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A saliência perceptiva

AS RESPOSTAS CONCORDANTES RESPOSTAS

5. O S D ADOS DO P ORTUGUÊS E UROPEU : A NÁLISE

5.2. Os processos de acentuação secundária

5.2.2. A proeminência secundária inicial 1 A posição inicial

5.2.2.2. A saliência perceptiva

Um factor que constitui, em algumas línguas, uma das motivações básicas para a distribuição da proeminência secundária7 e que parece contribuir também a localização da

proeminência inicial do PE é o peso silábico, estabelecido com base na qualidade das vogais e não, como canonicamente considerado, na constituição da sílaba. Por exemplo, quando existe uma vogal não reduzida ou nasal na posição inicial de ω/ωmin (isto é, no

7 Por exemplo, a distribuição do acento secundário no Árabe Clássico e no Huasteco (cf. referência aos dados

destas línguas em Hayes 1995) é basicamente determinada pelo peso silábico, enquanto, no Finlandês e no Tarangan Ocidental, peso silábico e princípios rítmicos constituem duas motivações básicas cuja interacção determina a localização da proeminência secundária (cf. 2.2.1).

adjunto de uma ω ou num dos três CSs pré-tónicos iniciais de ω/ωmin), essa vogal não reduzida ou nasal recebe quase sempre a proeminência secundária, raramente se verificando a atribuição da proeminência inicial a uma vogal reduzida que co-ocorra nessa posição inicial. Assim, enquanto as vogais não reduzidas e nasais parecem constituir “vogais fortes”, que atraem o acento secundário inicial, as vogais reduzidas, [i, , u, ], funcionam como “vogais fracas”.

Na verdade, o que parece estar em causa é uma maior sonoridade vocálica que atrai o acento secundário: as vogais não reduzidas e nasais são mais frequentemente acentuadas, funcionando como vogais “pesadas”, “fortes”, ao passo que as vogais menos audíveis, as vogais reduzidas, funcionam como vogais “fracas”, sendo menos frequentemente acentuadas. No entanto, o peso silábico raramente tem sido referido na literatura sobre a fonologia do PE. Além disso, embora alguns autores já tenham relacionado a acentuação secundária com o peso silábico (cf. Lüdtke 1953 e Brandão de Carvalho 1988), também houve quem apresentasse razões importantes para defender a inexistência de quantidade vocálica no PE (cf. Pereira 1999: secção 4.3.3; Mateus e Andrade 2000: secção 6.3). O facto de pressupormos a não existência de quantidade vocálica no sistema fonológico do PE não invalida, todavia, a possibilidade de que a maior audibilidade das vogais8 as torne

um alvo privilegiado para a proeminência secundária. Nesse caso, estaríamos perante um tipo diferente de peso silábico.

Hayes (1995) refere precisamente a existência de dois tipos de peso silábico: a quantidade e a proeminência natural (raw prominence) ou saliência perceptiva. Enquanto a quantidade da sílaba corresponde à sua maior ou menor duração no tempo, a saliência perceptiva da sílaba reside nas propriedades fonéticas que a tornam mais ou menos audível, mais ou menos saliente do ponto de vista perceptivo:

There is a second sense in which syllable weight can be thought of: as raw prominence or perceptual salience. Heavy syllables, or syllables with high tone, or syllables with low vowels, and so on, tend to sound louder than other syllables. Normally this variation is phonologically irrelevant, but it appears that some

8 Pelo menos de um ponto de vista acústico, as vogais não reduzidas e as vogais nasais não arredondadas

apresentam uma maior duração e uma maior intensidade intrínsecas, de acordo com Delgado Martins (1975). É provável que esta diferença nos valores acústicos se reflicta em diferenças de perceptibilidade, de audibilidade.

languages take differences in prominence and phonologize them, making them the basis of true phonological stress rules. (Hayes 1995: 271)

Hayes (1995) só utiliza esta saliência perceptiva para explicar a computação do acento primário: projecta-se um plano temporário onde são indicadas as proeminências de cada sílaba; alinha-se a sílaba mais proeminente mais à direita ou mais à esquerda (dependendo da direcção da “Regra de Fim”) com uma marca na grelha métrica (dando origem ao acento primário); e apaga-se o plano das proeminências. No entanto, os dados do PE sugerem que este tipo de peso silábico, a saliência perceptiva, pode ser utilizado também para a atribuição da proeminência secundária.

Em primeiro lugar, a atracção da proeminência secundária por alguns CSs parece estar relacionada apenas com o tipo de vogal que estes apresentam: os acentos secundários são atraídos pelos CSs que incluem uma vogal forte, independentemente de o núcleo e a rima (da sílaba que deu origem ao CS) serem ou não complexos9 – cf. perplexidades

(proeminência secundária numa sílaba de núcleo simples constituído por uma vogal forte),

macro-mercantilismo (sílaba de núcleo simples constituído por uma vogal forte e pela

associação de um autossegmento nasal), os calcanhares (sílaba de rima complexa: núcleo simples com vogal forte e coda preenchida), cauteleiros (sílaba de núcleo complexo, constituído por uma vogal forte e uma semivogal). Como o peso silábico, na acentuação secundária do PE, se relaciona com a qualidade da vogal e não com uma constituição silábica mais complexa, que dê origem a uma maior duração no tempo, só podemos falar em proeminência natural e não em quantidade silábica.

Em segundo lugar, as vogais que tendem a atrair a proeminência secundária podem efectivamente apresentar uma maior audibilidade10: ou por serem nasais ou por serem

vogais mais abertas (as vogais não reduzidas são médias [e, o] ou baixas [ , a, ]). Os dados sugerem, pois, que a saliência perceptiva, ou proeminência natural das vogais, é utilizada com valor fonológico no processo de acentuação secundária do PE, funcionando as vogais não reduzidas e nasais como vogais “fortes”, que dão origem a unidades

9 Cf. secção 4.6.1.

“pesadas”, e as vogais reduzidas, [i, , u, ], como vogais “fracas”, originando unidades “leves”.

Como foi já referido brevemente (nomeadamente na secção anterior), é possível que as duas motivações básicas que associamos ao mesmo processo de acentuação secundária – a posição inicial em ω/ωmin e a saliência perceptiva – possam constituir dois processos acentuais diferentes que interagem: o processo de atribuição de uma proeminência inicial e o processo de atribuição de uma proeminência por saliência perceptiva. Esses dois processos poderiam interagir no sentido de ser atribuída uma única proeminência secundária (além do acento especial) por domínio: poderiam ocorrer proeminências iniciais, eventualmente associadas a vogais fortes para evitar a atribuição de várias proeminências num mesmo domínio (e.g. as proeminências sobre vogais fortes encontradas no nosso corpus), ou proeminências por saliência perceptiva11 não

obrigatoriamente localizadas na posição inicial de ω/ωmin. Esta hipótese terá de ser confirmada ou infirmada em trabalhos futuros.