalista, o que, nas palavras do autor, “configura-se em ‘imensa acumulação de mercadorias’, e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma elementar dessa riqueza”.

Nesse sentido, Marx (2008) afirma ainda que a mercadoria satisfaz as necessidades humanas, seja qual for a natureza dessas necessidades,

[...] provenham elas do estômago ou da fantasia, seja direta ou indiretamente, ou seja, é coisa que poderá satisfazer as necessidades humanas ou na forma de objeto de consumo, como meio de subsistência, ou indiretamente, como meio de produção (MARX, 2008, p. 57).

Essas “coisas” são denominadas por Marx de coisas úteis, que por possuir o duplo aspecto - qualitativo e quantitativo - possuem um conjunto de muitas propriedades e podem ser úteis de diferentes modos, que são constituídos de fatos históricos, sendo denominados de “valor-de-uso”. O autor assegura que até aqui, nada é misterioso na mercadoria, sob o aspecto de satisfação das necessidades humanas, com propriedades adquiridas em consequência do trabalho humano (MARX, 2008, p. 58).

É pela sua utilidade, para satisfação das necessidades humanas, que as coisas se constituem como valor-de-uso. Para Marx, esse valor é constituído socialmente, só sendo valor-de-uso pelo consumo, ou utilização da coisa, que só se tornará mercadoria pela determinação das propriedades materialmente inerentes a ela, considerando seu duplo caráter

56 da “[...] quantidade de trabalho empregado para a obtenção de suas qualidades úteis [...] e o pressuposto das quantidades definidas” (MARX, 2008, p. 58).

Dessa forma, o valor-de-uso da mercadoria se constitui pela sua utilidade, entretanto, por maior que seja o número de propriedades nela contidas, esse valor será colocado de lado quando se trata de valores-de-troca. Estes, de início, vão ser revelados pela relação quantitativa entre valores-de-uso de espécies diferentes, e, na proporção que são trocados, mudam-se.

De acordo com Marx (2008), essa troca das mercadorias será uma relação que não poderá demonstrar diferença ou distinção, considerando a igualdade de valor entre elas, pois são coisas que devem apresentar igual valor, pois uma precisa ser tão boa quanto à outra para o valor-de-troca ser igual, apesar de diferir na qualidade da mercadoria enquanto valor-de-uso.

Retomemos a situação econômica da sociedade medieval, em que Smith é citado por Hunt (2005), para demonstrar quando os artesãos passaram a produzir não para seu uso, mas para o mercado, na produção do excedente, passaram a trocar o excedente, embora na acumulação do capital naquele momento histórico, tornou-o estático, dando lucro somente aos senhores feudais e, principalmente, à Igreja.

Numa sociedade em estágio inicial ou rude, “o pré-requisito para qualquer mercadoria ter valor era o trabalho humano” (HUNT, 2005, p. 45), portanto, é “o trabalho o único criador de valor e riquezas”(Idem). O trabalho, na sua visão e no seu tempo histórico, seria o determinante do valor de troca apenas, e tão somente, nas economias iniciais pré- capitalistas, nas quais não havia nem capitalistas, nem proprietários de terra.

Logo, com o surgimento desses dois componentes sociais, “[...] o trabalhador teria que dividir o produto do seu trabalho com o dono do capital, que o emprega, ou com os proprietários de terra [...], que fazem a exigência de um aluguel, colhendo assim um fruto que nunca plantaram” (HUNT, 2005, p. 47)

A burguesia14, nesse ínterim, passou a exigir coisas da aristocracia hereditária através dos parlamentos, exigiu que os nobres passassem a ser trabalhadores produtivos, ao invés de viverem da renda, numa crítica elaborada às classes sociais da época, em que os

14 Smith foi o primeiro a usar o termo “burguesia”, categoria socioeconômica, que vem da forma germânica, ‘burgher’, marcante para os estudos de Marx, que deu-lhe o merecido mérito pelo pioneirismo da sistematização dos estudos acerca da Economia.

57 trabalhadores “produtivos” ganhavam seu sustento, dando um produto líquido à sociedade, enquanto “capitalistas e proprietários repartiam aquele produto líquido entre lucro e renda”, e os “improdutivos”, por sua vez, eram pagos não com capital, mas com renda.

Tem-se, assim, a assertiva de que todas as atividades que produzem mercadorias, produzem valor. O valor pertence ao trabalhador, desde que ele possua os meios de subsistência e produção. Na concepção de Smith (1986), a divisão do trabalho, na manufatura, obriga o trabalhador a produzir, com mais facilidade, a realização de um ofício para o qual não fora educado, pois nessa divisão há uma combinação adequada de diferentes operações.

O operário não opera todas as funções, mas uma específica, que quanto mais elevado o nível de industrialização, quanto mais aperfeiçoada a região, maior a separação do número de mãos para operar diferentes funções. Em algumas destas, o trabalho fora bem mais subdividido e simplificado (SMITH, 1986). Conforme o autor, a divisão do trabalho leva ao aumento da quantidade de trabalho, devido a três circunstâncias:

[…] a primeira de que o aumento da destreza em cada operário face às várias funções para a feitura do alfinete, que são complexas, exige a troca de ferramentas, não se configurando numa operação mais simples. As várias operações em que a feitura de um alfinete, ou de um botão de metal é subdividida são todas elas muito mais simples, e a habilidade da pessoa, cuja vida tenha sido a única ocupação de executá-las, é usualmente muito maior. A rapidez com que algumas das operações desses fabricantes é executada excede o que aqueles que nunca as viram suporiam, o que a mão humana é capaz de adquirir (SMITH, 1986, p. 19-20).

A segunda circunstância é de que há uma redução no tempo para realização do trabalho, e maior concentração do trabalhador, pois o mesmo só terá aquela função a cumprir. Diferente de antes, quando esse trabalhador levaria mais tempo para tramitar de uma função a outra, na produção de um alfinete, por exemplo.

E a terceira circunstância, apresentada por Smith (1986), é demonstrada na forma de como a maquinaria adequada facilita e abrevia o tempo de trabalho. Os homens tendem a descobrir métodos mais fáceis e mais rápidos para realizar funções. Smith (1986) discorre sobre a descoberta, invenções da maquinaria de operários simples, assim como de crianças responsáveis por abrir e fechar alternadamente a comunicação entre a caldeira e o cilindro, conforme o pistão subisse e descesse. Atentou uma das crianças (que disse gostar de brincar com seus companheiros, e não queria perder tempo com o trabalho), que se atasse um cordão da alavanca da válvula, que abria esta comunicação, a outra parte da máquina, a válvula,

58 abriria e fecharia sem sua assistência, deixando-o livre para brincar. Isso desembocou nas primeiras máquinas a vapor (SMITH, 1986, p. 20).

De acordo com Smith (1986), a melhoria das máquinas nem sempre foi pensada por aqueles que a usaram, mas pelos fabricantes de máquinas, que na sua engenhosidade de construí-las, tornou-se uma indústria a parte. O autor assegura que

[…] toda melhoria de máquinas, porém, de modo algum foi invenção só daqueles que tiveram ocasião de usá-las. Muitas vezes, deveu-se à engenhosidade dos fabricantes das máquinas, quando construí-las tornou-se uma indústria a parte, e outras vezes, deveu-se aqueles chamados filósofos, ou homens especulativos, cujo negócio não é fazer algo, mas observar tudo, e que, por esta razão, são amiúde capazes de combinar o poder dos mais distantes e similares objetos (SMITH, 1986, p. 21)

Compreendemos, a partir da citação, que o autor alerta para a divisão do trabalho e tipos de trabalhos que surgem na sociedade em progresso, na qual a filosofia e a especulação tornam-se um negócio e ocupação de uma classe. Assegura também o autor que é da natureza humana a “[...] tendência para comercializar, a de barganhar e trocar uma coisa por outra” (SMITH, 1986, p.22-23), sendo uma tendência que faz parte dos princípios da natureza humana, a consequência natural das faculdades da razão e da fala, não pertencendo a nenhum grupo de seres, a não ser dos humanos. Estes, por meio de contratos usam meios, às vezes, da arte animal de persuasão para levar outros a agirem de acordo com suas inclinações.

Os humanos necessitam, assim, na sociedade civilizada, do auxílio, cooperação e assistência de multidões, sendo sua vida inteira mal o suficiente para obter a amizade de poucos, não devendo esperar essa assistência por benevolência ou humanidade, mas pelo amor próprio do outro em seu favor, assim como sua própria vantagem, conceder-lhe o que se está exigindo (SMITH, 1986).

Smith (1986, p. 23) afirma ainda que

[...] ninguém, senão um pedinte escolhe depender principalmente da generosidade de seus concidadãos, e nem mesmo o mendigo depende dela inteiramente. A caridade de pessoas de boa vontade, realmente, fornece-lhe todo o fundo de sua subsistência. Se bem que este princípio lhe proporcione todas as necessidades da vida de que ele tem precisão, não lhe proporciona no momento em que ele as necessita. A maior parte de suas necessidades esporádicas é suprida da mesma maneira que a das outras pessoas, por acordo, barganha e compra.

No entendimento de Smith (1986), essa relação existe porque os homens necessitam, quase que constantemente, do auxílio uns dos outros, o que não pode ser esperado

59 que se obtenha por benevolência, mas porque essa assistência poderá atender seus interesses próprios, sendo para sua vantagem própria. Nas palavras do autor,

Não é da benevolência do açougueiro, cervejeiro, ou padeiro, que esperamos nosso jantar, mas de sua preocupação por seu próprio interesse. Dirigimo-nos, não à sua humanidade, mas ao seu amor próprio, e nunca lhes falamos de nossas necessidades, mas das vantagens deles (SMITH, 1986, p. 23).

Vale salientar que, de acordo com a análise do autor, é esta mesma disposição comercial que, originalmente, produz a divisão do trabalho. Esta é ocasionada pelo acordo, barganha ou compra, para a obtenção mútua dos ofícios que carecemos, a partir da aptidão, destreza e mais prontidão de cada um, para o desenvolvimento de ofícios específicos, e a parte de cada um, especificamente, trocando, quando numa possível ocasião, o excesso do produto