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O direito à saúde e a política nacional de atenção oncológica: uma análise a partir da crescente judicialização dos medicamentos antineoplásicos

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

FRANCISCO LIVANILDO DA SILVA

O DIREITO À SAÚDE E A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO

ONCOLÓGICA:

Uma análise a partir da crescente judicialização dos medicamentos

antineoplásicos

(2)

O DIREITO À SAÚDE E A POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA: Uma análise a partir da crescente judicialização dos medicamentos antineoplásicos

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito - PPGD do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Doutor Artur Cortez Bonifácio

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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Silva, Francisco Livanildo da.

O direito à saúde e a política nacional de atenção oncológica: uma análise a partir da crescente judicialização dos medicamentos antineoplásicos / Francisco Livanildo da Silva. - Natal, RN, 2012.

303 f.

Orientador: Profº. Dr. Artur Cortez Bonifácio.

Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Direito. Programa de Pós-graduação em Direito.

1. Direitos fundamentais - Dissertação. 2. Direitos sociais - Dissertação. 3. Direito à saúde - Brasil - Dissertação. 4. Sistema único de Saúde (SUS) – Políticas públicas – Dissertação. I. Bonifácio, Artur Cortez. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

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Dedico o produto deste trabalho aos meus entes queridos e inestimáveis - minha esposa (Olívia), meus filhos (Victor Thiago, Ian César e Hanna Letícia) e minha mãe (Helena) – que souberam aceitar a minha ausência e a minha falta de tempo, ao longo de todo o

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“Primeiramente deve-se considerar que os desafios éticos, políticos e operacionais nestes 20

anos de Sistema Único de Saúde (SUS) talvez sejam agora maiores do que foram no inicio, quando nossos tão caros companheiros da saúde coletiva o idealizaram. Muitos fatos mudaram neste trecho do caminho que repercutiram para além do que se havia imaginado e que se mostram agora como de difícil conciliação. Dentre esses, cito o que guiará minha linha de pensamento, que é a grande (gosto de pensar que não insuperável) dificuldade de conciliar uma constituição sociodemocrata com um Estado liberal (Bussinguer, 2008). Outra placa indicativa é a construção de pontes entre a gigantesca valoração do capital, entendido aqui como toda atividade econômica guiada pelo lucro, que tem sido um fim em si mesmo, e o valor da vida humana, que tem sido uma atividade meio no intenso balcão de negociação entre Estado, cooperativas, planos privados e mercado farmacêutico”.

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A Constituição Federal brasileira de 1988 ao apresentar o catálogo dos direitos e garantias fundamentais (Título II), traz, expressamente, que tais direitos alcançam os direitos sociais, econômicos e culturais (art. 6° da CF/88), como forma não só de ratificar os direitos civis e políticos, mas, também, de fazê-los efetivos e concretos na vida do povo brasileiro, especialmente diante da previsão de aplicação imediata dos referidos direitos e garantias. Nesse sentir, a saúde passa à condição de direito de todos e dever do Estado, o qual deverá ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, além de garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196 da CF/88). Alcançar os fins almejados pelo constituinte para a área da saúde é o grande desafio que se impõe ao Sistema Único de Saúde e aos seus gestores. Para tanto, diversas políticas públicas têm sido estruturadas na tentativa de estabelecer ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação de doenças e agravos de saúde. Em meados da década de 90, e procurando atender as diretrizes e princípios estabelecidos pelo SUS, foi instituída a Política Nacional de Atenção Oncológica – PNAO, na tentativa de esboçar uma política pública que buscasse atingir o máximo de eficiência e que fosse capaz de dar respostas efetivas ao integral atendimento aos pacientes com câncer, com ênfase na prevenção, detecção precoce, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos. No entanto, muitas ações judiciais têm sido propostas com pedidos de medicamentos antineoplásicos. Essas ações vêm cercadas de muita complexidade, tanto nos aspectos processuais quanto nos aspectos materiais, especialmente em razão dos altos custos dos fármacos mais solicitados nessas demandas, bem como pela necessidade de serem balizadas as evidências científicas desses medicamentos em relação aos tratamentos propostos. A jurisprudência nessa área, apesar dos contornos já delineados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ainda está em pleno processo de construção, razão pela qual o presente estudo se coloca na perspectiva de contribuir para a efetiva, eficaz e eficiente prestação jurisdicional nessas ações, com foco na concretização dos direitos fundamentais sociais. Diante desse cenário e utilizando-se da pesquisa explicativa, bibliográfica e documental, foram analisadas 108 ações judiciais em trâmite perante a Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte, buscando identificar como os órgãos do Poder Judiciário se portam diante das ações judiciais que pleiteiam medicamentos oncológicos (ou antineoplásicos), procurando compatibilizar os princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais que envolvem a temática, na tentativa de contribuir para uma racionalização dessa prática judiciária. Ao final, considerando o Uso Racional de Medicamentos e a ideia de pertencimento do SUS ao povo brasileiro, conclui-se que, nas demandas de saúde, o Judiciário pátrio necessita lastrear suas decisões em parâmetros de medicina baseada em evidências, compatibilizando nessas decisões os princípios constitucionais que albergam o direito à saúde e as conclusões científicas de eficácia, efetividade e eficiência dos medicamentos oncológicos, quando em comparação aos tratamentos oferecidos pelo SUS.

(9)

The 1988 Federal Constitution of Brazil by presenting the catalog of fundamental rights and guarantees (Title II) provides expressly that such rights reach the social, economic and cultural rights (art. 6 of CF/88) as a means not only to ratify the civil and political rights, but also to make them effective and practical in the life of the Brazilian people, particularly in the prediction of immediate application of those rights and guarantees. In this sense, health goes through condition of universal right and duty of the State, which should be guaranteed by social and economic policies aimed at reducing the risk of disease and other hazards, in addition to ensuring universal and equal access to actions and services for its promotion, protection and recovery (Article 196 by CF/88). Achieving the purposes aimed by the constituent to the area of health is the great challenge that requires the Health System and its managers. To this end, several policies have been structured in an attempt to establish actions and services for the promotion, protection and rehabilitation of diseases and disorders to health. In the mid-90s, in order to meet the guidelines and principles established by the SUS, it was established the Política Nacional de Atenção Oncológica – PNAO, in an attempt to sketch out a public policy that sought to achieve maximum efficiency and to be able to give answers integral to effective care for patients with cancer, with emphasis on prevention, early detection, diagnosis, treatment, rehabilitation and palliative care. However, many lawsuits have been proposed with applications for anticancer drugs. These actions have become very complex, both in the procedural aspects and in all material ones, especially due to the high-cost drugs more requested these demands, as well as need to be buoyed by the scientific evidence of these drugs in relation to proposed treatments. The jurisprudence in this area, although the orientations as outlined by the Parliament of Supreme Court is still in the process of construction, this study is thus placed in the perspective of contributing to the effective and efficient adjudication in these actions, with focus on achieving the fundamental social rights. Given this scenario and using research explanatory literature and documents were examined 108 lawsuits pending in the Federal Court in Rio Grande do Norte, trying to identify the organs of the Judiciary behave in the face of lawsuits that seeking oncology drugs (or antineoplastic), seeking to reconcile the principles and constitutional laws and infra constitutional involving the theme in an attempt to contribute to a rationalization of this judicial practice. Finally, considering the Rational Use of health demands and the idea of belonging to the Brazilian people SUS, it is concluded that the judicial power requires ballast parameters of their decisions on evidence-based medicine, aligning these decisions housing constitutional principles that the right to health and the scientific conclusions of efficacy, effectiveness and efficiency in oncology drugs, when compared to the treatments offered by SUS.

(10)

Figura 1: interação entre os níveis de atenção no SUS...

139

Figura 2: Mapa contendo os estabelecimentos credenciados à

PNAO, distribuídos pelos Estados da federação... 185

Figura 3: Distribuição percentual da frequência realizada x

Distribuição percentual do valor gasto pelo SUS entre os

estabelecimentos públicos e privados... 215

Figura 4: Evolução temporal dos medicamentos pleiteados em ações

judiciais perante a Justiça Federal, Seção Judiciária do Estado do Rio

Grande do Norte, tendo a União como ré... 231

(11)

Tabela 1: Gastos realizados pelo Ministério da Saúde – 2006/2009...

157

Tabela 2: Número de estabelecimentos credenciados à

PNAO, distribuídos pelos Estados da federação... 186

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ABRASCO - Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

ADCT - Atos das Disposições Constitucionais Transitórias

ADIn - Ação Direta de Inconstitucionalidade

AE - Avaliação Econômica

AES - Avaliação Econômica em Saúde

AIH - Autorização para Internação Hospitalar

AIS - Ações Integradas de Saúde

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APAC - Autorização para Procedimentos de Alta Complexidade

ATS - Avaliação Tecnológica em Saúde

CACON - Centros de Assistência de Alta complexidade em Oncologia

CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões

CEAF - Componente Especializado da Assistência Farmacêutica

CEBES - Centros Brasileiros de Estudos da Saúde

CEME – Central de Medicamentos

CF/88 - Constituição Federal de 1988

CFM - Conselho Federal de Medicina

CIB - Comissão Intergestores Bipartite

CIT - Comissão Intergestores Tripartite

CITEC - Comissão de Incorporação de Tecnologia

CNES - Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

CNS - Conselho Nacional de Saúde

CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde

CONASP - Conselho Consultivo de Administração da Saúde Previdenciária

CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde

CPC - Código de Processo Civil

CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos de Natureza Financeira

CRACON - Centro de Referência de Alta Complexidade em Oncologia

DESC - Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

DMP - Departamento de Medicina Preventiva

DNSP - Departamento Nacional de Saúde Pública

EC- Emenda Constitucional

EMAD - Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar

EMAP - Equipes Multiprofissionais de Apoio

FAEC - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação

FPO - Ficha de Programação Orçamentária

GM/MS - Gabinete do Ministro/Ministério da Saúde

IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões

(13)

LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social

MAC - Média e Alta Complexidade no SUS

MBE - Medicina Baseada em Evidências

MES - Ministério da Educação e Saúde

MESP - Ministério da Educação e Saúde Pública

NOAS - Normas Operacionais de Assistência à Saúde

NOBs - Normas Operacionais Básicas

OMS - Organização Mundial de Saúde

PCDTs - Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS

PIB - Produto Interno Bruto

PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios

PNAF - Política Nacional da Assistência Farmacêutica

PNAO - Política Nacional de Atenção Oncológica

PNM - Política Nacional de Medicamentos

PNS - Plano Nacional de Saúde

PPA - Plano de Pronta Ação

PPI - Programação Pactuada Integrada

PSF - Programa Saúde da Família

RHC - Registros de Casos de Câncer

SAS/MS - Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde

SCTIE - Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde

SESP - Serviço Especial de Saúde Pública

SIA/SUS - Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS

SICAU - Sistema Integrado de Controle das Ações da União

SIOPS - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde

SNC - Serviço Nacional de Câncer

STF - Supremo Tribunal Federal

SUDS - Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

SUS - Sistema Único de Saúde

SVS - Secretaria de Vigilância em Saúde

TCU - Tribunal de Contas da União

TFD - Tratamento Fora do Domicílio

UNACON - Unidades de Assistência de Alta complexidade em Oncologia

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2 O DIREITO À SAÚDE À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS - DELINEANDO

CONCEITOS - DELINEANDO CONCEITOS... 21

2.1 OS DIREITOS SOCIAIS ENQUANTO CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988... 44

2.1.1 A fundamentalidade formal e material dos direitos sociais... 50

2.1.2 A abertura material do catálogo dos direitos sociais... 55

2.1.3 A eficácia, a efetividade e a justicialidade dos direitos sociais no direito brasileiro... 61

2.2 DIREITO À SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL... 67

3 O DIREITO À SAÚDE NO BRASIL ANTES DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988 – UMA NECESSÁRIA LEMBRANÇA... 70

3.1 A SAÚDE NO BRASIL DURANTE O PERÍODO COLONIAL E IMPERIAL... 72

3.2 DA PRIMEIRA REPÚBLICA ATÉ 1920: O RECONHECIMENTO DA NECESSÁRIA INSTITUIÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONA DE SAÚDE... 76

3.3 A SAÚDE PÚBLICA: DA REVOLUÇÃO DE 1930 AO PERÍODO DEMOCRÁTICO DE 1964... 82

3.4 A SAÚDE DURANTE OS GOVERNOS MILITARES... 92

3.5 DOS MOVIMENTOS SANITARISTAS E SOCIAIS QUE ANTECEDERAM A CONSTITUIÇÃO DE 1988... 99

4 O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) E A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO ENFOQUE SOBRE A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE EM NOSSO PAÍS... 108

4.1 FINALIDADES E OBJETIVOS... 110

4.2 PRINCÍPIOS REITORES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)... 112

4.2.1 Princípio da universalidade... 115

4.2.2 Princípio da equidade ou da igualdade no SUS... 117

4.2.3 Princípio da integralidade da assistência à saúde no SUS... 119

4.2.4 princípio da descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo... 124

4.2.5 princípio da participação popular... 127

4.3 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO SUS... 131

4.4 REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES/COMPETÊNCIAS... 141

(15)

IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA... 169

5.1.1 Eventos ou agravos cobertos... 176

5.2 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DA REDE DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA... 182

5.3 PROCESSO DE CREDENCIAMENTO DOS HOSPITAIS E CLÍNICAS CONVENIADAS E AVALIAÇÃO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS... 188

5.4 PROCEDIMENTOS PARA FORMALIZAÇÃO DOS PROTOCOLOS E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS NO SUS... 192

5.4.1 Iniciativa... 197

5.4.2 Formalização... 198

5.4.3 Finalização do procedimento de formalização dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas no SUS... 201

5.5 FORMAS E PROCEDIMENTO DE PAGAMENTO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS AOS BENEFICIÁRIOS DO SUS... 208

5.6 SISTEMA DE AFERIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NA ÁREA DA ONCOLOGIA... 218

6 A "JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE" E DA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENÇÃO ONCOLÓGICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA JURISPRUDÊNCIA E DA PRAXE JURÍDICA... 223

6.1 ASPECTOS GERAIS DESSE TIPO DE DEMANDA JUDICIAL... 228

6.2 A POSIÇÃO JURISPRUDENCIAL DEFININDO OS CONTORNOS PARADIGMÁTICOS DA PRAXE JURÍDICA... 240

6.2.1 O delineamento jurisprudencial no tocante às questões processuais e procedimentais ... 247

6.2.1.1 Quanto à constituição dos pólos ativo e passivo das demandas de saúde... 248

6.2.1.2 O papel e a importância da instrução probatória nas demandas de saúde... 261

6.2.2 o delineamento jurisprudencial no tocante às questões de ordem material... 266

6.3 PONTOS VULNERÁVEIS DA PNAO QUE INFLUENCIAM NAS DECISÕES JUDICIAIS QUE PLEITEIAM MEDICAMENTOS ONCOLÓGICOS... 275

6.4 QUEM TEM MEDO DA VERDADE - GOVERNO OU CREDENCIADOS? 278 6.5 A "JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE" E SEUS REFLEXOS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE... 282

6.5.1 Reflexos positivos... 283

6.5.2 Reflexos negativos... 284

6.5.2.1 Afetação ao princípio da descentralização político-administrativa do sus... 284

6.5.2.2 Natureza predominantemente individual das demandas de saúde X Princípios da universalidade e equidade do SUS... 286

6.5.2.3 Perda do controle do tratamento e dos recursos nele empregados pelo sus 288 7 CONCLUSÃO... 291

REFERÊNCIAS... 299

(16)

1 INTRODUÇÃO

A Carta Constitucional de 1988, fruto de uma participação popular mais efetiva,

contém normas(aqui entendidas no seu sentido mais amplo, englobando regras e princípios)

que garantem e asseguram os Direitos Fundamentais e Sociais, razão pela qual veio despertar

um novo olhar dos cidadãos e cidadãs brasileiras sobre determinados temas ou problemas

sociais, os quais, apesar de existirem ao longo da história deste País, não eram submetidos ao

crivo da exigência ou de obrigação positiva por parte do Estado Brasileiro, tampouco eram

levados à apreciação do Poder Judiciário, por um pensamento então reinante no sentido de

que o Sistema Jurídico pátrio não lhe dava guarida.

Assim aconteceu com alguns direitos sociais, entre eles o Direito à Saúde e a sua

efetividade. Em seu artigo 5º, § 1º, a vigente Carta Constitucional Brasileira admite o

alargamento das hipóteses de eficácia imediata das normas que compõem o complexo de

direitos fundamentais, inclusive os sociais.

E é exatamente nesse panorama sócio-jurídico que se origina um despertar social

para essa problemática, ao ponto de estarmos presenciando um crescente número de

reclamações administrativas nos diversos órgãos de ouvidoria relacionados a essa questão

(Ministério da Saúde, Conselhos de Saúde, Órgãos do Ministério Público Estadual ou Federal,

entre outras), bem como um número cada vez mais significativo de ações judiciais

envolvendo esse tema.

Nas ações judiciais têm sido veiculados pedidos envolvendo diversos objetos em

torno da questão da saúde, desde medicamentos de valor ínfimo (que são pedidos porque o

usuário vai ao Posto de Saúde próximo de sua casa e não encontra tal medicamento no

estoque daquele órgão de saúde), passando por solicitação ou autorização judicial para a

realização de procedimentos médicos ou cirúrgicos, de média e alta complexidade, além de

(17)

Todas essas demandas judiciais vêm fundadas em preceitos constitucionais, de modo

particular, invocam a garantia do Direito à Saúde e a Dignidade da Pessoa Humana –

assegurados no texto constitucional.

Aliás, ante essa crescente procura pelo Poder Judiciário com pedido de concessão de

antecipação de tutela, os magistrados e demais operadores direito – especialmente os

advogados públicos -, se veem envoltos em preocupações que exigem cada vez mais

conhecimentos técnicos acerca dos objetos trazidos nessas ações, especialmente porque se

está a tratar – muitas vezes – diretamente com iminentes riscos de vida dos demandantes.

A comunidade jurídica pátria tem divergido acerca da possibilidade e limites da

intervenção do Poder Judiciário em relação às ações judiciais que têm por objeto bens ou

serviços da área saúde e ao fornecimento gratuito de medicamentos. Não obstante as

divergências doutrinárias e jurisprudenciais, nesse particular, admitir-se-á no presente estudo

a intervenção do Judiciário nas políticas de saúde, especialmente no tocante à apreciação de

demandas judiciais que objetivem a prestação de tutela envolvendo medicamentos,

procedimentos e insumos da área da saúde, ainda que essa atuação deva ter como elemento

norteador a autocontenção do Poder Judiciário.

Assim, caberá ao Poder Judiciário atuar sob três grandes linhas: a) para fazer

respeitar e/ou concretizar as opções legislativas e administrativas formuladas pelos demais

Poderes da União, relativamente às políticas públicas de saúde; b) retirar do mundo jurídico o

que estiver em desacordo com os princípios e normas que regem o direito à saúde em nosso

direito pátrio; ou c) em não havendo lei ou ato administrativo-normativo implementando as

normas constitucionais, sua atuação deve se pautar no sentido de dar concretude e efetividade

às regras e princípios constitucionais, especialmente os garantidores de direitos fundamentais.

A prática judiciária tem demonstrado que as diversas ações judiciais que tratam de

(18)

a União, Estado e Municípios -, vêm sempre amparadas ou subsidiadas por receituário

médico, prescrito por médicos pertencente a quadro de pessoal do próprio Sistema Único de

Saúde – SUS ou de estabelecimentos a ele credenciados, o qual tem sido utilizado pelos

julgadores como fundamento para a concessão de pedidos de tutela antecipada.

Não se pode perder de vista que não é possível impor limitações às inovações

tecnológicas em saúde, especialmente no que diz respeito às novas formulações

farmacológicas, órteses, próteses e constantes descobertas nas áreas médicas, genética e

biociência, porque tais descobertas e avanços é que permitem o desenvolvimento e

aprimoramento na qualidade de vida dos povos.

Mas também, não se pode deixar de reconhecer que, diferentemente de outras áreas

do conhecimento, a descoberta de novas tecnologias em saúde não determina o abandono das

terapias ou tratamentos já utilizados, de maneira que é preciso que tanto a comunidade

científica, bem assim, os operadores do Direito (aqui com ênfase nos órgãos do Poder

Judiciário) percebam que muitas vezes os novos procedimentos e medicamentos são

incorporados pelos profissionais da saúde, mesmo quando não se tem comprovação de

evidências científicas de superioridade do novo sobre os medicamentos e procedimentos já

utilizados na prática médica. Aliás, é comum que as novas descobertas em saúde sejam

utilizadas, concomitantemente como as antigas, como é o caso dos exames de ressonância

magnética que não excluem o uso das tomografias computadorizadas, para a descoberta de

determinados agravos.

Por outro lado, as novas e inacabáveis prestações de saúde, incessantemente em

movimento, muitas vezes trazem consigo o valor econômico dessas descobertas, o que

implica em seus elevados custos - principalmente para sistemas públicos de saúde como o

brasileiro, pautado pela universalidade e integralidade - colocando em confronto dois valores

(19)

Encontra-se também em evidência a crescente necessidade de melhoria na qualidade

de vida dos seres humanos. Nesse contexto, sobrelevam-se os valores circundantes do

também e não menos expressivo crescimento do mercado de medicamento, cujos lucros são

fabulosos e movimentam diversas economias ao redor do mundo, trazendo por consequência

altos investimentos da indústria farmacêutica nesse setor produtivo.

Por sua vez, a questão econômica que circunda o pedido de fornecimento de

medicamento para tratamento oncológico não pode ser desconsiderada, ainda que não se

queira, a princípio, restringir a discussão em torno da mera aplicação do princípio da reserva

do possível, em sua versão estritamente econômica.

Assim, necessário se faz compatibilizar todos estes parâmetros (jurídicos, sociais, de

saúde pública, econômicos entre outros) como forma de viabilizar não apenas o direito à

saúde de cada brasileiro ou brasileira, mas, principalmente, como forma de racionalizar e até

se for o caso, reduzir o crescente número de demandas judiciais – agravando cada vez mais o

retardo na prestação jurisdicional pátria –, garantindo o atendimento igualitário, necessário e

suficiente à plena realização da cidadania em nosso país.

O que se busca através deste estudo é, exatamente, analisar como a doutrina e a

jurisprudência pátria se portam diante das ações judiciais que pleiteiam medicamentos

oncológicos (ou antineoplásicos), sob a ótica dos princípios e normas constitucionais e

infraconstitucionais, procurando compatibilizá-las com os parâmetros jurídicos, econômicos e

sociais relacionados à temática.

Utilizando-se da pesquisa explicativa, através da pesquisa bibliográfica e documental

(legislativa e jurisprudencial), buscar-se-á apontar caminhos para uma racionalização das

demandas judiciais envolvendo medicamentos oncológicos (antineoplásicos) ou permitindo

maior clareza dos reais motivos que dão sustentação a essa prática judiciária, possibilitando a

(20)

de políticas públicas voltadas para a plena realização do Direito à Saúde e da Dignidade da

Pessoa Humana.

Cônscio dos limites impostos ao presente estudo, em razão da complexidade da

matéria de fundo – direito à saúde - e com a pretensão de fazer apenas uma abordagem

panorâmica, localizada e sistêmica, optou-se por efetuar um corte metodológico na referida

matéria, focando a análise apenas sobre a Política Nacional de Atenção Oncológica do SUS,

vista sob a ótica da jurisprudência pátria e dos pedidos de medicamentos oncológicos.

Outrossim, dado o caráter pontual de que o presente estudo se reveste, e na tentativa de não

deixar de apontar as suas restrições, optou-se pelo resgate das questões basilares relativas à

área geral da saúde pública em nosso país, com ênfase para as questões suscitadas em cada

texto constitucional que teve vigência no Brasil.

Na tentativa de alcançar os objetivos acima propostos, estabelecemos um

procedimento organizacional do texto, de maneira que a análise perpassasse num primeiro

momento as ideias conceituais da teoria dos direitos fundamentais, numa sequência

lógico-formal, que vai desde a conceituação de direitos fundamentais e engloba os demais conceitos

e temáticas voltadas para as normas jusfundamentais sociais, entre elas o direito à saúde.

No intuito de permitir maior compatibilidade entre as informações dos dados

colhidos na pesquisa doutrinária, jurisprudencial e documental, num segundo momento será

feita uma análise descritiva acerca do tratamento constitucional dado à temática do direito à

saúde, em cada um dos períodos históricos do Brasil, até a vigência da atual Carta Magna,

onde expressamente o direito à saúde foi incorporado ao catálogo de direitos fundamentais.

Na sequência, aprofundando as novidades advindas do novel texto constitucional de

1988, serão traçadas as características conceituais, principiológicas, estruturais,

organizacionais e de repartição de competências dos entes federados, na viabilização do então

(21)

políticas públicas de saúde implantadas no país após a vigência da CF/88, principalmente com

a promulgação da Lei Orgânica da Saúde – Lei nº 8.080/90.

A partir desse aporte jurídico-administrativo, trazido pelo Sistema Único de Saúde

(SUS), serão estabelecidas as bases e o delineamento da Política Nacional de Atenção

Oncológica (PNAO), na tentativa de clarificar os seus objetos, procedimentos e forma de

execução, especialmente no que concerne aos elementos que diferenciam essa política pública

da mera execução das demais políticas de assistência farmacêutica do SUS.

Estabelecidas as premissas jusfundamentais e do direito à saúde, as bases filosóficas

e principiológicas do sistema público de saúde no Brasil (SUS), bem assim os contornos da

Política Nacional de Atenção Oncológica, buscar-se-á compreender o fenômeno da

“judicialização da saúde”, tomando como ponto de inflexão, a construção jurisprudencial em

torno das ações judiciais cujos objetos estejam relacionados à área da oncologia. Para a

consecução deste capítulo, foram feitas consultas aos bancos de dados dos diversos tribunais

pátrios, especialmente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, além da

análise das peças e atos processuais produzidos nas 108 ações judiciais com objetos

vinculados à oncologia, em trâmite perante as diversas varas que compõem a Justiça Federal -

Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte -, nas quais a UNIÃO FEDERAL tenha

sido citada ou intimada até 30/06/2010. A delimitação do campo de pesquisa apenas às ações

judiciais em trâmite perante as diversas Varas Federais da Seção Judiciária do Estado do Rio

Grande do Norte e nas quais a União Federal (Administração Direta) integrasse o polo

passivo se deveu ao fato desses processos encontrarem-se digitalizados, na íntegra, no

Sistema Integrado de Ações Judiciais da União (SICAU) e, portanto, de fácil acesso para

pesquisa e análise dos dados, objeto do presente estudo. Por sua vez, o estabelecimento de um

marco final (citação ou intimação até 30/06/2010) também se deu em função da necessidade

(22)

Nesse desiderato, serão balizados os conhecimentos jurídicos obtidos (a partir da

pesquisa bibliográfica) e os dados da pesquisa documental, na perspectiva de se estabelecerem

os elementos da crítica (positiva e negativa) e se construírem perspectivas de melhoria não

(23)

2 O DIREITO À SAÚDE À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS – DELINEANDO CONCEITOS

O estudo, ora levado a efeito, tem por finalidade analisar o direito à saúde e a

dispensação de medicamentos1 oncológicos (ou antineoplásicos) sob a ótica do atual sistema

constitucional brasileiro, temática que tem sido enquadrada entre os direitos sociais da Carta

Magna em referência (caput do art. 6º da CF/88). Em razão disso, necessário se faz uma

análise panorâmica do enquadramento dessa temática entre os direitos fundamentais

decorrentes desse mesmo sistema jurídico2.

Para que se possa trilhar nessa árdua tarefa, e tendo em vista a complexidade com

que tem sido tratado o estudo dos direitos fundamentais3, impõe-se o delineamento (ainda que

para efeito didático) de alguns elementos conceituais que circundam a matéria4, possibilitando

não apenas a compreensão do tema a que se propõe a discorrer5, mas, principalmente, como

fonte de sedimentação dos conhecimentos jurídico-filosóficos alicerçados pela doutrina e

estudiosos que se dedicam ao tema dos direitos fundamentais ou do estabelecimento de uma

teoria geral desses mesmos direitos.

1 “Dispensación (dispensing, prescription dispensing). Acto profesional farmacéutico de proporcionar uno o más medicamentos a un paciente, generalmente como respuesta a la presentación de una receta elaborada por un profesional autorizado” Tradução livre: “A dispensação é o ato farmacêutico de distribuir um ou mais medicamentos a um paciente em resposta a uma prescrição elaborada por um profissional autorizado” (ARIAS, Thomas D., Glossário de medicamentos: desarrollo, evaluación y uso, p. 74).

2 Eros Grau define sistema jurídico como uma ordem teleológica de princípios gerais de direito, como um sistema aberto, não fechado. Aberto no sentido de que é incompleto, evolui e se modifica. E complementa: “Desde essas verificações e com esse significado é que devemos reconhecer o direito como um sistema, o que o transforma em objeto de um pensar sistemático e, em especial, permite-nos interpretá-lo no contexto sistêmico, ou seja, sistematicamente”. (Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 22-23).

3

Nesse sentido merece destaque as considerações de Nagibe de Melo Jorge Neto, O controle jurisdicional das políticas públicas: concretizando a democracia e os direitos sociais fundamentais, p. 29.

4 Referindo-se à necessidade de se estabelecerem conceitos, principalmente no âmbito do discurso jurídico científico, João dos Passos Martins Neto chega a afirmar que “As palavras constituem, então, armadilhas perigosas para o discurso científico. O seu uso, neste, desacompanhado da preocupação em fixar com precisão o significado atribuído dentre as várias possibilidades de escolha, ameaça debilitar a coerência do raciocínio, expondo-o a toda sorte de objeções, bem como, e mais que tudo, prejudica a eficácia da comunicação e do entendimento” (João dos Passos Martins Neto, Direitos fundamentais : conceito, função e tipos, p. 17).

5

(24)

A primeira dificuldade se revela a partir das discussões acerca da escolha de uma

expressão que possa representar e identificar o objeto em estudo. Apesar do presente tópico,

aqui em análise, trazer a expressão “direitos fundamentais”, outras denominações são

utilizadas (tanto pela doutrina, pela jurisprudência e até mesmo nos textos legais positivados),

tais como direitos humanos, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos do

homem, direitos fundamentais do homem6.

Boa parte dessas terminologias, e suas variações, vêm sendo rechaçadas pela

moderna doutrina constitucional, dado o reconhecimento de que estes termos apresentam-se

genéricos, anacrônicos ou dissociados da evolução histórico-social dos direitos fundamentais

(internacionalmente ou no plano de cada Estado)7.

É bem verdade que a designação do presente instituto jurídico não se desnatura com

a mera indicação ou opção por qualquer das denominações acima explicitadas, mas a

definição por uma delas pode revelar como o estudioso compreende e admite o significado

técnico-jurídico desse instituto8, também pode apontar para concepções jurídicas

diferenciadas, no que diz respeito à teoria geral dos direitos fundamentais, tema sobre o qual

serão tecidas considerações no desenvolvimento da referida temática.

A designação “direitos fundamentais” tem obtido uma maior aceitação dos

estudiosos desse assunto, talvez pela correlação que se faz entre essa expressão e a própria

conceituação do instituto jurídico em apreço9. No que diz respeito à novel Carta

6 Esse posicionamento compartilha do entendimento de Marcus Vinicius Ribeiro, Direitos Humanos e Fundamentais, p. 17.

7 Assim tem entendido Ingo Wolfgan Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 28.

8 “O estudo dos direitos fundamentais implica, contudo, necessariamente, uma tomada de posição quanto ao enfoque adotado, bem como no que diz com o método de trabalho. Há que optar por uma (ou algumas) das múltiplas possibilidades que se oferecem aos que pretendem se dedicar ao enfrentamento de tão vasto e relevante universo temático” (Ingo Wolfgan Sarlet, ibid., p. 22)

(25)

Constitucional brasileira, tal expressão foi a escolhida pelo constituinte pátrio para descrever e

encabeçar, explicitamente, o catálogo de direitos instituídos no Título II do referido texto

constitucional10.

Alguns autores, porém, têm optado pela expressão “direitos humanos fundamentais”

e, embora tal terminologia não venha a pacificar a celeuma aqui delineada, dá relevo à

fundamentalidade11 material do referido termo, principalmente por englobar direitos

fundamentais de matriz do direito interno quanto do direito internacional12.

O fato é que “os direitos fundamentais são, de certo modo, direitos humanos porque

o seu titular sempre será o ser humano”13, daí decorrer a existência de relação de gênero e

espécie entre tais expressões, onde, majoritariamente, tem se admitido que os direitos

fundamentais (espécie) são os direitos humanos (gênero) positivados – afirmação que será

melhor explicitada ao final deste tópico.

Aliás, Artur Cortez Bonifácio14, examinando as diversas expressões utilizadas para

designar os direitos fundamentais conclui que elas não devem ser vistas de forma isolada, mas

10

Embora Ingo Wolgang Sarlet, não deixe de consignar que o texto constitucional brasileiro de 1988 também se caracteriza, nesse particular, pela diversidade semântica, utilizando diversos termos para ao se referir aos direitos fundamentais: direitos humanos (art. 4º, II), direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II, e art. 5º, § 1º), direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI) e direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV) (Ingo Wolgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 27).

11 Aliás, talvez aqui resida a maior necessidade de se estabelecer um elemento conceitual que ajude a reconhecer e diferenciar os direitos “fundamentais” dos “não-fundamentais” num mesmo texto constitucional. Nesse sentido: “De fato, a incorporação do adjetivo fundamental ao substantivo direito, quando empregada essa palavra no sentido subjetivo, não só indica que existem direitos subjetivos fundamentais e direitos subjetivos não-fundamentais, como também que o segredo a diferenciação entre uns e outros está na fundamentalidade dos primeiros e na não-fundamentalidade dos segundos. Por isso, uma primeira aproximação à temática dos direitos fundamentais requer a iluminação do significado do adjetivo fundamental, porque é nele, ao indicar uma qualidade das muitas posições subjetivas correspondentes. Assim, há que começar examinando o que, afinal, significa para um direito subjetivo o seu ser fundamental em confronto com aqueles outros que não o são, ou então, o que dá no mesmo, qual é o sentido dessa qualidade acrescida que permite extremar uns e outros. (João dos Passos Martins Neto, op. Cit., p. 79)

12 “[...] Neste mesmo contexto, seguimos entendendo que o termo “direitos humanos fundamentais”, embora não tenha o condão de afastar a pertinência da distinção traçada entre direitos humanos e direitos fundamentais (com base em alguns critérios, como já frisado), revela, contudo, a nítida vantagem de ressaltar, relativamente aos direitos humanos de matriz internacional, que também estes dizem com o reconhecimento e proteção de certos valores e reivindicações essenciais de todos os seres humanos, destacando, neste sentido, a fundamentalidade em sentido material, que – diversamente da fundamentalidade formal – é comum aos direitos humanos e aos direitos fundamentais constitucionais [...]”. (Ingo Wolgang Sarlet, op. Cit., p. 33)

13

(26)

de forma complementar e convergentes, em função da dignidade da pessoa humana. Essa,

portanto, deve ser a postura que merece ser privilegiada no presente estudo, qual seja,

aglutinar todos os conhecimentos já sedimentados pela cultura jurídico-constitucional, de

forma complementar e convergente, com ênfase sempre na dignidade humana.

Não obstante toda essa gama de expressões, que poderiam designar o instituto

jurídico em análise, opta-se pela expressão “direitos fundamentais”, seja pelo fato de ter sido

esta a gravada na Constituição brasileira de 1988, seja porque tal termo facilitará a correlação

que se buscará fazer entre o objeto em estudo e o texto constitucional vigente em nosso país,

berço da análise que ora se pretende realizar.

Em função dessa diversidade de expressões e da multidisciplinariedade com que a

temática tem sido tratada pelas diversas ciências humanas15, a conceituação de “direitos

fundamentais” também tem apresentado algumas dificuldades para ser estabelecida16. Porém,

apesar de ser objeto de estudo ou tangenciar o âmbito de diversas ciências humanas, o

delineamento da conceituação aqui buscada deve se voltar para a teoria jurídica dos direitos

fundamentais, mais precisamente para aqueles direitos assim designados no âmbito da vigente

constituição brasileira17.

Mas tais dificuldades (as de definir os direitos fundamentais), não chegam a ser um

entrave para os estudiosos dessa matéria. Pelo contrário, elas são revertidas em elementos de

discussão, de aprofundamento e de sedimentação teóricos, principalmente porque os direitos

15

Na esteira do que alerta Alexy, “sobre os direitos fundamentais é possível formular teorias das mais variadas espécies. Teorias históricas, que explicam o desenvolvimento dos direitos fundamentais, teoria filosóficas, que se empenham em esclarecer seus fundamentos, e teorias sociológicas, sobre a função dos direitos fundamentais no sistema social, são apenas três exemplos. Difícil haver uma disciplina no âmbito das ciências humanas que, a partir de sua perspectiva e com seus métodos, não esteja em condições de contribuir com a discussão acerca dos direitos fundamentais” (Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 31).

16 João Maurício ressalta que a controvérsia em torno do conceito de direito fundamental espelha a herança da modernidade. (João Maurício Adeodato, A Retórica Constitucional, p. 190).

17

(27)

fundamentais “em que pese reconduzíveis a um núcleo axiológico básico, de extração

internacional, eles formalizam-se nos pactos constitucionais locais com significativas e

perceptíveis variações de número, forma e conteúdo”18, o que conduz a que essa

conceituação19 tome por base não apenas os aspectos comuns já traçados pela doutrina e

dogmática (externa e interna)20, mas que também leve em consideração as peculiaridades do

constitucionalismo pátrio, ou seja, da história constitucional do Estado onde se pretende

analisar tais direitos.

Nagibe de Melo Jorge Neto chega a afirmar, utilizando-se de uma veia poética, que

os direitos fundamentais são netos dos direitos naturais e filhos dos direitos humanos, ou seja,

que os direitos fundamentais são uma decorrência histórico-evolutiva dos direitos naturais, até

a sua positivação no âmbito internacional ou no ordenamento jurídico de um Estado. Embora

em seguida, esse mesmo autor conclua que a construção desse conceito histórico-evolutivo

ajude a “discernir, mas não soluciona, de modo definitivo o problema da definição e da

capitulação dos direitos fundamentais”, dada a necessidade de caracterizar a

fundamentalidade com a qual tais direitos são gravados 21.

18 Conforme detalha João dos Passos Martins Neto, op. cit, p. 9.

19

A conceituação dos institutos jurídicos tratados no presente estudo não é absoluta ou inflexível, ressalvando que “a imprecisão ou a fluidez das palavras constitucionais não lhes retiram a imediata aplicabilidade dentro do campo induvidoso de sua significação” (Celso Antonio Bandeira de Mello, Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais, p. 28).

20

“A dogmática tem por objeto o estudo de problemas jurídicos, a serem resolvidos mediante a aplicação, sobre as situações a que respeitam, das normas desse direito. Está voltada, assim, à indicação de critérios a serem adotados para a solução dos litígios”. (Eros Roberto Grau, O direito posto e o direito pressuposto, p. 38)

(28)

É possível trazer à baila algumas definições ou conceituações acerca dos direitos

fundamentais22, embora caiba registrar, a exemplo do que preceitua Sarlet, que qualquer

conceituação que almeje abranger de forma definitiva, completa e abstrata o conteúdo

material dos direitos fundamentais está fadada, no mínimo, a um certo grau de dissociação da

realidade de cada ordem constitucional, individualmente considerada23.

Nesse contexto, as definições de Direitos Fundamentais trazem como elementos

comuns, o fato de serem direitos público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos

em dispositivos constitucionais e, portanto, possuírem caráter normativo supremo dentro do

Estado que os instituem24, além de serem imprescindíveis à dignidade do homem (enquanto

homem) e “reconhecidos como tais pelo Estado e pela sociedade em qualquer circunstância de

tempo e lugar, os quais não se destinam a privilegiar castas ou setores sociais

individualizados, antes se dirigindo a todos os homens”25. Também caberia trazer a esse

contexto a nota da intangibilidade dos direitos fundamentais, capitaneada como direito

protegido contra a possibilidade de abolição legislativa e, atraindo, por esse caráter, as

22Analisando o conceito de direitos fundamentais para o sistema jurídico brasileiro: “De toda sorte, embora não possamos atingir o núcleo do conceito de uma maneira bem detalhada, podemos rodeá-lo e delimitá-lo com razoável precisão. Entre nós, os direitos fundamentais são aqueles listados no Título II, da Constituição da República Federativa do Brasil, mas não somente eles. Além destes, incluem-se todos os outros necessários para preservar e promover a dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil” (João dos Passos Martins Neto, op. Cit., p. 35). “Segue-se daí que, considerando a ordem jurídica nacional, verdadeiros direitos fundamentais (enquanto direitos subjetivos pétreos) serão somente aqueles que: a) configurarem relações de atribuição entre bens e pessoas geradas segundo normas jurídicas positivas, nessa medida incorporando todas as propriedades logicamente implicadas nesta idéia: prerrogativa de aproveitamento, correlação com um dever e possibilidade de reação coativa; b) e, além disso, estiverem ao abrigo da cláusula de rigidez absoluta prevista no art. 60, § 4º, da Constituição do Brasil de 1988, que declara inadmissível a proposta de emenda constitucional tendente a abolir ‘direitos e garantias individuais’” (João dos Passos Martins Neto, ibidem, p. 123).

23 Ingo Wolgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 76.

24 Na esteira do proposto por Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins, Teoria geral dos direitos fundamentais, p. 54. Também dando ênfase ao caráter de reconhecimento dos direitos humanos no plano constitucional: “Todos os direitos fundamentais – tanto os direitos sociais como os direitos de defesa da tradição liberal, os direitos democráticos, o direito à igualdade e os direitos de organização e procedimento – são uma institucionalização dos direitos humanos no plano constitucional” (Carlos Bernal Pulido, Conceitos e Estrutura dos Direitos Sociais: Uma Crítica a “Existem direitos sociais?” de Fernando Atria, p. 142)

(29)

seguintes propriedades: variáveis no tempo e no espaço; tendência a ser direito inerente à

condição humana; tendência à igualdade e direitos vocacionados à inalienabilidade26.

Porém, não se pode deixar de consignar que a exigência de positivação constitucional

não pode ser levada ao extremo de se querer que todos os enunciados de direitos fundamentais

estejam, expressamente, estampados no texto da Carta Magna. Nesse sentir, a conceituação de

direitos fundamentais, sob a ótica do constitucionalismo implantado pela Carta Magna

brasileira de 1988, não poderia deixar de abarcar a fundamentalidade formal e material dos

direitos fundamentais encartados nesse texto constitucional, elevadas que foram à condição de

necessárias e suficientes para tal delimitação.

Por sua vez, é a fundamentalidade material que permitirá a abertura da Constituição

para estender tal conceituação aos direitos que se encontram expressamente elencados no

catálogo dos direitos fundamentais27, àqueles expressos em outras partes do texto

constitucional, àqueles que integram os tratados internacionais de que o Brasil seja signatário,

bem como aqueles implícitos ou decorrentes do regime e dos princípios adotados pela própria

Constituição28.

26 Ver João dos Passos Martins Neto, ibid, p. 90-96. 27

Aprofundando o sentido da fundamentalidade formal e material, Ingo Sarlet foi enfático ao asseverar: “A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e resulta dos seguintes aspectos, devidamente adaptados: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, de tal sorte que – neste sentido – se cuida de direitos de natureza supralegal; b) na qualidade de normas constitucionais, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado) e materiais (cláusulas pétreas) da reforma constitucional (art. 60 da CF), cuidando-se, portanto (...) de direitos pétreos (...); c) por derradeiro, cuida-se de norma diretamente aplicáveis e que vinculam de forma imediata as entidades públicas e privadas (art. 5º, § 1º, da CF). A fundamentalidade material, por sua vez, decorre da circunstância de serem os direitos fundamentais elemento constitutivo da Constituição material, contendo decisões fundamentais sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade”. (ibidem, p. 74-75)

(30)

Os direitos fundamentais implícitos estão entre aqueles não escritos, ou seja, aqueles

que não foram objeto de previsão expressa pelo direito positivo (constitucional ou

internacional), e são entendidos como posições fundamentais subtendidas nas normas

definidoras de direitos e garantias fundamentais29.

Como se vê, na esteira do que até aqui se expôs, é de se destacar que os direitos

fundamentais nascem e se desenvolvem com as Constituições nas quais foram reconhecidos e

assegurados30, e este parece o núcleo diferencial nesta conceituação.

Assim, ao fim de aprofundado estudo sobre a concepção dos direitos fundamentais

na Constituição de 1988, e apoiando-se nos ensinamentos de Alexy, Ingo Sarlet31 consegue

delinear um conceito de direitos fundamentais que vem a atender aos parâmetros acima

explicitados, o qual é tomado para o fim aqui almejado, estando o mesmo assim vazado:

Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui considerada a abertura material do Catálogo).

Estabelecida tal conceituação, passa-se à análise dos elementos constitutivos da

teoria dos direitos fundamentais, o que será feito de forma sucinta, como forma de estabelecer

as devidas conexões com a temática a que ora se propõe neste estudo.

Parte-se da pressuposição de que a garantia e efetividade dos direitos fundamentais

(e também os fundamentais sociais) são coisas desejáveis e fins que merecem ser perseguidos

29

(Ingo Sarlet, op. Cit., p. 87). Em reforço a essa temática: “A ideia de abertura resulta de, por um lado, nenhum catálogo constitucional pretender esgotar o conjunto ou determinar o conteúdo dos direitos fundamentais, aceitando-se a existência de direitos não escritos ou de faculdades implícitas, e, por outro, de se esperarem gerações sucessivas de novos direitos ou de novas dimensões de direitos antigos, conforme as ameaças e as necessidades de protecção dos bens pessoais nas circunstâncias de cada época” (José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, p. 69)

30

(31)

pelo Estado e pelas próprias sociedades, mas que apesar dessa desejabilidade, muitos deles

ainda não foram reconhecidos ou, muitos até, mesmos reconhecidos, ainda aguardam

ansiosamente por efetividade e eficácia, o que exigirá da sociedade um longo caminho em sua

construção, sempre na perspectiva de vê-los amplamente reconhecidos e devidamente

concretizados, como bem assinalado por Norberto Bobbio32 ao tratar do reconhecimento dos

direitos humanos.

É de se registrar, inicialmente, que a história dos direitos fundamentais coincide com

a história das civilizações e da limitação do poder estatal33, tornando-se a partir de certos

momentos históricos até os dias atuais, uma realidade concreta e uma constante imposição,

ante a necessidade de promovê-los e protegê-los34. Complementando esse entendimento, Ana

Paula de Barcellos35 conclui que “em última análise, tanto o Estado como o Direito existem

para proteger e promover os direitos fundamentais, de modo que tais estruturas devem ser

compreendidas e interpretadas tendo em conta essa diretriz”. Aliás, essa é a premissa sob a

qual se assenta a presente análise e na qual se construirão as ideias relacionadas aos direitos

fundamentais aqui perquiridas.

Não se pode perder de vista que as evoluções ocorridas nas sociedades impuseram,

ao Estado, o estabelecimento de novos modelos jurídico-positivos ou de instrumentos legais

que garantissem a satisfação e realização dessas necessidades sociais36.

32 Norberto Bobbio, A era dos direitos, p. 35. 33

Ingo Sarlet, ibidem, p. 36.

34 Conforme Paulo Thadeu Gomes da Silva, Direitos fundamentais: contribuição para uma teoria geral, p. 13. 35 Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, p. 104.

36

(32)

Nesse sentido, e considerando que a positivação dos direitos fundamentais é produto

das lutas37 e conquistas sociais ao longo da história das civilizações38, é possível associar

essas conquistas às diversas fases jurídico-constitucionais no estabelecimento desses direitos,

denominados pela doutrina de “gerações” ou “dimensões”39. Deve-se desde logo registrar que

cada uma dessas fases não ocorre de forma dissociada da anterior, tampouco anula ou se

sobrepõe a cada uma delas. Pelo contrário, elas se interligam, mutuamente, e servem de base à

estruturação, sedimentação e ampliação do rol de direitos jusfundamentais já conquistados em

um determinado Estado40. Aliás, a ideia de acumulação dos direitos em cada momento da

história, como reforço aos direitos fundamentais já assegurados nas gerações anteriores é bem

delineado por José Carlos Vieira de Andrade41, quando este elenca, como ideias-força ou

37 Reforçando essa ideia, cabe trazer à baila as palavras do constitucionalista português quando do exame da historicidade dos direitos fundamentais: “É evidente que os direitos fundamentais surgem como resultado da luta histórica e que a sua consagração exprime o poder directo ou indirecto que os seus titulares e beneficiários dispõem na sociedade”, (José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976, p. 109)

38

Esse caráter dinâmico é bem descrito por AWAD quando afirma que “[...] conforme a sociedade vai evoluindo, vão surgindo novas exigências para a satisfação e realização das necessidades básicas do homem. Tal realidade leva a que a transformação dos direitos fundamentais seja dinâmica e acompanhe as evoluções sociais. Os direitos, dessa forma, crescem conforme o desenvolvimento das ambições humanas, evoluindo na medida da expansão cultural do homem. Assim, o homem pode concretizar os mais intrínsecos objetivos, como a liberdade e a igualdade, idealizados por ele. (Fahd Medeiros Awad, Crise dos direitos fundamentais sociais em decorrência do neoliberalismo, p. 30)

39 Defendendo a utilização da expressão GERAÇÕES em substituição à DIMENSÕES: “Tradicionalmente, os direitos fundamentais têm se classificado em ‘gerações’, termo este considerado impróprio por alguns autores, entre os quais se destaca Ingo Wolfgang Sarlet, por entenderem que a expressão ‘dimensão’ seria a mais adequada na medida em que substitui, com vantagem qualitativa, além de lógica, a palavra ‘geração’, na hipótese de significar essa mera sucessão cronológica, importando extinção dos direitos das anteriores gerações, o que não é correto. Não há exclusão ou extinção de direitos, senão, permanência e acumulação. Os direitos das gerações anteriores continuam com eficácia, formando a base sobre a qual se assentam novos direitos. Na verdade, trata-se, essencialmente, de uma confusão de ordem cronológica, não havendo, a rigor, contradição, pois não há, em princípio, discussão em relação à permanência ou ao conteúdo das dimensões ou gerações de direitos”(Fahd Medeiros Awad, Crise dos direitos fundamentais sociais em decorrência do neoliberalismo, p. 32).

40 “No Estado de Direito, a justiça ex-surgida do ordenamento se apresentava apenas formalmente. Garantiam-se as aspirações individuais de liberdade, fundada esta no dualismo Estado-Indivíduo. Impunha-se a maior abstenção do Poder Público como requisito da realização das prerrogativas fundamentais do homem. A essa concepção do Estado de Direito – supremo garantidor das aspirações individuais – acrescentou-se mais recentemente uma outra, qual seja, a de que ao Estado cabe não somente dispor formalmente sobre os direitos e garantias individuais, como também intervir normativa, administrativa e operacionalmente, visando concretamente tutelar as prerrogativas individuais”. (Modesto Souza Barros Carvalhosa, A ordem econômica na Constituição de 1969, p. 65). Reforçando esse argumento: “Gordillo assevera que o traço diferencial entre o pensamento liberal clássico e o do Estado Social (ele chama Estado de Bem-Estar) reside no fato de o primeiro apenas criar obstáculos ao Estado (preceitos negativos), enquanto que o segundo, sem elidir tais preceitos, imprime obrigações positivas (preceitos positivos)” (Paulo Lopo Saraiva, op. Cit., p. 17).

(33)

palavras-chave da história evolutiva dos direitos fundamentais, a acumulação, a variedade e a

abertura do rol desses direitos.

Considerando o entendimento supra e porque não é intenção deste estudo o

aprofundamento das discussões acima apontadas, utilizar-se-á a expressão “gerações” para

designar os direitos fundamentais e suas fases jurídico-constitucionais42, ratificando que tal

posicionamento se deve ao fato de se compreender que tal expressão abrange, fortalece e

amplia os direitos fundamentais sedimentados ao longo da história da humanidade, mantendo

a dinamicidade jurídica que os acompanha.

Tendo em vista que as diversas gerações de direitos – descritas e apresentadas pela

Teoria dos Direitos Fundamentais – se destinam, em última análise, a promover e resguardar a

dignidade da pessoa humana, da qual são autênticas manifestações43, não se pode deixar de

fazer uma descrição, ainda que sumária, destas, como forma de situar, a posteriori, a questão

do direito à saúde (a ser enfocada neste estudo).

É bem verdade que as gerações dos direitos fundamentais não podem ser vistas de

maneira estáticas, como se pudéssemos, a exemplo do que ocorre com um fotógrafo, dar

algumas paradas na história da humanidade e, em cada uma dessas paradas, identificar no

espaço e no tempo, a realização de determinados direitos fundamentais, de forma estanque44.

Isso se afirma porque é a dinamicidade da vida que faz os direitos fundamentais não apenas

surgirem – diante das necessidades e das especificações históricas da vida humana -, mas,

acima de tudo, fornecem elementos para que tais direitos sejam viabilizados e concretizados,

mesmo que esse processo leve décadas para se sedimentar.

42 O constitucionalista Paulo Bonavides prefere utilizar a expressão “gerações” (Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 571-572).

43 Clarice Sampaio Silva. Direitos fundamentais e relações especiais de sujeição: o caso dos agentes públicos, p. 51.

(34)

Como a seguir se delineará, as gerações dos direitos fundamentais devem servir de

guia para que a sociedade (e principalmente os estudiosos e aplicadores do direito) possa

verificar o grau de concretização e de constitucionalização dos direitos fundamentais na

história universal, bem como em determinado Estado, identificando os direitos fundamentais

que recebem relevo, ênfase ou prevalência em cada uma dessas fases da história, bem assim

podendo dissecar os elementos característicos desses direitos, a partir das suas finalidades e

objetivos.

Poder-se-ia até dizer que as primeiras fases da história da humanidade registram

fatos e situações que poderiam nos levar a pensar numa completa ausência de garantia de

direitos fundamentais nas sociedades primitivas e, até mesmo nas sociedades pré-modernas.

Mas só se poderia chegar a essa conclusão, se tomássemos, restritivamente, os direitos

fundamentais tão somente a partir da formalização desses direitos em textos legais e/ou

constitucionais. Mas se levarmos em consideração que os direitos fundamentais guardam

intrínseca relação de pertinência com o ser humano, razão única de sua existência,

chegaremos à conclusão de que tais direitos encontram proteção desde os tempos mais

remotos da história das civilizações.

Não se deve afirmar que nesse período da história das civilizações – período

primitivo e pré-moderno - houve, de fato, uma completa ausência de direitos fundamentais, na

medida em que os valores cristãos já eram praticados na vida em comunidade. O que

podemos registrar nessa fase histórico-social é a ausência de direitos fundamentais formais e

(35)

É a Revolução Francesa de 178945 que estabelece os objetivos e fins a serem

alcançados pelos direitos fundamentais: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Esses são os

pilares sob os quais se estruturam, histórica e universalmente, os direitos fundamentais. E

como bem apontou Bonavides, descoberta a fórmula da generalização e universalidade,

restava apenas fazer com que estes postulados fossem insculpidos na ordem jurídica

constitucional de cada Estado, positivando os direitos e conteúdos materiais ali declarados46.

Com as revoluções liberais, ocorridas por volta do final do século XVIII47, é possível

traçar um marco distintivo para o surgimento dos direitos fundamentais, em cujas ordens

jurídicas passam a constar as denominadas liberdades48, caracterizadas pela garantia de

abstenção estatal (em sua quase totalidade49) na vida privada, econômica e social.

Na verdade, não foram apenas as revoluções liberais que impuseram o

reconhecimento das liberdades como instrumento de realização do homem (enquanto

homem), mas este é fruto de todo o pensamento jurídico (e também político) então vigente

naquela fase da história universal, de modo especial, em função da nova classe social que

atingia o poder governamental: a classe burguesa.

Sob o amparo do constitucionalismo do Estado de Direito e ante a ruptura com o

sistema jurídico antigo-medieval, há uma afirmação de “uma sociedade que descobre a

45

Tratando do constitucionalismo implantado pela Revolução Francesa, Michel Rosenfeld destaca: “A Revolução Francesa foi realmente uma ruptura do ponto de vista de um regime constitucional bem-sucedido. Houve uma ruptura radical com o passado e a ideia da revolução contínua, de que a revolução tem uma vida própria, não tem ponto de parada, simplesmente deve continuar operando a revolução através da revolução”. (Michel Rosenfeld, A identidade do sujeito constitucional e estado democrático de direito, p. 38)

46 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 563.

47 Nesse sentido, Paulo Bonavides chega a afirmar que “A Revolução do Século XVIII, com as divisas da liberdade, igualdade e fraternidade, foi desencadeada para implantar um constitucionalismo concretizador de direitos fundamentais”. (Paulo Bonavides, O Estado Social e sua Evolução Rumo à Democracia Participativa, p. 70)

48 Na esteira do que se afirma: “São liberdades sem mais, puras autonomias sem condicionamentos de fim ou de função, responsabilidades privadas num espaço autodeterminado. (José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 51)

Imagem

Figura 1: Interação entre os níveis de atenção no SUS 259
Tabela 1: Gastos realizados pelo Ministério da Saúde – 2006/2009
Figura  2:  Mapa  contendo  os  Federação
Tabela 2: Número de estabelecimentos credenciados à PNAO, distribuídos pelos Estados da Federação  UF  CACON  UNACON  com RT  UNACON sem RT  HG com  CO  Serviços isolados de RT  AC  0  1  0  0  0  AL  2  0  2  0  0  AP  0  0  1  0  0  AM  0  1  0  0  0  BA

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