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CAPÍTULO 2 – VIOLÊNCIA CONJUGAL E SAÚDE DA MULHER

1. A saúde como recurso no continuum da vida

A saúde é considerada um direito fundamental a qualquer ser humano, independentemente da raça, religião, ideais políticos ou condição económica e social.

A saúde é, no conceito holístico que a OMS tem vindo a desenvolver, uma importante dimensão da qualidade de vida das pessoas, numa combinação integrante de saúde física, bem-estar psicológico e social (Ramos, 2004).

A mesma autora reportando-se a O’Donnell (1986) nomeia como dimensões da saúde -

Saúde emocional; Saúde intelectual; Saúde social; Saúde espiritual; Saúde física – e

cita a importância de obter equilíbrio entre todas elas no sentido de a manter e enriquecer.

Este conceito de saúde pressupõe que todos aqueles que têm responsabilidades ao nível da saúde, os profissionais do terreno mas também os decisores políticos, o integrem nas suas práticas, descentrando a sua atenção da dimensão física, da patologia em si, para compreenderem o processo de saúde e de doença e os abordarem em toda a sua abrangência (Calvinho, 2007).

A psicologia da saúde tem vindo a estimular a compreensão da saúde de uma forma integrante das dimensões de corpo-mente em interacção com o ambiente social. Na perspectiva biopsicossocial a saúde e a doença existem num continuum em que o indivíduo progride. Isto pressupõe que um indivíduo não seja considerado num estado estanque e classificado como doente ou saudável. No continuum de saúde, a doença já não é exclusivamente atribuída a um factor biológico mas entendida como resposta a uma multiplicidade de factores – biológicos, psicológicos e sociais – em complexa e permanente interacção. Este modelo preconiza, ainda, o indivíduo como responsável pela sua saúde e pelo tratamento necessário em situação de doença tanto na tomada de decisão terapêutica informada e consentida, como pelo cumprimento da adesão ao mesmo (Ogden, 2000).

A saúde e a doença são determinadas pela influência de factores orgânicos, psicológicos, sociais e ambientais. Nesta teia de influências, o indivíduo agirá com comportamentos protectores da sua saúde e com comportamentos que poderão causar desequilíbrios e doença. A adaptação e a gestão destes acontecimentos serão determinados pela conjugação dos mesmos factores, ou seja, pela capacidade de confronto emocional e comportamental, pela capacidade de percepção e de cognição que lhe permitem responder à adversidade, mobilizando os recursos pessoais e do meio e gerindo os condicionalismos biológicos, ambientais, psicológicos e sociais. Nesta abordagem interactiva da saúde e da doença foram desenvolvidos alguns modelos sistémicos e ecológicos, sistematizados e analisados por Ramos (2004) e que passamos a apresentar.

O modelo transaccional de Lazarus e Folkman (1984) descreve a adaptação do indivíduo a uma situação de stress ou adversidade. Essa adaptação decorre em duas fases:

- Avaliação da situação e dos acontecimentos – Nesta fase decorrem dois tipos de avaliação. A avaliação primária do evento: avaliação subjectiva da situação e das suas implicações; e a avaliação secundária dirigida à identificação de recursos e de alternativas possíveis para responder ao acontecimento.

- Elaboração de estratégias de adaptação – As estratégias de coping podem ser de âmbito comportamental, emocional e cognitivo como forma de intervir na situação ou transformar-se a si próprio.

O Modelo ecológico de saúde de Taylor et al. (1997) propõe dois macro factores de influência sobre a saúde – o ambiente social global e o ambiente social proximal. Ambos se desdobram em múltiplos factores que interagem continuamente, como o nível socioeconómico, a etnia e a cultura, o país, a família, o meio profissional ou o escolar e o grupo de pares. Estes factores podem ter influência positiva ou negativa sobre o indivíduo, constituindo-se como factores agravantes ou protectores da saúde e da resposta do indivíduo a uma situação adversa. As condições socioeconómicas mais débeis, por exemplo, são um factor de risco para a saúde e por vezes, é agravado por aspectos culturais ou étnicos, como as crenças e os comportamentos, e pela dificuldade no acesso aos cuidados de saúde. Também a família e o grupo de pares são agentes determinantes na resposta a eventos de vida, podendo representar factores de suporte e

protecção ou os opostos. A personalidade do indivíduo é outra dimensão importante da saúde, pois os traços da personalidade podem revelar-se em atitudes e comportamentos favoráveis ou desfavoráveis à saúde e influenciar a resposta à situação de doença.

A carta de Ottawa, em 1986, veio dar luz a um conceito positivo de saúde, proclamando-a um recurso para a vida diária e não um objectivo da vida. A responsabilidade por esse recurso pretende-se, na actualidade, compartilhada pelas atitudes individuais e por todas as estruturas sociais, políticas, económicas e ambientais (OMS, 1986).

A promoção da saúde é um conceito fundamental que visa o envolvimento da sociedade global com o objectivo de permitir a todos um maior controlo sobre a sua saúde e a aquisição e desenvolvimento de habilidades que permitam melhorá-la (OMS, 1986).

Na declaração de Yakarta são estabelecidas as prioridades para a promoção da saúde para o séc. XXI, entre as quais destacamos as seguintes:

- Promover a responsabilidade social, que se pretende assumida nas políticas e nas práticas, quer do sector público como do privado para que a saúde seja promovida e defendida;

- Aumentar a capacidade da comunidade e a capacitação (empowerment) dos indivíduos, ou seja, dotar as pessoas de habilidades individuais que lhes permitam tomar decisões e controlar a sua própria vida, relativamente à saúde, mas também de capacidade de mobilização colectiva que permita uma maior influência sobre as condições que influenciam a saúde da comunidade (OMS, 1997, 1998).

Podemos afirmar que a saúde é um bem essencial que pode ser aumentado e melhorado. Para isso, são imprescindíveis práticas que impulsionem atitudes individuais positivas para a saúde, políticas que visem a melhoria da qualidade de vida das populações, como por exemplo a equidade de acesso a cuidados de saúde que a promovam, que previnam e tratem a doença reabilitando os indivíduos, e condições socioeconómicas e ambientais promotoras de bem-estar individual e colectivo.