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As políticas no Brasil e a gestão da pobreza no contexto do PRELAC: uma análise à luz da crítica marxista

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

AS POLÍTICAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL E A GESTÃO DA

POBREZA NO CONTEXTO DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL:

UMA ANÁLISE À LUZ DA CRÍTICA MARXISTA

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ROSÂNGELA RIBEIRO DA SILVA

AS POLÍTICAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL E A GESTÃO DA

POBREZA NO CONTEXTO DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL:

UMA ANÁLISE À LUZ DA CRÍTICA MARXISTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (PPGEB) da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação. Área de Concentração: Educação Brasileira.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria das Dores

Mendes Segundo

Coorientadora: Prof.ª Ph.D. Josefa Jackline

Rabelo

FORTALEZA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará

Biblioteca de Ciências Humanas

S583p Silva, Rosângela Ribeiro.

As políticas socioeducativas no Brasil e a gestão da pobreza no contexto de crise estrutural do capital: uma análise à luz da crítica marxista / Rosângela Ribeiro Silva . – 2015.

217 f. ; 31 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2014.

Área de concentração: Educação brasileira.

Orientação: Profa. Dra. Maria das Dores Mendes Segundo.

1. Capital (Economia). 2. Crise econômica. 3. Educação – América Latina. 4. Educação – Pobreza – América Latina. 5. Educação – Problemas sociais – América Latina. I. Título.

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ROSÂNGELA RIBEIRO DA SILVA

AS POLÍTICAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL E A GESTÃO DA

POBREZA NO CONTEXTO DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL:

uma análise à luz da crítica marxista

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (PPGEB) da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Ceará (UFC), como requisito para obtenção de título de Doutor em Educação. Área de Concentração: Educação Brasileira.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria das Dores

Mendes Segundo

Coorientadora: Prof.ª Ph.D. Josefa Jackline

Rabelo Apresentada em: 18/09/2015

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria das Dores Mendes Segundo (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________ Prof.ª Ph.D. Josefa Jackline Rabelo (Co-Orientadora)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Prof.ª Ph.D. Suzana Vasconcelos Jimenez

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

________________________________________________ Prof.ª Ph.D. Ruth Maria de Paula Gonçalves

Universidade Estadual do Ceará (UECE)

_________________________________________________ Prof.º Dr. Valdemarin Coelho Gomes

Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Betânia Moreira de Moraes

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Dedico essa pesquisa àqueles que acreditam e lutam, incansavelmente, pela superação do

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AGRADECIMENTOS

Expresso o sentimento de gratidão por todos aqueles que contribuíram para a realização desta pesquisa.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (PPGEB) como importante espaço formativo.

Ao Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO), onde desde minha aproximação com esse espaço formativo, em 2003, o real vem sendo desnudado.

À Linha de Pesquisa Marxismo, Educação e Luta de Classes (E-LUTA), que nos proporciona a formação fundamentada na crítica radical do marxismo ontológico, na luta e resistência anticapitalista revolucionária.

Ao coordenador da E-LUTA, prof. Dr. Valdemarin Coelho, o Mário, que com leveza em conduzir as demandas da nossa Linha de Pesquisa, pelo empenho em resolver as pendências burocráticas para a realização dessa defesa de tese, proporcionou-nos valiosas contribuições nas qualificações neste processo e na defesa da nossa Tese.

À minha orientadora, professora Dra. Maria das Dores que, em 2007, espontaneamente indicou os caminhos da pesquisa a ser desenvolvida no mestrado, ao avaliar um painel por mim apresentado na Universidade Federal do Ceará (UFC), atentando-me para os equívocos daquele esforço inicial, sugerindo questões que me levariam a iniciar a construção de uma investigação acadêmica em nível de mestrado. Recordo o amparo nos momentos de exaustão física, no decorrer dos momentos de orientação, chegando a proporcionar um leito, gesto de extrema gentileza e sensibilidade, extensivos a todos os seus familiares e à Toinha, que não deixava faltar o cafezinho e o bolo nos momentos de descontração.

Externo minha gratidão à querida professora Dra. Jackline, que aceitou a coorientação da nossa pesquisa, com a competência e a sensibilidade dedicadas desde os estudos iniciados no mestrado, contribuindo de forma responsável e gentil com nossa formação acadêmica.

Às professoras Ruth de Paula e Betânia Moraes que se prontificaram a estar conosco nesse momento, e suas valorosas contribuições na defesa desta Tese com significativas sugestões.

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6 momento inicial da pesquisa.

Ao querido professor Luís Távora, que prontamente disponibilizou o contato com a obra Geografia da Fome, viabilizando, assim, o acesso aos dados relacionados à fome e à pobreza no Brasil na década de 1960. Grata por sua generosidade.

À professora Susana, a quem tenho imensa admiração e carinho nesses 12 anos de uma relação verdadeira, dando-me as bases para compreender minimamente os fundamentos do marxismo, com muita doçura e rigor. Sou-lhe muito grata por sua dedicação, sensibilidade, atenção e respeito para com nossa pesquisa, desde a graduação, e nossa história, sem deixar escapar o rigor teórico da ontologia marxiana.

Aos amigos queridos Luís Adriano e Zilmar, que estiveram mais próximos, dedicando parte do seu tempo para a compreensão d'O Capital, aos sábados à tarde, após a semana intensa de trabalho, e Ana Paula (esposa de Adriano), que nos proporcionava lanches e cafezinho para mantermo-nos acordados. Além disso, foram generosos ao emprestar obras que foram fundamentais para a realização da pesquisa, em ricos momentos de crescimento acadêmico.

Minha gratidão se estende aos amigos que partilharam momentos importantes de sua vida: Rebeca, seu esposo Tiago junto às queridas Júlia e Marina, Laurinete e seu esposo Otávio, Manuzinha Severino, Fabiano e sua esposa Ana, Samara e Simone, reabastecendo, assim, minha vontade de continuar.

Ao amigo César, que nos últimos anos vem construindo uma relação de amizade e companheirismo, minha gratidão pelas conversas esclarecedoras a respeito do referencial teórico que comungamos, pelo apoio, pelas conversas animadas e agradáveis, regadas a um bom café com cuscuz.

À querida Karine, que se dedicou à leitura do trabalho, disponibilizando, inclusive, textos que muito contribuíram para os esclarecimentos necessários à compreensão do modus operandi das políticas públicas sociais vigentes.

Agradeço também a dedicação, o cuidado e a delicadeza de Leonardo (Léo), que em oito anos de amizade, sempre esteve presente, me apoiando e organizando parte da minha vida, dentro e fora da academia. Grata pelas leituras, pelo livro e textos doados para que eu pudesse fundamentar a pesquisa.

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7 acadêmica, dizendo sempre: “se você desistir, quem será nosso exemplo de pessoa que nascida do interior, conseguiu chegar à universidade? ”.

Aos companheiros de docência das escolas municipais Vicente Fialho, Conselheiro José Batista, ambas em Fortaleza, em especial as professoras Noélia e Cristiane que me substituíam voluntariamente em muitas atividades extra sala, liberando, assim, tempo precioso tão necessário às diversas leituras acadêmicas.

À querida Teresa Buonomo (in memorian), que disponibilizou obras valorosas para este trabalho, pela dedicação e disciplina no grupo de estudos d'O Capital.

Aos meus alunos da Faculdade de Educação, Ciência e Letras do Sertão Central (FECLESC), da Universidade Estadual do Ceará, campus de Quixadá, pela compreensão da minha ausência nestes momentos derradeiros da pesquisa, meu reconhecimento e agradecimentos.

A Adéle, amiga querida que vem se constituindo em uma verdadeira irmã, ajudando inclusive a organizar minha vida profissional, um exemplo vivo de carinho, meiguice, doçura e rigor intelectual;

A minha vizinha e amiga, Ivoneide, pelo apoio e incentivo, sobremodo, pelos cuidados constantes com a minha saúde.

Aos meus queridos sobrinhos Davi, Larissa, Gabriel, Isabele, Alice e Bernardo, que me animam e deixam feliz simplesmente por existirem. A titia ama vocês.

Ao meu amor, David, pela presença constante, apoio, afeto, amizade, carinho e paciência incondicionais, contribuição essencial para minha chegada até este momento de vitória compartilhada.

Aos meus irmãos, Francisco, Paulinho, Filho, Hosana, Rosilene, Renata, Terezinha e Jane pelo afeto, companheirismo e cuidado, a Grande Família; nosso amor e cumplicidade nos mantém firmes nos nossos objetivos.

À minha querida tia Raimunda, que sempre nos atendeu com seus mimos e cuidados, pela paciência e dedicação a nós prestados;

Aos meus amados pais, que tiveram sempre no estudo a grande riqueza que poderiam legar aos filhos, meus sinceros agradecimentos e a dívida eterna pela renúncia em prol da minha felicidade e a dos meus irmãos.

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8 “Um povo, para se cultivar [de forma] espiritualmente mais livre, não pode permanecer na escravidão de suas necessidades corpóreas, não pode continuar a ser servo do seu corpo. Acima de tudo, tem de lhe restar tempo para também criar espiritualmente e fruir espiritualmente”

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RESUMO

A presente pesquisa tem como objeto de estudo a relação entre as políticas socioeducativas atreladas aos programas sociais para a população pobre da América Latina e Caribe, denominada em situação de vulnerabilidade social, e os princípios da Lei dos Pobres do século XVIII. Neste sentido, pretendemos analisar as políticas atuais de gestão da pobreza e da fome sustentadas pelo Programa de Educação para Todos – EPT, tomando como ilustração, o Projeto Regional de Educação da América Latina e Caribe, o PRELAC, implantadas em países ditos em desenvolvimento social, no contexto de crise estrutural do capital. As denominadas Leis dos pobres foram adotadas nos séculos XVI ao XVIII, intrinsecamente articuladas ao processo de reprodução do capital. Para a realização do estudo, recorremos a autores clássicos do marxismo como o próprio Marx (1995; 2008); Marx e Engels (2008); Engels (2012), assim como, a intérpretes contemporâneos do marxismo, fundamentados rigorosamente no marxismo ontológico, como Lukács (1979; 2013); Mészáros (1997, 2011ª, 2011b); e, na esteira destes, às análises de Lessa (2012), Tonet (2005), Pimentel (2007, 2012), Rabelo, Mendes Segundo, Jimenez e Do Carmo (2012), Mendes Segundo (2007), Paniago (2012), dentre outros, no intuito de contribuir para o desvelamento das mediações políticas articuladas ao processo ampliado de reprodução do capital para a chamada população em situação de vulnerabilidade social.

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RESUMEN

Esta investigación tiene como objeto de estudio la relación entre las políticas sociales y educativas vinculadas a los programas sociales para la población pobre de la América Latina y el Caribe, señalada en situación de vulnerabilidad social y los principios de la Ley de los Pobres del siglo XVIII. En este sentido, tenemos la intención de analizar las políticas actuales de gestión de la pobreza y el hambre sostenida por el Programa de Educación para Todos - EPT, tomando como ilustración, el Proyecto Regional de Educación de la América Latina y el Caribe, el PRELAC, establecida en los países en desarrollo social, en el contexto de crisis estructural del capital. Las llamadas Leyes de los pobres fueron adoptadas en los siglos XVI al XVIII, intrínsecamente articuladas en lo proceso de reproducción del capital. Para la realización del estudio, recorremos a los autores clásicos del marxismo, como el propio Marx (1995; 2008); Marx y Engels (2008); Engels (2012), así como a los intérpretes contemporáneos del marxismo, basados estrictamente en lo marxismo ontológico, como Lukács (1979; 2013); Mészáros (1997 2011a, 2011b); y fundamentados en estes, el análisis de Lessa (2012), Tonet (2005), Pimentel (2007, 2012), Rabelo, Mendes Segundo, Jimenez y Do Carmo (2012), Mendes Segundo (2007), Paniago (2012) entre otros, en consideración de contribuir a una mejor comprensión de las mediaciones políticas articuladas el proceso ampliado de reproducción del capital para la llamada población en situación de vulnerabilidad social.

Palabras clave: Educación; Ley de los pobres; Políticas sociales y educativas; Crisis de

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ABSTRACT

This research has as object of study the relationship between social and educational policies linked to social programs for the poor in Latin America and the Caribbean, denominated in socially vulnerable, and the principles of the Poor Law of the eighteenth century. We intend to analyze the current political management of poverty and hunger sustained by the Education for All program - EFA, taking as an illustration, the Regional Education Project for Latin America and the Caribbean, PRELAC, established in those countries in social development in the context of structural crisis of capital. The so-called Laws of the poor were adopted in the sixteenth to the eighteenth centuries, intrinsically articulated to the capital reproduction process. For the study, we used the classic Marxist authors such as Marx (1995; 2008); Marx and Engels (2008); Engels (2012), as well as contemporary interpreters of Marxism, based strictly on the ontological Marxism, as Lukács (1979; 2013); Mészáros (1997, 2011a, 2011b); and following these, the analysis of Lessa (2012), Tonet (2005), Pimentel (2007, 2012), Rabelo, Mendes Second, Jimenez and Do Carmo (2012), Mendes Second (2007), Paniago (2012), among others, in order to contribute to better understand the political mediations articulated the extended process of reproduction of capital for the people in socially vulnerable.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe CEPI – Cuidados e Educação na Primeira Infância

ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente EDS – Educación para el Desarrollo Sostenible EPT – Educação para Todos

EPU – Educação Primária Universal

FUNDEB – Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

IDHM – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal IFCE – Instituto Federal do Ceará

IPEA – Instituto de Pesquisa Aplicada IPH – Índice de Pobreza Humana

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT – Organização Internacional do Trabalhos

ONU – Organização das Nações Unidas

OREAL – Oficina Regional de Educação da América Latina e Caribe

OXFAM – Oxford Committe for Famine Relief (Comitê de Oxford de Combate à Fome) P-900 - Programa de 900 Escolas do Chile

PAIC – Programa de Alfabetização na Idade Certa PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPE – Projeto Principal de Educação

PRELAC – Projeto Regional de Educação da América Latina e Caribe PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores

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13 REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades

SAEB – Sistema de Avaliação da Educação Básica

SNCAE – Sistema Nacional de Certificación Ambiental de Estabelecimientos Educacionales SPAECE – Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará

TACRO – Regional Office for Latin America and the Caribbean (Escritório Regional da Unicef para a América Latina e Caribe)

TERCE – Tercer Estudio Regional Comparativo y Explicativo TIMSS - Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciências

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14 SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 AS PREMISSAS E OS ANTECENDENTES HISTÓRICOS DAS LEIS DOS POBRES ... 24

2.1 Contextualização histórica da denominada Lei dos Pobres: origem, desenvolvimento e função social ... 26

2.2 O trabalho como fonte de produção da riqueza e da pobreza ... 36

2.3 A Revolução Industrial, a Lei dos Pobres e o estado capitalista... 49

2.4 As premissas da lei do mercado e as leis dos pobres... 73

2.4.1 Breves Considerações acerca do “Exército Industrial de Reserva” como fundamento do paupeurismo ... 91

3 A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E A GESTÃO DA POBREZA: AS “LEIS DE POBRES” (RE) CONFIGURADAS EM POLÍTICAS SOCIOEDUCATIVAS ... 111

3.1 A política de gestão da pobreza no contexto de crise estrutural do capital ... 112

3.2 Da geografia da fome de Josué de Castro aos programas socioeducativos de combate a pobreza no Brasil: elementos de contextualização da fome como expressão da miséria social ... 132

3.2.1 Concepções e práticas no contexto da relação Estado e mercado: as políticas do Welfare State ... 149

3.2.1.1. O Estado e a gestão das políticas assistenciais para a população pobre em prol do mercado em crise ... 149

4 AS POLÍTICAS SOCIOEDUCATIVAS NO ATENDIMENTO À POPULAÇÃO EM VULNERABILIDADE SOCIAL: O PRELAC EM QUESTÃO ... 171

4.1 O PRELAC e as recomendações do Programa de Educação para Todos: breve histórico ... 175

4.2 Educação do PRELAC e os programas e ações de EPT como política de gestão da pobreza... 190

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 217

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende dar continuidade às investigações iniciadas no Mestrado em Educação1, o qual foi desenvolvido junto à Linha de Pesquisa Marxismo, Educação e Luta de Classes – E-LUTA – vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (PPGEB) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Cabe ressaltar, a título de informação, que a referida pesquisa foi realizada em parceria com o Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário (IMO), por meio do qual buscamos situar a educação no processo de reprodução do capital, bem como analisar a política de atendimento aos adolescentes em vulnerabilidade social, evidenciando os rebatimentos da crise estrutural do capital no “fortalecimento” dos projetos socioeducativos para sua manutenção, devidamente referendados pelos organismos de defesa do sistema capitalista, a exemplo do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

Como feito na pesquisa antes mencionada, sustentamos nossa crítica na ontologia de Marx, recuperada por Lukács, naquele momento discutida a articulação da atual política de atendimento e assistência socioeducacional à classe trabalhadora em situação de risco no Brasil, oportunidade na qual contextualizamos o conceito de vulnerabilidade social empregado pela Unesco e as estratégias de inclusão social, especificamente do adolescente socialmente vulnerável presente nas referidas diretrizes educativas.

Avaliamos, na pesquisa do mestrado, que, historicamente, a política de assistência socioeducativa no Brasil à classe trabalhadora e aos filhos desta em situação de vulnerabilidade social, bem como à população em situação de extrema pobreza e miséria, está intrinsecamente articulada ao processo ampliado de reprodução do capital, no contexto de sua crise estrutural (MÉSZÁROS, 2000) e cumpre diretrizes político-legais determinadas por Organismos Internacionais, como o Banco Mundial e a UNESCO.

A essência de tais indagações feitas no trabalho de dissertação e a continuidade da investigação, agora no doutorado, impulsionam-nos à necessidade de ampliar o objeto antes

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16 investigado. Nesse sentido, a partir da perspectiva da ontologia marxiana, que concebe o trabalho como o ato fundante do ser social, partimos do pressuposto de que a situação de pobreza é inerente ao acúmulo da geração das riquezas, apropriadas pelo capital, que, representada pelos organismos internacionais, classificam os vulneráveis sociais - apoiados em noções normativas e econômicas, teorias, leis e políticas públicas destinadas a segmentos sociais avaliados – como excluídos ou à margem do grande mercado.

Outrossim, afirmamos que as políticas atuais de contenção da pobreza ou vulnerabilidade social implantadas em países ditos em desenvolvimento social, ora, em crise estrutural, tem suas raízes nas Leis dos pobres adotadas nos séculos XVI, XVII e XVIII (PIMENTEL, 2012), que, na visão de autores como Polanyi (2000), mesmo que não utilizem como alicerce para suas análises o fundamento da crítica marxiana radical, criticam as Leis dos Pobres como leis que rebaixaram o nível de respeito do homem comum por si próprio, afirmando que os pobres preferiam a assistência advinda de impostos ao salário.

Nesse sentido, definimos como objetivo geral analisar o escopo dos programas sociais de gestão da pobreza no contexto de crise estrutural do capital, evidenciando seus desdobramentos na implantação de estratégias socioeducativas destinadas à classe trabalhadora, com destaque para o movimento de Educação Para Todos (EPT), trazendo como ilustração o Projeto para Educação da América Latina e Caribe (PRELAC).

Apontamos como objetivos específicos identificar e analisar a gênese e o desenvolvimento das políticas sociais e públicas destinadas a gestão da pobreza no processo de consolidação do modo de produção capitalista; revisar os princípios da Lei dos Pobres do século XVIII adotados nos primórdios da Revolução Industrial da Inglaterra; examinar, com maior detalhamento, as políticas compensatórias destinadas a contenção da “vulnerabilidade social” utilizadas na contemporaneidade pelos representantes do capital para construção de indicadores sociais que delimitam a chamada “linha da pobreza”2 no Brasil e seu desdobramento na implementação das políticas socioeducativas aos trabalhadores; analisar o processo de reconfiguração da chamada ‘Lei dos Pobres’ no capitalismo contemporâneo, examinando, de maneira especial, o Projeto para Educação da América Latina e Caribe (PRELAC), na promoção das políticas socioeducativas de ‘alivio à pobreza’, e de “sustentabilidade ambiental” no contexto de ajuste às leis do mercado.

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17 Nesse sentido, perquirimos identificar, dentro de uma perspectiva marxista, as diversas teorizações da problemática da pobreza ao longo da história do capitalismo e suas reconfigurações político-ideológicas no atual processo de acumulação ampliada do capital. A relevância do estudo em questão encontra-se no entendimento de que se faz necessário desvelar, no aparente discurso da “inclusão social” e da redução da pobreza extrema, a sustentação, a qualquer custo, do modelo de sociabilidade capitalista que, por meio de diversas ações, tem utilizado as mais variadas estratégias para a manutenção de seu processo de exploração da classe trabalhadora.

Nossa proposta de pesquisa adota como foco da análise, dentro da perspectiva já mencionada, ir à raiz das políticas socioeducativas, revisitando, historicamente, os princípios das Leis dos Pobres dos séculos XVI, XVII e XVIII. Adotamos este referencial por entender que o mesmo nos permite compreender, com maior clareza, o desvelamento dos atuais discursos sobre a inclusão social, no aspecto da sua legitimidade, de adolescentes e jovens, bem como à classe trabalhadora em situação de extrema pobreza das periferias dos grandes centros urbanos, no que se refere à formação limitada desta classe destinada ao fornecimento da mão de obra produtiva do Estado, e aquela parcela que irá constituir o “exército industrial de reserva” do grande capital.

A pobreza tem sua base “essencialmente econômica”, resultante do processo de acumulação do capital, que gera a miséria da classe trabalhadora na medida em que produz mais-valia (MARX, 2008). Ou seja, em termos marxiano-ontológicos, os reais determinantes dessas problemáticas, como a miséria extrema e a violência são manifestações das contradições sociais próprias da sociedade de classes, sendo, portanto, necessárias e operativas ao processo de acumulação e expansão do capital.

A partir dessas reflexões, pretendemos evidenciar questões que se colocam no debate acerca da política de “inclusão social” como estratégia para a superação da pobreza ou da miséria extrema e da violência, sob o comando político-ideológico dos organismos internacionais do grande capital, como o Banco Mundial, Unesco, Comissão Econômica Para América Latina e Caribe (CEPAL), dentre outros, operadas sobre a base do discurso da inclusão social de crianças, jovens e adolescentes, via instituições escolares, sociais e comunitárias, mediante a implantação de políticas e ações compensatórias.

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18 considerando sua historicidade e materialidade, o que nos permitiu apreendê-lo próximo de sua totalidade, mediante o exercício de revisão, interpretação e reconstrução analítica das obras de autores fundamentados rigorosamente no legado marxiano-lukacsiano, bem como em autores marxistas, com o objetivo de apreender e explicitar a lógica interna do nosso objeto de investigação.

Nesse escopo, realizamos uma pesquisa de cunho teórico-bibliográfico, na qual revisitamos o arcabouço categorial que está na base das relações onto-históricas entre trabalho, educação e reprodução social, por entendermos que a apreensão de qualquer objeto à luz da ontologia do ser social só se fará possível na apreensão das relações complexas que perpassam a realidade social, aí incluída a essência do próprio ser que se constitui na particularidade do método em Marx: apreender a parte no conjunto da rica e complexa totalidade social.

Para tanto, recorremos à fonte de onde emana a própria ontologia do ser social, com a obra O capital, Crítica da Economia Política, (Tomo I, de Karl Marx), especificamente os capítulos I, “A Mercadoria”; capítulo V, “Processo de Trabalho e processo de produzir mais-valia”; capítulo VIII, “A jornada de trabalho”; Tomo II, O Capital, capítulo XXIII, “A Lei Geral da Acumulação Capitalista”); além do autor Gyorgÿ Lukács em suas obras

Ontologia do Ser Social I: Os Princípios Ontológicos Fundamentais de Marx, 1979; e

Ontologia do Ser Social II, o Capítulo I, “O Trabalho”, somada ainda, a revisita das obras de

Mészáros em seu Para Além do Capital (2011) capítulo 14, sobre a Produção de Riqueza e Riqueza da Produção; Ir Além do Capital (1997); Crise Estrutural necessita de Mudanças Estruturais (2011), as quais apoiamo-nos na análise crítica da crise do sistema sociometabólico do capital, rastreando os conceitos de riqueza e de pobreza, para assim, contextualizar as políticas públicas destinadas ao “alivio da pobreza”.

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19 Revisitamos obras de autores contemporâneos do marxismo ontológico como Tonet (2004; 2005), Lessa (2012), Jimenez, Rabelo e Mendes Segundo (2005; 2007; 2009; 2012), Paniago (2012), Pimentel (2007; 2012), Bertoldo (2007), dentre outros, que nos deram base para o entendimento da relação pobreza, educação e inclusão como fenômenos necessários à essência da expansão e acumulação do capital.

Para a contextualizar o estudo sobre as contradições criadas com a produção de riqueza na sociedade capitalista, que necessariamente à expansão e manutenção do capital com a criação da pobreza, revisamos obras clássicas3 como A História do Pensamento

Econômico: uma perspectiva crítica, de Emery Key Hunt (2005); recorremos ainda às

concepções de Malthus (1983) expostas na obra Ensaio sobre a População; o Livro I, da

Riqueza das Nações, de Adam Smith, sob o título “Das Causas do Aumento das Forças

Produtivas do Trabalho e da Ordem Segundo a qual seu Produto é Naturalmente Distribuído Sobre as Diversas Categorias do Povo” (1986); Karl Polanyi com a obra A Grande

Transformação (2012); Josué de Castro, com as obras Geografia da Fome, Volume I (1961); e

Geopolítica da Fome (1965).

O rastreamento da temática das políticas socioeducativas na América Latina e Caribe foi percorrido mediante o exame de documentos oficiais da UNESCO e do Banco Mundial, quais sejam: Declaração de Havana (2002); Reunión Ministerial/Educación para

Todos en América Latina y el Caribe: Balance y Desafíos Post-2015" (2014); El Proyecto

Regional de Educación para América Latina y el Caribe (EPT/PRELAC) ; Oficina Regional

de Educação para a América Latina e Caribe (OREAL/UNESCO, 2013), com acento maior

aos resultantes do Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe, o PRELAC, dentre alguns Relatórios de Monitoramento Global de EPT, inclusive o Relatório de avaliação de EPT 2015.

Justificamos a seleção destes documentos como material submetido ao nosso exame crítico, pois é visivelmente abordado no PRELAC, que expressam o conjunto de ações e de metas traçadas na Conferência Mundial de Educação, nos anos 1990, em Jomtien – com o objetivo de atender às necessidades básicas de aprendizagem, universalizar o ensino básico e reduzir a pobreza extrema – e estes não apresentaram os resultados esperados e divulgados

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20 nos documentos da Unesco e do Banco Mundial, como a Revista PRELAC, Ano 1, Número 0, divulgada em 2004.

No segundo capítulo intitulado “As premissas e os antecedentes históricos das Leis dos Pobres”, demonstramos, brevemente, a gestão da pobreza desde as protoformas das políticas sociais nos séculos XVI e XVII, aos estatutos e sistema de proteção social aos pobres, mediados pelas leis dos pobres, através do sistema Speenhamland, dentre Atos e Estatutos Elisabetanos na Inglaterra.

No primeiro subitem do segundo capítulo retomamos os elementos históricos sobre a relação de trabalho entre os camponeses e os senhores de terras no período feudal, para então demonstrar as relações de produção naquele período, a caracterização da riqueza no feudalismo, bem como a concepção de riqueza e de pobreza na visão de alguns teóricos que influenciaram a sociedade no período do capitalismo nascente e suas estratégias de organização através de leis de Proteção Social, tanto na sua forma inicial, pela Igreja, quanto na forma mais madura, pela intervenção do Estado para a expansão e acumulação do capital no processo de industrialização da Inglaterra.

Demonstramos as Leis dos pobres antes de sua institucionalização, bem como a sua atuação na Europa. A Igreja atuava como executora da ação de assistência aos pobres no sistema feudal, com ajuda dos cristãos que, em boas condições econômicas - os nobres ou reis - queriam “estar ao lado de Deus” aqui na terra (HUBERMAN, 1986, p. 13). As leis dos pobres, desde 1536 até sua reforma dos anos de 18004, especificamente, o Sistema Speenhamland, nada mais foram do que paliativos para o alívio da pobreza antes mesmo da ascensão do capitalismo (POLANYI, 2000, p. 93).

Percebemos, no desenvolvimento do segundo subitem, inicialmente, o processo de produção na relação senhorial do feudalismo, quando o capital ainda era menos desenvolvido (HUBERMAN, 1986), na produção para as necessidades mais imediatas para o consumo, sem a existência, ainda, do excedente, até à familiarização do dinheiro na divisão entre o campo e a cidade, e o “aparecimento” da indústria e do comércio. Foi o período que o trabalhador foi

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21 levado a acreditar que estava “livre” para comercializar sua força de trabalho, embora as vantagens dessa relação de produção sempre tenha sido para a classe dos possuidores, dos donos dos meios de produção, baseadas em situações injustas e de exploração à classe trabalhadora.

Nos dois subitens seguintes, demonstramos o Sistema de Proteção Social, pelas Leis dos Pobres, dos anos de 1536 a 1814, com a Reforma da Lei dos Pobres, antes e com o surgimento do capitalismo, e o Estado como gestor da pobreza pelas políticas sociais, além da lei do mercado. A garantia do padrão mínimo de vida dos trabalhadores e não trabalhadores pobres esteve longe de cumprir os seus propósitos, ao contrário, degradaram a vida humana, atuando como paliativos, e somente fizeram retardar a presença do mercado de trabalho competitivo (POLANYI, 2000).

Nos subitens seguintes, apoiamo-nos, especificamente, nas obras de Marx, no Volume I d'O Capital, principalmente nos capítulos da Mercadoria, bem como na Jornada de Trabalho, e no Volume II, sobre A Lei Geral da Acumulação Capitalista, para exposição das análises do autor sobre a forma como o capital, ao mesmo tempo, produz a riqueza e se expande, produz em abundância no mesmo processo de produção da massa de pobres laboriosos, da pobreza redundante e do pauperismo.

Os estudos de Marx deram-nos a possibilidade da compreensão de que o resultado essencial para a acumulação capitalista é a produção do pauperismo (MARX, 1995; PIMENTEL, 2007). O processo de acumulação e ampliação do capital produz o chamado “exército industrial de reserva”, que é a força de trabalho que está sempre disponível ao capital pela intervenção do Estado, através das políticas sociais.

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22 São medidas, observadas post festum, no mínimo, equivocadas, e, conforme Mészáros, não resolverão os problemas da fome, da miséria, mas atuarão somente como “remédios” na pacificação das massas, como verificamos nos subitens seguintes que tratam das políticas sociais de atendimento ao trabalhador, no período de expansão do capital, no Estado de Bem-Estar Social, a política do Welfare State nos países onde a “revolução burguesa” em algum momento histórico foi possível de ser realizada (TONET, 2003), bem como no seu declínio, as atuais políticas socioeducativas para os países subdesenvolvidos.

O primeiro subitem do terceiro capítulo revela as contribuições de Josué de Castro, o qual demonstra os níveis de insuficiência alimentar no Brasil e as consequências trágicas do modo de produção do capital, que produz a miséria, a morte pela fome, além das doenças causadas pela desnutrição. A partir dessa discussão, trazemos, no subitem seguinte, as estratégias de proteção social arquitetadas pelo Estado através dos programas de transferência de renda, dentre os quais, destaca-se no Brasil, e é tomado como referência a outros países pobres, o Programa Bolsa Família, via educação, às famílias com renda per capita de R$ 150,00 mensais.

São programas destinados à população dita em “vulnerabilidade social”, ou seja, a classe trabalhadora, no patamar de pobreza e extrema pobreza, e também àqueles fora do mercado de trabalho, que constituem ou não o “exército industrial de reserva”, como necessidade que o capital cria para sua existência. Os projetos socioeducativos implementados nas escolas públicas configuram-se nas ações de formar o indivíduo para a chamada e propalada “cultura da paz”, evitando conflitos sociais e para a formação do capital humano, no atendimento ao mercado em crise.

No quarto capítulo aprofundamos a análise dos princípios que regem as diretrizes das políticas socioeducativas através de objetivos e metas traçados para a população pobre elaboradas pelo movimento de Educação Para Todos, especificamente para a classe trabalhadora latino-americana. Como ilustração dessas políticas, um projeto, em particular, o Projeto Regional para a Educação da América Latina e Caribe, o PRELAC, expressa de forma clara o deslocamento das políticas sociais para as socioeducacionais, com a pretensão clara de combate à fome e à pobreza via educação.

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2 AS PREMISSAS E OS ANTECENDENTES HISTÓRICOS DAS LEIS DOS

POBRES

Neste capítulo demonstramos historicamente a gestão da pobreza desde as primeiras formas de políticas sociais do século XVI ao século XVIII, mediadas, especificamente, pelas Leis dos Pobres da Inglaterra.

Para tanto, situamos as análises de Huberman (1986), Hobsbawn (2010), Ponce (2010) e Hunt (2005), para uma compreensão da história do pensamento econômico das teorias do capitalismo, desde seu surgimento e os desdobramentos na vida humana, bem como sobre a forma como a sociedade do século XVIII enfrentou o problema da fome e da pobreza. Trazemos à tona a reflexão da concepção da gênese da riqueza e da pobreza e de como estas vêm sendo produzidas ao longo da história, expondo as contribuições de autores à luz da ontologia marxiana como o próprio Marx (2008), Lukács (2012; 2013) e autores contemporâneos afinados com a crítica marxiana-luckasiana, como Mészáros (2000; 2002), no sentido de compreendermos esse fenômeno social produzido historicamente. A sociedade contemporânea capitalista vem tornando-se cada vez mais complexo e de forma desvelada, crítica e histórica, o que nos remete à compreensão de que é necessário sair da visão fragmentada que se tem do mundo, ou dito de outra forma, do senso comum.

Ressaltamos que, embora não estejam inseridos na perspectiva do marxismo ontológico, Huberman (1986) e Ponce (2010) contribuem com a demonstração de como a apropriação da riqueza na sociedade escravista, assim como na sociedade feudal, medieval, submeteu o trabalhador à condição de explorado, tanto o escravo, quanto o servo ao seu senhor, nas respectivas formas sociais de produção, acumulando riqueza, pelo trabalho, para tão somente a classe de proprietários que se apropriaram de grandes extensões de terra. A submissão desse homem feudal está atrelada à Igreja, cuja tarefa de cumprir a “missão” de ajudar aos pobres, através da doação de 10% de sua renda ao dízimo doado, reforçava a condição de servo e pobre.

A acumulação de riquezas na concepção defendida por Malthus5, enquanto

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25 economista defensor dos proprietários de terras, os ricos, assenta-se na defesa da lei da propriedade como lei natural, naturalizando, dessa forma, a divisão de classes, em que uma destas ficaria com as propriedades do capital e da terra, e à outra, a classe trabalhadora, restaria a força de trabalho. Para Malthus (1983), todos deveriam aceitar o “seu destino natural” e, qualquer tentativa de tentar eliminar essa relação de sustento da riqueza de uns às custas do trabalho opressor de outros, tornaria a situação pior, pois, de acordo com a concepção liberal, os homens de negócios, que detém conhecimentos e riquezas, eram os responsáveis de ajudar financeiramente os pobres.

O homem pobre, para Malthus (1983), é um ser que não poderia receber um salário maior pelo seu trabalho, pois o mesmo não saberia gastá-lo com “coisas” úteis, ou seja, dilaceraria os seus recursos em vícios, uma vez que possui forte desejo sexual, propenso a aumentar a família e reproduzir, portanto, mais pobres. Como liberal, Malthus era contra a intervenção do Estado na economia, mediante políticas sociais para amenizar a pobreza. Alegava que esta população pobre era responsável pela sua própria condição de pobreza, daí ter proposto dois mecanismos de contenção do crescimento da população.

O primeiro mecanismo para tal contenção estaria na prevenção, que incentivaria o controle de natalidade; o segundo mecanismo - o positivo - propunha o incremento de mortalidade. Malthus insistia que a culpa da pobreza era dos próprios trabalhadores, que tinham filhos em excesso, e nada faziam para isso conter. Daí o ofensivo combate às políticas paternalistas (assistenciais), destinadas a remediar a situação de miséria da classe trabalhadora.

Malthus considerava ainda extremamente nociva a retirada do patrimônio dos ricos, via impostos, para doá-los aos pobres, haja vista que atribuía aos homens de negócios, os únicos responsáveis pelo desenvolvimento e realizações culturais e científicas da sociedade. Na visão deste autor, os homens de negócios eram a parte da população que realizava o “trabalho produtivo”. Acrescentava, ainda, que os homens inferiores, ou seja, os pobres, eram aqueles que estavam à margem da sociedade e, que, como bons cristãos deveriam aceitar a miséria, bem como as esmolas doadas pelos ricos com resignação.

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26 A análise de Marx sobre a produção de riqueza na sociedade capitalista, é resultado da apropriação do produto do trabalho alheio pelos capitalistas, donos dos meios de produção, na acumulação do excedente da produção. O homem, em Marx, é um ser social, que pelo e no trabalho se fez gênero humano, superando as esferas orgânica e inorgânica, nunca de forma absoluta. O homem pode realizar, pelo trabalho, aquilo que estava em sua mente, projetada antes mesmo de ser objetivada, de acordo com as possibilidades que lhe são dadas, buscando as respostas aos seus carecimentos. Destes, ao serem respondidos, surgirão outras perguntas, outras necessidades serão postas ao homem, exigindo, assim, novas respostas.

A condição de existência do homem, de acordo com a teoria marxiana-lukacsiana, dá-se pelo trabalho, em relação com a teleologia, que cria valor de uso, produzindo e reproduzindo a sua existência, na produção do novo. Esse aspecto torna o homem diferente de todos os animais, que ao agir sobre a natureza, a faz adaptar-se a si, modificando o meio e a si mesmo. Nessa perspectiva, a objetivação, que cria novas situações e novas possibilidades, não faz desaparecer a natureza que antes já existia.

Marx analisa as condições de existência do homem, que é capaz de modificar a natureza e a si próprio, mas especificamente o homem da sociedade de classes, quando, em meio ao início do processo de industrialização na Inglaterra, o trabalho sob a lógica do capital passou a viver em condições subumanas no que diz respeito à moradia, saúde, alimentação, num chamado progresso que não acompanhou a chegada de parte da população, vinda do campo para a cidade, em busca de emprego, de melhores condições de trabalho e de moradia.

A situação deplorável do homem pobre, no processo de industrialização da Inglaterra, levou-o, dentre outras situações, a organizar-se em sindicatos, como forma de proteção aos seus interesses coletivos, resultando em acordos, e em leis que somente aliviam a situação de opressão e pobreza.

2.1 Contextualização histórica da denominada Lei dos Pobres: origem, desenvolvimento e função social

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27 (2010), dentre outros, os quais estarão presentes nesse texto por oferecer-nos o entendimento da produção da pobreza, em condições limitadas da existência humana, no contexto das relações de produção na sociedade feudal, consideramos importante aqui expor, brevemente, as contribuições de Engels (2012) acerca da relação de produção no estágio primitivo. O autor afirma que a produção nos estágios anteriores da sociedade, “[...] era essencialmente coletiva e o consumo se realizava, também, sob um regime de distribuição direta dos produtos, no seio de pequenas ou grandes coletividades comunistas” (ENGELS, 2012, p. 218).

De acordo com Engels (2012), “[...] a produção era levada a cabo dentro dos mais estreitos limites, mas, ao mesmo tempo, os produtores eram senhores de seu processo de produção e de seus produtos” (2012, p. 218). O que postula a compreensão de que os produtores, nesse estágio da sociedade, sabiam, compreendiam e participavam de todo o processo da produção, pois

[…] sabiam o que era feito do produto: consumiam-no, ele não saía de suas mãos. E, enquanto a produção se realizou sobre essa base, não pôde sobrepor-se aos produtores, nem fazer surgir diante deles o espectro de poderes alienados, como sucede, regular e inevitavelmente, na civilização (ENGELS, 2012, p. 218-219).

Engels (2012) aponta que, no avanço do processo de produção, na fase civilizatória da sociedade primitiva, ocorre a necessidade da divisão do trabalho, minando a produção e a apropriação em comum. O autor destaca que nesse contexto, “[...] erigiu em regra a apropriação individual, criando, assim, a troca entre indivíduos e, pouco a pouco, a produção mercantil tornou-se dominante” (ENGELS, 2012, p. 219).

Foi com a atividade mercantil que o produtor, ao se separar do produto da sua produção, não sabia mais o que seria feito do mesmo, pois não se produzia mais para o consumo pessoal e sim para a troca. Engels (2012, p. 219) destaca que “os produtos passavam necessariamente de umas mãos para outras mãos”, e enfatiza a incerteza do destino final dos produtos, afinal, haviam mais dois personagens no sistema de troca, quais sejam: o dinheiro e o comerciante. Os produtores deixaram, a partir de então, de ser os “senhores da produção total das condições de sua própria vida, e tampouco os comerciantes chegaram a sê-lo. Produtos e produtores são entregues ao acaso” (Idem, ibid.).

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28 passo do que é certo para a natureza, também o é para a sociedade. Ou seja, nas palavras de Engels (2012, p. 219), “quanto mais uma atividade social, uma série de processos sociais, escapam do controle consciente do homem, quanto mais parecem abandonados ao puro acaso, tanto mais as leis próprias, imanentes, do dito acaso se manifestam como uma necessidade natural”.

Nesse sentido, Engels (2012) ainda declara que as leis econômicas de produção mercantil “modificaram-se de acordo com os diversos graus de desenvolvimento dessa forma de produção, contudo, todo o período da civilização, em geral, está regido por elas” (2012, p. 219). O autor assevera que são as leis cegas que regulam “a produção social com a força dos elementos, em última instância nas tempestades dos períodos de crise comercial” (idem). O autor supracitado analisa o período como aquele responsável pelas melhores condições para o desenvolvimento tanto da produção, quanto da força de trabalho do homem que

[…] se tornou apta para produzir consideravelmente mais do que era preciso para a manutenção do produtor, e com essa fase do desenvolvimento é, no essencial, a mesma que nasceram a divisão do trabalho e a troca entre indivíduos. Não se demorou muito a descobrir a grande 'verdade' de que também o homem podia servir de mercadoria, de que a força de trabalho do homem podia chegar a ser objeto de troca e consumo, desde que o homem se transformasse em escravo. Mal os homens tinham descoberto a troca e começaram logo a ser trocados, eles próprios. O ativo se transforma em passivo, independentemente da vontade humana (ENGELS, 2012, p. 220)

Dessa forma, outro estágio de produção foi surgindo, o escravismo, que tinha a concepção de que o trabalho era uma ocupação própria dos escravos, desprezando também aquele que o realizava, colocando-o debaixo das suas ordens, o patrão passou a dominar essa relação pelo terror, através de um liberto ou escravo de confiança, para a contínua produção na agricultura em Roma e Grécia antiga, conforme relata Ponce (2010).

A luta pela humanidade nas sociedades escravistas, conforme os escritos de Lessa e Tonet (2008), é demonstrada quando os autores expõem sobre a relação dos escravos e senhores, numa rebeldia contra a produtividade, que não lhes interessava, especialmente, pelo fato de toda a produção pertencer somente aos senhores de escravos.

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29 escravos, quando se rebelaram “contra as tarefas que lhes eram impostas (…) praticamente não ocorreu o desenvolvimento da técnica e dos métodos de organização” (2008, p. 59). A forma do aumento da riqueza nessa relação deu-se no aumento do número de escravos, possibilitando a chamada “conquista” de novos impérios, dos quais retiravam os escravos que necessitavam.

Nas sublevações dos escravos, Ponce (2010) afirma que era criada uma lei que “recomendava melhor tratamento aos escravos”, mas nosso tempo histórico no caminho dessa pesquisa não nos deu as condições necessárias para fazermos o devido percurso dessa trilha histórica, a fim de adentrarmos no período a seguir, qual seja, a sociedade feudal. É importante dizer que para o rendimento do trabalho, os donos das terras reconheceram que entregar aparelhos complicados e técnicos nas mãos de escravos, que trabalhavam com rancor, assim como trabalhar com instrumentos rudimentares para a fertilização da terra, e trabalhar a fundo o mineral, ou a conduta de maus tratos aos homens escravos que trabalhavam, não haveria boa produção, nem em quantidades apreciáveis.

Para tanto, os senhores da terra começaram a premiar os escravos que apresentavam melhor rendimento no trabalho, assim como a buscar “uma nova educação”, o que nos remete ao entendimento de que se buscava, pela instrução elementar de artes e ofícios, a qualidade do trabalho (PONCE, 2010).

Lessa e Tonet (2008) ressaltam os problemas ocasionados pelo aumento do número de escravos, até tornar-se uma ameaça ao senhor, os quais acreditavam que, numa possível revolta, não haveria senhores suficientes para defenderem-se, necessitando assim da contratação de soldados, levando os senhores à manutenção das altas despesas dos exércitos, e exigindo, por sua vez, a contratação de pessoas para o recolhimento de taxas anuais, bem como administrar esse dinheiro das taxas de forma a manter os exércitos. Dessa forma, cria-se o Direito para “regular antagonismos entre senhores e escravos (…) propriedade privada, Estado e Direito são, portanto, relações sociais que surgiram e se desenvolveram conjuntamente”. (LESSA E TONET, 2008, p. 60).

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30 que necessitou de um número gigante de escravos, impossibilitando a sua manutenção, o que favoreceu o crescimento da miséria.

Com os altos custos dos impostos, que foram maiores que os lucros, e sem contar com a riqueza necessária para a manutenção do exército e do Estado, com menos recursos, também com o aumento da crise política e militar, a economia se desestruturou ainda mais. É importante citar que

Esse processo de decadência era impulsionado pelas contradições geradas pelo crescimento do escravismo e não pela presença de uma classe revolucionaria que possuísse um projeto alternativo global para a sociedade. Claro que os escravos se revoltavam, contudo, pelas suas próprias condições de vida e trabalho, não conseguiram desenvolver um conhecimento adequado da sociedade e da história humana que lhes permitisse elaborar uma proposta de alteração revolucionária da sociedade. (LESSA E TONET, 2008, p. 61)

Desta forma, os homens da sociedade escravista, pelas condições materiais daquele momento histórico, não tiveram nem mesmo a consciência que possibilitasse sua intervenção no processo de transição que ocorreu de forma lenta, caótica ao feudalismo, demorando “mais de três séculos para se completar” (LESSA E TONET, 2008, p. 61-62).

Buscamos compreender a produção e gestão da pobreza no momento histórico em que as condições de existência humana avançaram na transição para a relação servil, agora não mais escravista. Hubermam (1986) apresenta a sociedade feudal organizada sob a relação senhor e servo, passando a existência dos comerciantes e industriais na sua forma mais doméstica, ou seja, de uma produção para a satisfação das suas necessidades básicas, para então produzir para o mercado, numa espécie de trabalho excedente, ainda em pequena escala.

A primeira forma de organização social estava representada em três classes: os sacerdotes, os guerreiros e os trabalhadores. Estes últimos atuaram na produção agrícola na Idade Média, para que as demais classes (a eclesiástica e a militar), cumprissem a sua tarefa (HUBERMAN, 1986).

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31 imaginar, pela arte retratada em quadros do período, quando se quer demonstrar como fotografia dos solares medievais, quer se tratasse de um castelo, ou de uma casa-grande de fazenda, eram sempre fortificados, sempre existia um senhor feudal, pois, comumente, não havia “um senhor sem-terra, nem terra sem senhor (…) com sua família, empregados e funcionários que administravam sua propriedade” (HUBERMAN, 1986, p. 4).

Lessa e Tonet (2008) assinalam que a principal característica do feudalismo foi “a organização da produção em unidades autossuficientes, essencialmente agrárias e que serviam também de fortificações militares para a defesa dos feudos” (Idem, p. 63).

É importante destacar que os “empregados”, aos quais Huberman (1986) se refere, são os camponeses, que, na verdade, chamava-se servos, que eram a maioria dos arrendatários, e que, de acordo com a palavra em latim, significa “escravo”, não no sentido que se atribui hoje. Embora fizesse parte da propriedade do senhor de terras, não podia ser vendido fora de sua terra, podendo ser transferido a posse do feudo a outro senhor, mas significando apenas que o servo teria outro senhor. Isso lhe concedia uma espécie de segurança, que, de acordo com Hubermam (1986), “[...] o escravo nunca teve. Por pior que fosse seu tratamento, o servo possuía família e lar e a utilização de alguma terra” (HUBERMAM, 1986, p. 7).

Lessa e Tonet (2008) afirmam que a grande novidade do feudalismo estava no fato de que os servos ficavam com uma parte da produção, e assim sendo, os mesmos se interessavam em aumentá-la, resultando no desenvolvimento de “novas ferramentas, novas técnicas produtivas, novas formas de organização do trabalho coletivo, aprimoraram as sementes, melhoraram as técnicas de preservação do solo”.

Lessa e Tonet (2008) afirmam que foi o aumento da produção e a melhora na alimentação, o que possibilitou o aumento da população, entretanto, o aumento da produção e da população provocou a crise do número de servos, pois estes eram em número maior que o necessário, e a produção, por sua vez, tornou-se maior que o consumo.

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32 estes últimos “trabalhavam as terras que arrendavam e a propriedade do senhor”, configurando-se, desta forma, a dupla jornada de trabalho exercida pelos arrendatários. Os camponeses, que teriam que trabalhar num contexto de miséria, sendo sua vida dedicada a servir primeiro ao senhor feudal, em jornada de dois ou três dias na semana, para trabalhar em faixas espalhadas, pois as terras não estavam organizadas ainda em blocos próximos.

Este trabalho nas terras do senhor, de forma prioritária, quer se tratasse de dias de trabalho normal, ou o que Huberman (1986) chama de situação de emergência, sem pagamento e bastante árduo. Nas palavras do autor,

Quando havia pressa, como em época de colheita, tinha primeiro que segar o grão nas terras do senhor. Esses ‘dias de dádiva’ não faziam parte do trabalho normal, mas isso ainda não era tudo. Jamais houve dúvida quanto a terra mais importante. A propriedade do senhor tinha que ser arada primeiro, semeada primeiro e ceifada primeiro. Uma tempestade ameaçava fazer perder a colheita? Então, era a plantação do senhor a primeira que deveria ser salva. Chegava o tempo da colheita, quando a ceifa tinha que ser rapidamente concluída? Então, o camponês deveria deixar seus campos e segar o campo do senhor. Havia qualquer produto posto de lado para ser vendido no pequeno mercado local? Então, deveriam ser o grão e vinho do senhor os que o camponês conduzia ao mercado e vendia — primeiro. Uma estrada ou uma ponte necessitavam reparos? Então, o camponês deveria deixar seu trabalho e atender à nova tarefa. O camponês desejava que seu trigo fosse moído ou suas uvas esmagadas na prensa de lagar? Poderia fazê-lo — mas tratava-se do moinho ou prensa do senhor e exigia-se pagamento para sua utilização- Eram quase ilimitadas as imposições do senhor feudal ao camponês. De acordo com um observador do século XII o camponês ―nunca bebe o produto de suas vinhas, nem prova uma migalha do bom alimento; muito feliz será se puder ter seu pão preto e um pouco de sua manteiga e queijo (HUBERMAN, 1986, p. 6).

Observa-se com bastante clareza que ao senhor, tudo, ao camponês, a tarefa de trabalhar arduamente, em alguns dias, sem pagamento algum, como o próprio autor indica, nos “dias de dádiva”, restava-lhe somente “[...] arrancar do solo apenas o suficiente para uma vida miserável” e continua nesse sentido, “[...] a prioridade de qualquer atividade do camponês eram os interesses do senhor feudal desde a plantação à venda do produto do trabalho no pequeno mercado local” (HUBERMAN, 1986, p .8). Se o camponês utilizasse o meio de trabalho, as ferramentas para seu uso próprio, como forma de atender a uma necessidade sua, teria que pagar pelo uso que fez das ferramentas.

Conforme Marx (2008)6, ao se referir às primeiras épocas históricas7, verifica-se

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33 que “[...] por toda parte, há uma completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condições sociais”. De acordo com Marx (2008, p. 22), na Roma Antiga se encontra “[...] patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres, companheiros, servos; e, em cada uma destas classes, gradações especiais”8.

Nessas primeiras épocas, de acordo com Huberman (1986, p. 10), na sociedade medieval, o homem seria rico pela quantidade de terra que possuísse, já que era “pela terra que se produzia todas as mercadorias de que se necessitava e somente a terra, apenas a terra era a chave da fortuna de um homem”. Por isso, haviam deveres a serem prestados por todas as classes de arrendatários, desde os mais nobres, como os militares, que se tornavam vassalos, recebendo terras por concessão do rei, devendo prestar serviços militares ao seu senhor quando fossem convocados. Outro dever a ser cumprido era o de ajudar a pagar pela libertação do rei, caso este viesse a ser tomado como refém por um inimigo, além de financiar a posse do filho do senhor como cavaleiro.

Nesse sentido, da apropriação da riqueza pela posse da terra, Ponce (2010) assinala que a forma fundamental da riqueza era ser dono da terra, pois o senhor era dono também dos instrumentos essenciais da produção, em particular dos moinhos. O trigo, por exemplo, que os camponeses colhiam, devia ser moído nos moinhos do senhor.

Ressalta Huberman (1986, p. 13) que a Igreja Católica era parte e membro desse sistema, possuindo um

[…] poder e prestígio espiritual tremendos, com grande extensão de organização mundial mais antiga e duradoura que qualquer coroa, rica em propriedades de terras doadas por homens que desejavam estar [...] ao lado de Deus, antes de morrer, pelo desejo de ajudar a Igreja na tarefa de assistência aos pobres e doentes.

existência de uma coletividade primitiva são temas de debate levantados pela escola boasiana de antropologia. O Instituto afirma que os estudos de Levis H. Morgan quanto às “gens antigas”, o autor refere-se sempre à “liberdade, igualdade e fraternidade”, afirmando que nos estágios mais primitivos não havia “paixão”' pela posse da propriedade. Consta também que Engels define as relações de produção dessas sociedades como “essencialmente coletivas' e que o consumo se realizava, também, sob um regime de distribuição direta dos produtos, no seio de pequenas ou grandes coletividades comunistas” (ENGELS, 2012, p. 238).

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34 Existia ainda o hábito dos nobres e reis que, ao vencerem uma guerra, apropriavam-se das terras dos inimigos derrotados, doando parte delas à Igreja, que “por esse e por outros meios aumentava suas terras, até que se tornou proprietária de entre um terço e metade de todas as terras da Europa ocidental” (HUBERMAN, 1986, p. 13).

Percebemos que um elemento importante a ser ressaltado nesse período feudal foi a assistência aos pobres pela Igreja. Huberman (1986, p. 14) assinala o cuidado às crianças desamparadas por essa instituição, apesar desta não ter chegado a cumprir o seu papel, “[...] nem mesmo quanto à nobreza se comparado ao que poderia ter feito com sua tremenda riqueza”. Riqueza que se deu também pelo pagamento do dízimo de 10% sobre a renda de todos os fiéis, a lã dos animais, e até mesmo da penugem dos gansos etc.

Ponce (2010) assegura que a Igreja Católica, com o cristianismo, não só tolerou a escravidão como a sancionou em muitos de seus concílios, como o Concílio de Gangra, em 324. Desde antes de tornar-se vilão ou servo9, como assinala o autor supracitado, o homem na condição de escravo “era um objeto, não uma pessoa, com uma existência miserável, mas segura” (PONCE, 2010, p. 84).

Ainda de acordo com Ponce (2010), os vilões, que eram descendentes dos colonos romanos, não se vendiam, ofereciam-se, firmando um contrato como homem livre. Já o servo nem firmava contrato e nem era livre. Os servos eram descendentes dos antigos escravos, e, como estavam a serviço total de seus senhores, não podiam, em momento algum, abandonar esse serviço.

Sobre isso, nas palavras de Huberman (1986, p. 15)

O sistema feudal, em última análise, repousava sobre uma organização que, em troca de proteção frequentemente ilusória, deixava as classes trabalhadoras à mercê das classes parasitárias, e concedia a terra não a quem cultivava, mas aos capazes de dela se apoderarem.

Nesses termos, conforme aponta Ponce (2010)

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35

[…] a economia do senhor feudal repousava, em primeiro lugar, sobre um aglomerado de produtores servis que trabalhavam para ele sem se ajustar a um plano comum, e, em segundo lugar, sobre as riquezas aleatórias que as guerras e os saques lhe proporcionavam (…) o castelo feudal era quase que só uma tenda de campanha, em que o senhor repousava dos saques efetuados, enquanto se preparava para outra incursão.(...) Toda riqueza que chegava às mãos do nobre era para ser gasta (…) por outro lado, todas as riquezas que chegavam ao monastério eram entesouradas e aumentadas (Idem, p. 89).

Sem condições favoráveis, mesmo com sua expansão na Europa do século XI ao século XII, o comércio foi uma necessidade para os europeus durante o movimento das Cruzadas, para o fornecimento de alimentos e roupas requintadas, além do aumento da população, o que resultou em lucro, renascimento e expansão, ressaltando que o mesmo teve todo apoio da Igreja Católica, que em nome da difusão do Evangelho, acobertou guerras, como a de pilhagem de bens e terra contra os mulçumanos. Do mercado semanal da França, na cidade de Champagne, os mercadores passaram a realizar duas feiras anuais em Poix, que duraram do século XII ao século XV, e que tinham seu regulamento para funcionar10.

Partindo do conhecimento que se tem da sociedade na década de 1700, podemos asseverar, conforme os escritos de Hobsbawn (2010), que o mundo na referida década era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nosso, pelo conhecimento que os homens mais instruídos tinham de apenas pedaços do mundo habitado. Nas palavras do autor

[…] não só o mundo conhecido era menor, mas também o mundo real, pelo menos, em termos humanos. Já que para fins práticos não se dispunha de recenseamentos, todas as estimativas demográficas eram pura especulação, mas é evidente que a terra abrigava somente uma fração da população de hoje; provavelmente não muito mais que um terço. Se as suposições mais comumente citadas não estiverem muito longe da realidade, a Ásia e a África tinham uma proporção um tanto maior da população mundial do que hoje; a Europa, com aproximadamente 187 milhões de habitantes em 1800 (contra cerca de 600 milhões hoje), tinha uma proporção um tanto menor, e as Américas tinham uma proporção muito menor ainda (HOBSBAWN, 2010, p. 28)

Hobsbawn (2010, p. 44) discorre sobre as impressões que os inúmeros incentivos agrícolas do século XVIII demonstravam, por um longo período, acerca da expansão

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36 demográfica, de urbanização crescente, de fabricação e comércio, os quais encorajavam a melhoria da agricultura e de fato a requisitava. O aumento da população no segundo período desse século, de acordo com o autor, fora surpreendente e ininterrupto, pois “[...] entre 1755 e 1784, por exemplo, a população rural de Brabant (Bélgica) aumentou em 44%”.

Embora encontrem-se dados de avanço em relação ao progresso de regiões da Europa, Hobsbawn (2010, p. 44) afirma que

[…] o que impressionava os números incentivadores da melhoria agrícola, que multiplicavam suas associações em defesa desse objetivo, produzindo relatórios governamentais e publicações propagandísticas desde a Espanha até a Rússia, era o tamanho dos obstáculos para o avanço agrícola e não o progresso que se verificara.

Huberman (1986) afirma que somente em 1924 passou-se a funcionar com a presença dos trocadores de dinheiro na Feira de Lille, que efetuavam as transações financeiras, facilitando a troca de mercadorias como forma de intercâmbio, poupando tempo e energia, criando-se mais uma profissão, numa outra visão de liberdade e apropriação da terra sem a tradição feudal, com o desejo de criar sua própria legislação comercial e criminal, diferente da população das aldeias, que continuou a produzir e reproduzir sua existência presa aos preceitos da Igreja, que influenciava a sociedade medieval.

De acordo com Huberman (1986), embora a Igreja condenasse a usura entre os seus submissos, a mesma violava a lei lucrando com os empréstimos. Somente com o aparecimento da classe dos comerciantes enquanto força histórica, foram criadas novas leis que abriram precedentes para a modificação da Lei da Usura. Desta forma, a prática diária comercial passou a predominar nas cidades, favorecendo a economia nas cidades, bem como seu crescimento, fazendo a sociedade ingressar numa nova fase de desenvolvimento.

Dessa forma, surgiu a divisão do trabalho entre campo e cidade. Enquanto os habitantes da cidade se ocupavam do comércio e da indústria, os camponeses supriam-lhes os alimentos, na produção agrícola “para abastecer o crescente mercado representado pelos que deixaram de produzir o alimento” (HUBERMAN, 1986).

(38)

37 desiguais), o qual passou a ser necessário para satisfação de suas necessidades e desejos, somente aos senhores (e somente alguns). O “trabalho livre” era mais vantajoso e lucrativo que o trabalho escravo, pois, na sua visão, o trabalhador faria um bom trabalho em sua “terra própria”, alugando do senhor o que fosse necessário, e o faria mediante pagamento de salários, agora anualmente e não mais semanalmente. Aqueles senhores contrários ao “trabalho livre” mantiveram os costumes.

Até aqui, vimos que a classe senhorial da Idade Média, nas suas formas de organização social, não perdeu a oportunidade de levar vantagens e lucrar com as situações injustas e exploradoras dos trabalhadores, as quais se deram, muitas vezes de forma bastante clara, outras, entretanto, apresentaram-se veladas pelo invólucro do discurso da prosperidade e transformação social.

Percebemos que os trabalhadores, cansados e esmagados pela opressão do sistema feudal, só tiveram acesso às terras ao alcance da produtividade, e isso só foi possível a partir da adoção de metodologias que lhes assegurassem o aumento da produção agrícola nas tais terras disponibilizadas, pois estas eram incultas e inaproveitadas. Apesar de tais dificuldades, os trabalhadores inovaram e fizeram prosperar com muita luta e trabalho as terras as quais lhes foi dado acesso.

No ato da produção, o lucro gerado pelo trabalho era para si, em menor proporção, sendo o de maior proporção para os senhores, os donos da terra, que lucraram a partir do trabalho alheio. A produção da riqueza, nesse período histórico do capitalismo emergente, deu-se sob a apropriação da produção do trabalho dos servos pelos senhores feudais, que se apropriaram das terras dos inimigos vencidos em guerras, na acumulação de riquezas, juntamente com a Igreja, pelo discurso religioso da salvação eterna.

2.2 O trabalho como fonte de produção da riqueza e da pobreza

(39)

38 além dessa “quantidade comumente empregada”, a “[...] quantidade adicional de trabalho como necessária para, normalmente, comprar, ter ou trocar a mercadoria”.

Smith apud Hunt (2005), afirma que no surgimento da propriedade privada, os proprietários vão querer colher o que nunca plantaram e o trabalhador, por outro lado, tem que desistir de uma parcela produzida pelo seu próprio trabalho ou colhê-la para entregá-lo ao proprietário de terra. Será “[...] o preço dessa parcela que constituirá o aluguel da terra, tornando-se uma terceira parte componente do preço da maior parte das mercadorias” (HUNT, 2005, p. 47).

É importante ressaltar que essa concepção de riqueza, ao longo do pensamento econômico, a partir do contexto mercantil dos séculos XVI e XVII, apregoava que o país, para ser rico, deveria ter como predomínio a atividade mercantil, desta forma, o país precisava acumular riquezas. Foi um momento histórico de grandes “descobertas”, quando procuraram as colônias, as quais estavam encharcadas com produtos manufaturados e poderiam, desta forma, constituírem-se como parte do crescimento da produção industrial, sob o controle do Estado, diferença fundamental da sociedade feudal, que sustentou a concepção de riqueza baseada na quantidade de terras apropriadas pelos senhores feudais.

Nesse sentido, Smith (1986) afirmara que “[...] cada homem é rico ou pobre, segundo o grau em que pode adquirir as necessidades, conveniências e diversões da vida humana” (SMITH, 1986, p. 31), e somente adquiridas por uma parte bem menor da sociedade, com a implementação da divisão do trabalho, que, de acordo com a quantidade de trabalho que pode comandar, ou que esse trabalho possa adquirir, dará a condição de riqueza ou pobreza do homem. Nas palavras do autor

[...] O valor de qualquer mercadoria, portanto, para a pessoa que a possui, e que não pretende usá-la, ou consumi-la, mas trocá-la por outras mercadorias, é igual à quantidade de trabalho que o capacita a comprar ou comandar. O trabalho, portanto, é a medida real do valor de troca de todas as mercadorias [...] é uma noção abstrata, que, se bem que possa ser tornada suficientemente inteligível, não é tão natural e óbvia. É a medida real do valor de troca de todas as mercadorias, embora seu valor não seja usualmente avaliado por ele mesmo (SMITH, 1986, p. 31-32).

Dessa forma, Smith (1986) definiu o trabalho como uma noção abstrata, que não se pode determinar certa quantidade de trabalho para a compra de mercadorias, embora se mensure maior ou menor quantidade de trabalho para a produção da mercadoria, que diferente do trabalho, é objeto simples e palpável. O autor assegura, ainda, em sua obra Riqueza das

Nações (1986) que, para o trabalhador, iguais quantidades de trabalho são sempre do mesmo

Referências

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