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O papel da proeminência secundária na fonologia do Português Europeu

AS RESPOSTAS CONCORDANTES RESPOSTAS

II. Proeminência inicial (opcional)

5.3. O papel da proeminência secundária na fonologia do Português Europeu

O facto de a distribuição da proeminência secundária inicial no PE parecer ser basicamente determinada pela posição inicial na palavra prosódica e pela saliência perceptiva e de esta ser igualmente condicionada por princípios eurrítmicos e pelo contexto prosódico levam-nos a considerar que esta proeminência deverá ter duas grandes consequências na fonologia do PE: (i) uma maior marcação do início dos constituintes fonológicos ω e I; e (ii) a criação de um ritmo da língua caracterizado por intervalos preferencialmente regulares entre unidades acentuadas ao nível de ω/ωmax e, eventualmente, também ao nível

de constituintes prosódicos mais vastos.

O acento especial não contribui para uma maior marcação do início de ω, mas também parece favorecer a criação de um ritmo regular a um nível superior, uma segunda consequência da acentuação secundária no PE.

Assim, estas duas consequências dos processos de acentuação secundária poderão constituir, além disso, as suas próprias funções14. Para a primeira função da acentuação secundária no PE, a maior marcação das fronteiras da palavra prosódica, do sintagma

entoacional e do enunciado, contribui apenas a proeminência inicial. As fronteiras de palavra prosódica são sublinhadas, já que, com uma proeminência secundária inicial, a ωmin apresenta os seus dois limites bem marcados: o esquerdo com um acento secundário na segunda vogal (padrão com a maior proporção – 36,83%15), na primeira (33,21%), no adjunto (31,18%) ou na terceira (21,21%), e o direito com o acento primário na penúltima, última ou antepenúltima sílaba.

Os limites de sintagma entoacional também são sublinhados: na fronteira esquerda ocorrem mais frequentemente proeminências secundárias iniciais, enquanto a fronteira direita é obrigatoriamente marcada com um acento nuclear e com um tom de fronteira.

Assim, o processo de acentuação secundária parece ter um papel importante relativamente à estrutura prosódica da língua: torna-a mais visível, funciona como uma pista relevante para a sua identificação por parte do ouvinte. Ao mesmo tempo que a torna mais visível, está a sublinhar a “força” dos constituintes fonológicos ω e I na prosódia do PE16.

Para a segunda função da acentuação secundária no PE, a criação de um ritmo da

língua caracterizado por intervalos regulares entre acentos ao nível de, pelo menos,

ω

ω

ω

ω

max, contribuem tanto a proeminência inicial como o acento especial. De facto, o ritmo da

14 Cf. distinção entre “funções da proeminência” e “motivações básicas para a distribuição da proeminência”

por nós realizada no início da secção 2.2.1.

15 Esta contagem tem em conta o total de posições existentes no corpus. Por exemplo, a proporção de

atribuição de proeminência inicial à segunda vogal mostra que 36,83% do total de segundas vogais existentes no corpus receberam uma proeminência inicial. Veja-se o Quadro 6, na secção 4.3.2.

16 Veja-se referência à distinção entre “domínios fortes” e “domínios fracos”, proposta por Frota (2000), na

secção 1.4., e os motivos que fazem com que a ω e o I sejam considerados domínios fortes, nas secções 1.5.1 e 1.5.3, respectivamente.

língua parece ser caracterizado por intervalos idealmente isócronos entre os diferentes acentos das várias ωmin ao nível de, pelo menos, ωmax: os dois processos de acentuação secundária, nomeadamente a tendência para evitar choques e lapsos acentuais que integra o processo de atribuição da proeminência inicial, criam frequentemente intervalos de um a três CSs entre os vários graus de acentos existentes nas ωs que integram uma ωmax.

Desta forma, a proeminência secundária parece favorecer a construção de um “bom ritmo” (eurritmia) na língua, isto é, de um ritmo tanto quanto possível alternante, com uma sucessão equilibrada de elementos proeminentes e não-proeminentes. No entanto, ao contrário do que acontece em várias línguas, no PE o ritmo ideal não é binário e nem sequer apresenta um número fixo de elementos não-proeminentes entre os proeminentes.

Veja-se como poderá funcionar a eventual contribuição da acentuação secundária (proeminência inicial e acento especial) para a criação de intervalos regulares entre CSs acentuados a um nível superior à ω, nos exemplos de (3), que sugerem que o intervalo entre acentos ideal é constituído por um, dois ou três CSs.

(3) a. ul•tra• ra•di•ca•li•da•des• des•por•ti•vas17 CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS

b. ul•tra• ra•di•ca•li•da•des• des•por•ti•vas CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS

c. ul•tra• ra•di•ca•li•da•des• des•por•ti•vas CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS d. com• a•mor• re•no•va•do (mais provável) CS CS CS CS CS CS CS

e. com• a•mor• re•no•va•do

CS CS CS CS CS CS CS f. com•ple•xi•fi•ca•ções• si•lá•bi•cas CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS g. com•ple•xi•fi•ca•ções• si•lá•bi•cas CS CS CS CS CS CS CS CS CS CS

17 O círculo preenchido (•) representa a divisão entre CSs. Os CSs que apresentam algum grau de acento

(acento primário, acento secundário morfológico, acento secundário inicial, acento especial) são grafados a negrito. Os exemplos são do corpus, embora as proeminências secundárias iniciais de desportivas, (2c), e de

renovado, (2e), tenham sido por nós atribuídas como possíveis de acordo com as generalizações já realizadas (já que as InfAudi apenas identificaram as proeminências secundárias ouvidas numa palavra prosódica por frase).

As duas funções da acentuação secundária podem até constituir uma explicação para o carácter variável da proeminência inicial. Se o processo da acentuação secundária visa marcar o início da ω/ωmin e de I, e criar uma certa alternância entre elementos proeminentes e não-proeminentes a um nível superior (pelo menos, ao nível de ω/ωmax), pode apresentar alguma variabilidade, alguma flexibilidade, já que não é absolutamente necessária a marcação do início de ω, e o ritmo imprimido a um enunciado sempre pode variar bastante. Além disso, a satisfação das duas funções em simultâneo pode ser incompatível no caso de uma determinada palavra prosódica, sobretudo em palavras com um menor número de CSs pré-tónicos. Nesses casos, terá de predominar a satisfação de uma das funções, o que dará origem a uma possibilidade de variação. Por exemplo, a palavra londrinos apresenta um único CS pré-tónico: se este receber uma proeminência inicial, satisfaz-se a função de sublinhar o início de palavra prosódica mas gera-se um choque acentual (londrinos); se não receber nenhuma proeminência, não se satisfaz a sua primeira função, mas contribui-se para a criação de um ritmo com uma alternância mais regular entre unidades átonas e unidades com algum grau de acento (londrinos – átono / acento primário / átono).

Convém ainda referir que a acentuação secundária, juntamente com outros processos fonológicos e fonéticos, pode contribuir para a criação de um certo “tipo rítmico” na língua. De acordo com a distinção tradicional, existem três tipos rítmicos: (i) línguas de ritmo silábico, que revelam uma tendência para a isocronia entre sílabas; (ii) línguas de ritmo acentual, apresentam uma tendência para a ocorrência de acentos em intervalos de tempo regulares; e (iii) línguas de ritmo moraico, nas quais a regularidade duracional é baseada em moras.

Quanto ao PE, os últimos trabalhos que referem, de forma explícita, o seu tipo rítmico, vão-se afastando progressivamente da proposta inicial segundo a qual esta variedade apresenta um ritmo acentual18. Frota e Vigário vão, em três estudos experimentais, chegar a conclusões (parcialmente) diferentes. Frota e Vigário (2000),

18 De acordo com a revisão da literatura feita por Frota e Vigário (2000: 534), foram vários os autores que

defenderam esta proposta: Abaurre (1981), Cruz-Ferreira (1983), Brandão de Carvalho (1989) e Mateus et

considerando os correlatos acústicos do ritmo propostos por Ramus, Nespor e Mehler (1999), comparam o PE e o PB e defendem que a variedade europeia apresenta um ritmo

mais próximo do acentual. Ao observar os mesmos correlatos acústicos do ritmo num

corpus maior, Frota e Vigário (2001) concluem que tanto o PE como o PB constituem línguas mistas, isto é, línguas com características de diferentes tipos rítmicos: o PE apresenta características de ritmo acentual e de ritmo silábico, ao passo que o PB revela ritmo silábico e ritmo moraico. Finalmente, num estudo baseado na percepção de frases filtradas de modo a incluir apenas informação prosódica, Frota, Vigário e Martins (2002) concluíram que os resultados apontam fortemente no sentido que tanto o PE como o PB constituem línguas de ritmo silábico: os informantes só conseguiram discriminar as duas variedades quando o padrão entoacional foi preservado; e estes deixaram de distingui-las uma da outra quando estas foram comparadas com o Neerlandês (que conseguiram discriminar tanto relativamente ao PE como relativamente ao PB).

Considerando que o PE apresenta alguns correlatos acústicos de ritmo acentual, tal como o indicam os resultados de Frota e Vigário (2001), podemos levantar a hipótese de que a tendência, encontrada na acentuação secundária do PE, para a criação de intervalos entre CSs acentuados preferencialmente regulares contribui para a componente de ritmo acentual existente na variedade em causa. Por outras palavras, o processo de acentuação secundária contribuiria para que as unidades apresentando algum grau de acento, isto é, todas as unidades proeminentes e não apenas os acentos primários, ocorressem distanciadas umas das outras de acordo com intervalos idealmente isócronos.

De facto, como vimos, a influência da posição das sílabas com acentos morfológicos sobre a localização da proeminência secundária inicial parece criar preferencialmente intervalos de CSs totalmente átonos com uma duração regular. Também a atribuição mais frequente de proeminências iniciais a CSs incluindo vogais fortes pode servir para evitar sequências de vogais com uma maior duração inerente e sem qualquer proeminência.

Resumindo, a acentuação secundária parece ter uma dupla função no PE: a de tornar mais visível a estrutura fonológica dos enunciados, sublinhando os constituintes ω e I; e a de contribuir para a criação de intervalos preferencialmente regulares entre CSs com algum grau de acento, pelo menos, ao nível de ω/ωmax.