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Os processos de acentuação secundária no Português Europeu: síntese

AS RESPOSTAS CONCORDANTES RESPOSTAS

II. Proeminência inicial (opcional)

6.2. Os processos de acentuação secundária no Português Europeu: síntese

Como vimos, no PE, parecem existir dois processos de acentuação secundária quase totalmente independentes: o processo de atribuição do acento especial e o de atribuição da proeminência secundária inicial.

O acento especial localiza-se na segunda sílaba anterior ao acento primário, sobre uma combinação de dois morfemas específicos – -iza-ção ou -ifica-ção – podendo co- -ocorrer com qualquer padrão de proeminência secundária inicial. O facto de este acento ser sensível a informação morfológica e lexical indica que se trata de um fenómeno lexical. Por outro lado, a atribuição deste acento não se verifica em todos os contextos possíveis, revelando uma opcionalidade (propriedade típica dos processos pós-lexicais) que, de momento, não conseguimos explicar. Este acento especial poderá estar relacionado com questões rítmicas, uma vez que a sua distribuição não pode ser determinada pela marcação

nem por um efeito cíclico. Repetimos em (1) o princípio que propusemos no capítulo 5 para a atribuição do acento especial.

(1) Acento especial (opcional)

Atribua um acento à combinação de morfemas -iza-ção ou -ifica-ção, na segunda sílaba antes do acento primário.

A proeminência secundária inicial, por seu turno, é opcional e apresenta uma localização bastante variável. A atribuição desta proeminência tem como domínio a

ω

/

ω

min e, ocorrendo na fronteira esquerda desta, apresenta-se como um processo de limite

(domain-limit): cada ω/ωmin pode apresentar uma única proeminência numa das suas posições iniciais. A variabilidade na sua distribuição decorre do facto de esta ser opcional e de, tanto o adjunto de ω (quando exista), como qualquer um dos três CSs iniciais pré- -tónicos de ω/ωmin, serem susceptíveis de receber uma proeminência inicial. São, portanto, possíveis cinco padrões diferentes de proeminência inicial: (i) zero proeminências iniciais; (ii) proeminência sobre o adjunto; (iii) proeminência no primeiro CS; (iv) proeminência no segundo CS; e (v) proeminência no terceiro CS.

De acordo com os dados referidos na literatura sobre o acento secundário noutras línguas, este fenómeno pode apresentar uma ou mais motivações básicas para a sua distribuição, juntamente com uma ou mais condicionantes adicionais, isto é, factores que podem influenciar, frequentemente de forma opcional, a localização da proeminência determinada pela motivação básica. Vimos que, no PE, a proeminência inicial parece apresentar duas motivações básicas que interagem: a “delimitação (inicial) do constituinte palavra prosódica” e a “saliência perceptiva das vogais iniciais”. A primeira parece ser a mais importante – pois todas as proeminências atribuídas ocorreram numa das fronteiras iniciais da ω – mas necessita da qualidade da vogal para predizer, de forma completa, as localizações possíveis da proeminência inicial. As duas condicionantes adicionais, “princípios eurrítmicos” e “contexto prosódico”, influenciam a escolha de uma das possibilidades previstas pela interacção das duas motivações básicas.

A saliência perceptiva, um tipo de peso silábico que se verifica quando uma língua utiliza a proeminência ou saliência natural das vogais ou das sílabas para determinar a

localização de alguns acentos (cf. Hayes 1995), é de tal modo determinante na escolha do CS a acentuar, que levantámos a hipótese de ser ela a única motivação básica da localização da proeminência inicial do PE. No entanto, vários factos, que recapitulamos sucintamente, indicam a necessidade de considerar que a marcação da posição inicial de ω/ωmin também constitui uma motivação básica para a distribuição da proeminência em causa: (i) a proeminência inicial ocorre obrigatoriamente numa posição inicial, admitindo- -se algumas excepções relativamente aos restantes factores; (ii) também é atribuída a posições iniciais apenas com vogais fracas, o que seria estranho se considerássemos que a saliência perceptiva constituía a única motivação básica para a distribuição; e (iii) a sua localização apresenta tendências relacionadas com a posição na palavra e independentes da saliência perceptiva da vogal (visíveis na diferença entre proporções de acentuação de vogais do mesmo tipo em diferentes posições da palavra).

Assim, as vogais não reduzidas e as nasais (tal como os ditongos que apresentam uma destas vogais no seu núcleo) atraem a proeminência inicial, comportando-se como “vogais fortes”, ao contrário do que acontece com as vogais reduzidas ([i, , u, ]), que designámos por “vogais fracas”. Numa posição inicial incluindo um ou mais CSs com vogais fortes, apenas uma vogal forte poderá receber a proeminência (cf.

monumentalidade). A proeminência é preferencialmente atribuída à vogal forte mais à

direita, sobretudo nas palavras com bastantes CSs pré-tónicos, o que, na nossa interpretação, se deve à tendência para evitar lapsos acentuais (cf. ocidentalizações, padrão mais frequente, vs. ocidentalizações, padrão também possível mas menos provável). Nas posições iniciais que apresentam apenas CSs incluindo vogais fracas, a proeminência inicial só pode ser atribuída ao primeiro ou ao segundo CS, dependendo a opção por um deles novamente do número de CSs pré-tónicos da ω/ωmin: em palavras com mais de dois CSs pré-tónicos, a proeminência tende a ser atribuída ao segundo CS (cf. mini-

-aspiradores, ωmin de três CSs pré-tónicos, e proporcionalidades*3 1, ω de cinco CSs pré- -tónicos). Quando a palavra apresenta duas posições iniciais (isto é, no caso das ωs com

1 Recordamos que, quando não é referido qualquer algarismo, estamos perante uma resposta concordante

(isto é, quatro ou cinco informantes concordaram relativamente a todas as proeminências identificadas na palavra).

adjunto), a proeminência tende a ser atribuída à posição que contiver, pelo menos, uma vogal forte (cf. em familiaridade), embora também possa ser atribuída à outra (cf. em

familiaridade). Dentro de uma determinada posição inicial, não é, no entanto, possível

acentuar uma vogal fraca se existir uma vogal forte que possa receber a proeminência inicial – cf. proeminência na posição inicial constituída pelos três CSs pré-tónicos iniciais de ω sem o clítico: *com autoridade, com autoridade (não é possível acentuar o CS com vogal fraca to porque este co-ocorre com um CS de vogal forte, au); proeminência na posição inicial constituída pelo adjunto: com autoridade.

Como foi referido anteriormente (cf. parágrafos anteriores e secções 4.3.2, 4.3.5, 5.2.2.1), os dados mostram-nos que a interacção entre a posição inicial de ω/ωmin e a saliência perceptiva determina as várias localizações possíveis para uma proeminência que ocorre sempre no limite esquerdo de ω/ωmin, pelo que partimos do princípio de que existe

um único processo de atribuição de proeminência secundária, além do acento especial. Contudo, o facto de o corpus usado só incluir vogais fortes até ao terceiro CS de ω/ωmin não nos permite afastar a hipótese de que haja dois tipos de proeminência secundária além do acento especial: uma proeminência inicial e uma proeminência por saliência perceptiva. Esta hipótese terá de ser confirmada ou infirmada em investigação futura.

A condicionante adicional princípios eurrítmicos visa evitar tanto choques como lapsos acentuais, pelo menos, ao nível de ωmax. Vimos que não é possível a atribuição de uma proeminência inicial a CSs em posição de choque com acentos especiais. Além disso, evita-se a atribuição de dois acentos (um inicial e um especial) em CSs muito próximos (isto é, com apenas um CS de intervalo) – cf. sentimentalizações*2 / sentimentalizações*5 vs. em alcalinização.

Quanto aos choques com acentos morfológicos (acento primário ou acento secundário morfológico), estes parecem ser proibidos quando o CS em posição de choque é constituído por uma vogal fraca, e preferencialmente evitados quando o CS apresenta uma vogal forte (cf. deӏsinfecções, deӏsinfecções*2). Estas tendências parecem verificar-se ao

nível de ωmax, já que se evitam choques tanto com acentos da ωmin, como com acentos de outra ωmin pertencente à mesma ωmax, independentemente de esses acentos se localizarem à esquerda ou à direita do CS acentuável. Por exemplo, em pós-contestações e em pós-

-intervenções, o primeiro CS da ω2 (a negrito e sem itálico) nunca recebeu uma

proeminência inicial apesar de apresentar uma vogal forte e de não estar em posição de choque com o acento primário da ω2, aparentemente por se encontrar em posição de choque com o acento secundário morfológico, isto é, com o acento de ω1, localizado à sua esquerda.

O facto de se optar frequentemente pelo padrão “zero proeminências iniciais” em palavras com um número reduzido de CSs pré-tónicos (por exemplo, dois CSs) pode atribuir-se já não à tendência para evitar choques acentuais, mas a uma certa tendência para evitar acentos muito próximos (cf. dinastias, deӏ Moçambique, temporaizitos).

Os lapsos acentuais, que parecem consistir, no PE, em sequências com mais de três CSs átonos, são também preferencialmente evitados. A tendência para os evitar concretiza- -se através da preferência pela acentuação inicial do CS mais à direita, sobretudo em palavras com uma cadeia pré-tónica longa: o segundo CS em posições iniciais apenas com CSs incluindo vogais fracas (cf. mini-aspiradores, proporcionalidades*3) ou o CS de vogal forte mais à direita em posições iniciais com mais de um CS com vogal forte (cf.

hiper-transcendentalistas, ultra-contemplatividades).

O contexto prosódico influencia opcionalmente a escolha do padrão de proeminência inicial, na medida em que são atribuídas mais proeminências a ωs localizadas no início de um sintagma entoacional. Assim, neste contexto prosódico ocorre menos frequentemente o padrão “zero proeminências iniciais”.

Tendo em conta as características da proeminência inicial encontradas nos dados (e até aqui revistas), propusemos alguns princípios que pretendem captar a forma como as motivações básicas e as condicionantes adicionais interagem para determinar os padrões de proeminência inicial possíveis para cada palavra. Esses princípios, propostos na secção 5.2.3, são repetidos em (2).

(2) Proeminência inicial (opcional)

Atribua uma única proeminência inicial a uma das posições iniciais de ω/ωmin (adjunto ou três CSs pré-tónicos iniciais de ω/ωmin), tendo em conta as seguintes condições, relativas a três factores:

a. Saliência perceptiva

iv. Em posição inicial com um ou mais CSs incluindo vogais fortes (vogais nasais e vogais não reduzidas), acentue uma das vogais fortes.

v. Em posição inicial apenas com CSs incluindo vogais fracas ([i, , u, ]), acentue o primeiro ou o segundo CS.

vi. Em ω/ωmin com duas posições iniciais, acentue preferencialmente aquela que contenha um ou mais CSs integrando uma vogal forte.

b. Princípios de Eurritmia (condicionante adicional) – em ω/ωmax v. Não provoque choques de proeminências iniciais com

acentos especiais.

vi. Não provoque choques de proeminências iniciais sobre vogais fracas com acentos morfológicos.

vii. Evite choques de proeminências iniciais sobre vogais fortes com acentos morfológicos.

viii. Evite lapsos acentuais (mais de três CSs átonos). c. Contexto prosódico (condicionante adicional)

Atribua uma proeminência secundária preferencialmente a ω/ωmin no início de sintagma entoacional.

Quanto ao ponto da gramática em que ocorre a proeminência inicial do PE, os dados sugerem que se trata de um fenómeno pós-lexical (ao contrário do que acontece com o acento especial). São três os factos que o indicam: (i) esta proeminência é opcional; (ii) é atribuída depois de processos pós-lexicais como a construção do sintagma entoacional, a supressão das vogais e a semivocalização (parece ter em conta os CSs, as vogais foneticamente realizadas como vogais, e não as sílabas fonológicas); e (iii) é sensível apenas a informação fonológica, como a que diz respeito ao seu domínio prosódico, às vogais realizadas, à saliência perceptiva dessas vogais e à localização dos vários graus de acento de ωmax.

Ao observar o papel da acentuação secundária na fonologia do PE, concluímos que esta parece desempenhar duas grandes funções: (i) a de sublinhar a estrutura prosódica dos enunciados; e (ii) a de contribuir para a construção do ritmo próprio da língua. O acento especial e a proeminência inicial contribuem para o desempenho da segunda função, na medida em que tendem a criar intervalos isócronos entre CSs com algum grau de acento, pelo menos, ao nível de ωmax: a proeminência inicial fá-lo por meio da actuação

do factor “princípios de eurritmia”; o acento especial realiza-o por se localizar entre a proeminência inicial e o acento primário, nunca gerando um choque acentual e resolvendo até eventuais lapsos acentuais. A primeira função proposta pode ser relacionada apenas com a proeminência inicial, uma vez que só esta contribui para evidenciar as fronteiras esquerdas dos constituintes ω e I: é atribuída a uma das posições iniciais de ω/ωmin, sobretudo quando a palavra prosódica se localiza no início de um sintagma entoacional.