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3 O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL ANTES DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE

3.3 A SAÚDE PÚBLICA: DA REVOLUÇÃO DE 1930 AO PERÍODO

DEMOCRÁTICO DE 1964

Os indicadores sócio-políticos e econômicos que se apresentavam no início do Governo Provisório, instalado pela Revolução de 1930, dão a tônica das medidas político- administrativas adotadas pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas: a) a ruptura com o modelo agroexportador e, consequentemente, a ascensão da burguesia industrial e exportadora ao comando do poder central; b) crescente industrialização no país, tendo por consequência, o redimensionamento da população urbana e o surgimento de postos de trabalhos na área industrial; c) submissão dos países a uma crise econômica mundial; d) movimentos de insurgência no âmbito nacional, especialmente, comandados pelos oligarcas que haviam perdido o poder.

Para fazer frente a todo esse cenário, o governo provisório adotou um pacote de medidas de controle, cujo enfoque se dava na centralização das questões políticas e econômicas, além de voltar-se para o estabelecimento de políticas sociais que visavam atender os anseios das diversas classes operárias em ascensão, medidas estas consideradas populistas, pois não tinham por finalidade a assunção dessas prestações pelo Estado, mas como forma de dar sustentação ao projeto do grupo político que comandava o país.

A área sanitária, como não poderia ser diferente, fez parte desse conjunto de reformas trazidas pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas. Uma das primeiras inovações nesse setor se deu com a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública (MESP), instalado em novembro de 1930, pasta ministerial ocupada pelo advogado Francisco Luís da Silva Campos. O recém-criado Ministério anunciava como compromisso na área da saúde “zelar pelo bem-estar sanitário da população”161. Em função disso, foi determinada uma ampla remodelação dos serviços sanitários do país, mas tal medida se caracterizou pela efetiva centralização político-administrativa do setor saúde, em consonância com o pensamento político que deu suporte à administração de Getúlio Vargas, marca que se manteve vinculada ao sistema público de saúde brasileiro e que ainda mantém reflexos no atual modelo de gestão pública do setor162.

Já no início de sua gestão, Getúlio Vargas ampliou o sistema de Caixas de Aposentadorias e Pensões (instituídas pela Lei Elói Chaves), estendendo-a a diversas outras categorias profissionais163. Mais essa extensão se deu não sob a forma de instituição de natureza estritamente particular, mas agora sob o controle político destas pelo Poder Público. Foram criadas diversas Caixas de Aposentadoria e Pensões, as quais viriam a constituir, posteriormente, os denominados Institutos de Previdência.

A exemplo do que já ocorria com a CAP dos Ferroviários, havia a previsão de cobertura de assistência médica e de medicamentos para os filiados às novas Caixas de Aposentadoria e Pensão, mas essa prestação de serviços era limitada e irregular, dada a capacidade contributiva dos seus associados, assim como as condições da CAP em suportar os

161

Cf. Claudio Bertolli Filho, História da saúde pública no Brasil, p. 31.

162 “O fato é que, a partir da década de 1920, com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, começou a ser gestado o modelo centralizado de longa sobrevivência na área. Após a criação do Ministério de Educação e Saúde, em 1931, e principalmente com a reforma implementada pelo ministro Gustavo Capanema, em 1941, a estrutura verticalizada e centralizadora encontraria expressão com a criação dos Serviços Nacionais de Saúde”. (Nísia Trindade Lima, O Brasil e a Organização Pan-Americana da saúde: uma história em três dimensões, p. 45)

163 O Decreto nº 20.465/31 reformulou a legislação das Caixas. Estas na época já eram extensivas a outros serviços públicos, como aos telégrafos, água, portos, luz etc. (Sérgio Pinto Martins, Direito da Seguridade Social, p. 28)

custos com esses benefícios. Os operários tuberculosos, por exemplo, apesar de contribuírem para a seguridade social, não tinham facilidade para receber os serviços médicos-assistenciais, após a confirmação da doença, já que para eles os institutos previdenciários só ofereciam duas opções: receber uma parte do salário e tratar da saúde por conta própria, ou submeter-se ao isolamento em sanatórios localizados nas regiões montanhosas (longe do convívio social), abrindo mão de qualquer ajuda econômica164.

A expansão das CAPs implicou numa crescente melhoria na prestação de serviços médicos e assistenciais, já que uma expressiva camada da população empregada passou a contar com tais prestações, inclusive essa garantia estimulava os empregados a se filiarem às suas respectivas Caixas de Pensão, pois só assim passariam a ter cobertura da assistência médica quando do seu adoecimento ou dos seus dependentes.

É de se ressaltar, outrossim, que esse processo não contava com o incremento financeiro da Administração Pública, eis que o financiamento dessas prestações sociais eram oferecidas pelas Caixas de Pensão, com verbas próprias, oriundas da co-participação dos empregados e empregadores.

Mas, em função das crises econômicas e da política de centralização desenvolvida por Getúlio Vargas, as Caixas de Aposentadorias e Pensões sofreram influxos nesse período, a começar pela intervenção do Estado em seu modelo de gestão e, paulatinamente, começa a ocorrer a transformação das Caixas em Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), o que veio a se dar, inicialmente, com a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos ferroviários e empregados em serviços públicos. A principal diferença entre os Institutos e as Caixas de Aposentadorias e Pensões estava no fato da primeira abranger categorias profissionais165, ao passo que as segundas eram estruturadas por empresas.

164 Cf. Claudio Bertolli Filho, História da saúde pública no Brasil, p. 33.

165 O Decreto nº 22.872/33 criou o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos (IAPM). O Decreto nº 24.273/34 instituiu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), reorganizado pelo Decreto nº 2.122/40. O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB) foi criado pelo Decreto nº 24.615/34.

Apesar dos avanços obtidos na área da assistência médica – em função da larga abrangência das CAPs e dos IAPs166 - a população brasileira ainda era vítima de diversas doenças, principalmente as infecto-contagiosas e as parasitárias, muitas delas em função do baixo nível educacional do nosso povo. O analfabetismo dificultava o entendimento das mensagens dos higienistas, veiculadas nos nascentes meios de comunicação surgidos no Brasil, e para tentar contornar esse problema, as campanhas de educação popular foram realizadas por meio de folhetos e cartazes, com destaque para as ilustrações coloridas neles constantes, facilitando, assim, com que essas mensagens pudessem ser compreendidas, mesmo pelos que não soubessem ler.

A administração pública investiu nos cursos de formação de enfermeiras sanitárias, cuja principal missão era percorrer os bairros, visitando todas as famílias carentes, ensinando- lhes as regras básicas de higiene, ao tempo em que faziam o encaminhamento dos doentes mais graves aos hospitais públicos ou filantrópicos167. Essa experiência pode ser considerada a base para o que atualmente objetiva o Programa Saúde da Família (PSF)168, já que guardada a realidade histórica de cada um deles, ambos os programas se voltam para a educação da população para evitar os agravos de saúde, bem assim acompanhar, tratar e encaminhar as pessoas doentes, para um efetivo tratamento em centros especializados.

A Constituição de 1934 tratou do tema da saúde pública, mas os dispositivos que a ela se referia se restringiram a colocar essa questão como matéria legislativa ou norma

A Lei nº 367/36 cria o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI). O Decreto-lei nº 3.832/41 estendeu os benefícios do IAPM aos armadores de pesca e dos pescadores e indivíduos empregados em profissões conexas com a indústria da pesca. O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes de Cargas (IAPETC) foi criado pelo Decreto-lei nº 775/38. (Sérgio Pinto Martins, Direito da Seguridade Social, p. 28-30)

166

Esse quadro é bem traçado por Giovani Gurgel Aciole (A saúde no Brasil: cartografia do público e do privado, p. 146) quando assevera que, apesar da expansão dos IAPs “a cobertura da população economicamente ativa não passava dos 23% entre as décadas de 1950 a 1960”.

167 Essa questão encontra-se bem explicitada por Claudio Bertolli Filho, op. cit., p. 35. 168

A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade.

programática, eis que aludiu à competência concorrente da União e dos Estados para cuidar da saúde e da assistência públicas (art. 10, II, CF/34), assim como repassou à legislação trabalhista a garantia da assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante (art. 121, § 1º, h, da CF/34). Nessa mesma linha, foi dada incumbência à União, aos Estados e aos Municípios para instituírem medidas legislativas e administrativas que assegurassem amparo aos desvalidos, impedissem a propagação de doenças transmissíveis e estabelecessem cuidados para com a higiene mental (art. 138, alíneas “a”, “f” e “g”).

No início do Governo Getulista o modelo de saúde pública adotado era o da medicina germânica, embora esse paradigma tenha sido substituído pelo modelo norte- americano no início da Segunda Grande Guerra Mundial (1942), em função da posição assumida pelo Estado Brasileiro de se aliar aos Estados Unidos na luta contra a Alemanha, Itália e Japão169.

Embora a história da saúde pública brasileira tenha registrado a redução das mortes por enfermidades epidêmicas na era Vargas e a expansão do atendimento médico-hospitalar, muitos brasileiros enfermos continuavam a morrem sem receber a ajuda médica necessária170. Isto se deveu ao fato de que muitos dos doentes não eram vinculados a nenhum emprego formal ou não trabalhavam para algumas das categorias beneficiárias das CAPs ou IAPs, gerando uma massa de desvalidos, sem qualquer garantia constitucional dos poderes públicos. Nesse caso, essa massa de excluídos era encaminhada aos poucos estabelecimentos hospitalares públicos e/ou entidades filantrópicas, para que, havendo vaga, fosse-lhe dispensado o tratamento e os medicamentos necessários à recuperação do seu quadro de saúde debilitado.

169 Nesse sentido: “A partir de então, houve uma imediata alteração do teor dos conselhos sanitários. Eles passaram a adotar o povo norte-americano como modelo, inclusive no setor da saúde pública. Os educadores brasileiros divulgavam a organização dos serviços médicos e os hábitos da população norte-americana como garantia de bem-estar físico e mental”. (Claudio Bertolli Filho, História da saúde pública no Brasil, p. 36-37) 170 Conforme bem historiado por Claudio Bertolli Filho, ibidem, p. 38.

A dualidade existente na execução das políticas públicas de saúde no Brasil getulista era flagrante: cabia ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio tratar das ações e serviços de saúde para os que se encontrassem vinculados à área previdenciária, ficando para o Ministério da Educação e Saúde Pública, “a prestação de serviços para aqueles identificados como pré-cidadãos: os pobres, os desempregados, os que exerciam atividades informais, ou seja, todos aqueles que não se encontravam habilitados a usufruir os serviços oferecidos pelas caixas e pelos serviços previdenciários”171.

Nessa modelagem, a atuação do MESP na área da saúde pública focalizou-se no combate às endemias172 e moléstias tropicais, com a finalidade de garantir o esforço de guerra173 e para a expansão capitalista, posteriormente ratificada pelas ações de saneamento urbano e rural, higiene industrial e higiene materno-infantil. É nítida a caracterização dessas ações como de natureza assistencial-preventiva, sem que houvesse uma preocupação com a saúde do indivíduo e da coletividade, enquanto seres humanos que necessitavam de assistência médica tanto profilática quanto curativa.

Para atender as demandas relacionadas às questões de saúde, o sistema previdenciário brasileiro optou, inicialmente, pela compra dos serviços de saúde a prestadores privados. Essa prática administrativa acabou por tornar as prestações e os serviços de saúde pública (bem assim os gestores públicos) reféns dos prestadores da iniciativa privada, com diversas implicações negativas tanto à gestão pública desse setor, quanto ao controle, fiscalização e acompanhamento dos serviços contratados e prestados à população.

171 Cf. BRASIL, Sistema Único de Saúde, 2007, p. 22.

172 “Tradicionalmente foram classificadas como doenças endêmicas aquelas que apresentavam entre suas características epidemiológicas a variação espacial, isto é, uma distribuição espacial peculiar associada a determinados processos sociais ou ambientais específicos. Do mesmo modo eram classificadas como epidêmicas as doenças que apresentavam variações no tempo, isto é, apresentavam concentração de casos em períodos determinados, sugerindo mudanças mais ou menos abruptas na estrutura epidemiológica”. (Luiz Roberto Barradas Barata e José Diniz Vaz Mendes, Uma proposta de política de assistência farmacêutica para o SUS, p. 334)

173 Nesse sentido, Giovani Gurgel Aciole (A saúde no Brasil: cartografia do público e do privado, p. 46) destaca que as regiões Norte e Nordeste passaram a ter importância: a primeira em função do extrativismo da borracha, a segunda, em função da sua posição estratégica de alguns Estados, principalmente a cidade do Natal/RN, durante a II Grande Guerra Mundial (escolhida para sediar a base militar americana no país).

Seguindo a sistemática das constituições anteriores, a Constituição Brasileira de 1937 se restringiu a estabelecer a competência legislativa para o tema da saúde, sem o estabelecimento de qualquer garantia quanto a esse direito174.

Somente a partir da década de 1940 é que os IAPs começam a investir em uma rede de prestação de serviços próprios, passando a construir, comprar e gerir hospitais e serviços ambulatoriais próprios. No entanto, tal iniciativa era incipiente175 e incapaz de cobrir todos os serviços assumidos junto ao crescente número de beneficiários dos IAPs, razão pela qual os serviços próprios passam a conviver, paralelamente, com a aquisição dos serviços junto aos prestadores privados.

Enquanto a previdência social se preocupava em criar uma rede própria de atenção aos seus filiados e dependentes, cabia ao Ministério da Educação e Saúde a preocupação com a saúde voltada para a coletividade. Para atingir tal fim, fora implantada uma rede de unidades sanitárias, espalhadas por diversos municípios, cujo modelo se consubstanciava nas práticas da prevenção. Por força desse modelo de saúde coletiva escolhido, fora instituído, em 1942, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), cuja função principal era a difusão das práticas sanitárias preventivas, especialmente aquelas voltadas para evitar as endemias, epidemias e

174 Eis os dispositivos que tratam do tema da saúde na Constituição de 1937:

Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: [...]

XXVII - normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança.

Art 18 - Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos:

[...]

c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; 175 Basta verificar o pequeno número de estabelecimentos hospitalares e ambulatoriais próprios até 1964: “Fruto dessa política, a partir de 1945 e até 1964, os Institutos enveredarão pela compra e construção de hospitais e ambulatórios próprios. Especialmente nos anos de 1948 a 1949, são inaugurados quatro ou cinco além de dezenas de ambulatórios por todo o país, até atingir, em 1964 uma rede de serviços próprios composta de vinte e dois hospitais em atividade, quinhentos e cinco ambulatórios e vinte e oito consultórios médicos suficiente para atender 22% da população brasileira[...]” (Giovani Gurgel Aciole, A saúde no Brasil: cartografia do público e do privado, p. 144-145)

pandemias, além da inclusão de uma preocupação para com a saúde materno-infantil176. Nesse modelo ganha importância o visitador sanitário.

As ações de saúde pública desempenhadas pelos profissionais do SESP, bem como o modelo de saúde pública adotado por esses profissionais, foram alvo de severas críticas por parte, principalmente, dos sanitaristas desenvolvimentistas, que “viam nos métodos de trabalho das unidades do SESP uma rendição do problema da produção de saúde à dimensão assistencial-preventiva, quando deveria estar alocada na questão econômica de distribuição de renda, sendo menos dependente de serviço de saúde”177.

Apesar da Carta Constitucional brasileira de 1946 ser considerada como a primeira constituição social do país, este marco normativo supremo não garantiu o direito à saúde. Aliás, sequer tratou expressamente da matéria específica do direito à saúde. Ao tratar da temática, o texto constitucional em comento se restringe a prevê a competência legislativa da União para legislar sobre normais gerais de defesa e proteção da saúde178, o que em nada avançava ante a posição dos constituintes anteriores179.

Ante esse quadro constitucional, poder-se-ia fazer o registro de alguns fatos históricos, ocorridos no Brasil de 1950 a 1964, que contribuíram para o processo de sedimentação da idéia de saúde enquanto direito: a) a criação do Ministério da Saúde, em 1953, pela divisão do antigo Ministério da Educação e Saúde; b) a vigência da Lei Orgânica

176 Em 1942, o epidemiólogo americano Charles Morrow Wilson, encarregado de avaliar as condições sanitárias nos países da América Latina, concluiu que “entre as causas de óbitos na América Latina persistiam as moléstias infecto-contagiosas e as parasitárias”. (Claudio Bertolli Filho, História da saúde pública no Brasil., p. 37) 177

Cf. Giovani Gurgel Aciole, A saúde no Brasil: cartografia do público e do privado, p. 147. 178 Art 5º - Compete à União:

[...]

XV - legislar sobre: a) [...]

b) normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; e de regime penitenciário;

179 Nesse sentido, Paulo Lopo Saraiva (Garantia constitucional dos direitos sociais no Brasil, p. 67) registra os elementos comparativos entre as Constituições de 1934 e 1946: “Não é mais admissível que as regras constitucionais continuem inócuas, conforme a crítica de Fábio Lucas, ao comparar as Constituições de 1946 e 1934. Sentenciou o mestre brasileiro: O espírito é o mesmo e a inocuidade das medidas sociais prometidas é idêntica. Prometem-se mundos e fundos, mas tão-só naqueles artigos sem força mandamental, que funcionam apenas como vaga aspiração e que, na verdade, não passam de meros aforismos, meras frases de bom senso, mas inteiramente desprotegidas de providências legais que lhes dêem execução”.

da Previdência Social (LOPS - Lei nº 3807 de 26/8/1960), posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 48.959, em setembro do mesmo ano, uniformizando as regras entre os IAPs; e c) a realização da III Conferência Nacional de Saúde, em 1963.

O primeiro fato não trouxe, por si só, muitos reflexos diretos e imediatos para a construção de uma nova concepção de saúde pública, na medida em que apesar de passar a ser um Ministério exclusivo, não houve uma mudança de concepção na ideia de política de saúde pública, que continuava a ser vista como obrigação estatal voltada para as atividades assistenciais-preventivas e de controle de epidemias180. Ainda restava bastante determinada a dicotomia entre saúde pública e assistência médica, seja no tocante ao estabelecimento de políticas públicas, seja no tocante à organização administrativo-funcional e de financiamento. As atividades tidas como saúde pública eram organizadas, desenvolvidas e financiadas no âmbito do Ministério da Saúde, enquanto o disciplinamento, execução e financiamento da assistência médico-ambulatorial ou médico-hospitalar continuava a cargo da previdência social.

Uma primeira tentativa de unificação dos diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), existentes no país, veio com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS - Lei nº 3807 de 26/8/1960) - posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 48.959/60 -, a qual, ao tempo em que impôs aos diversos institutos previdenciários a uniformização dos tipos de benefícios concedidos e a forma de contribuição para o financiamento do sistema, também determinou os procedimentos administrativos a serem seguidos por esses institutos. Essa saída legislativa foi o meio-termo encontrado para que não

180 Giovani Gurgel Aciole (A saúde no Brasil: cartografia do público e do privado, p. 148) consegue descrever bem essa dicotomia: “Essa diferença era decorrente das noções dicotômicas entre ações médicas e ações sanitárias já presentes, para cujas premissas a primeira era uma atividade curativa presa à possibilidade de intervenção sobre a doença, incapaz, portanto, de contribuir, por si, para a promoção e proteção da saúde, como seria, por excelência, a segunda. Dicotomia nunca suficiente ou pacífica, de modo que irá verificar-se, então, ora um predomínio do projeto de um modelo ‘vertical permanente especializado’, ora do projeto de uma ‘rede local

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