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Capítulo 4: Fabricação e arquitetura

4.2 A segunda revolução industrial

Sacomano e Sátyro (2018) afirmaram que a cidade de Cincinnati, em Ohio, se transformou, entre 1825 e 1870, no maior centro de manufatura comercial do Oeste dos Estados Unidos. Foi este o período em que as empresas da cidade82 adotaram a divisão e a

especialização do trabalho, para se tornarem especialistas na produção de determinados produtos, o que acabou por gerar a produção em massa e deu a Cincinnati o título de uma das maiores produtoras de carne e seus subprodutos, conforme apontou Gordon (1990).

82 Sacomano e Sátyro (2018, p. 20) afirmaram que as empresas da cidade de Cincinnati adotaram a divisão e

a especialização do trabalho, e consequentemente a produção em massa por terem sido inspiradas, neste período histórico (entre 1825 e 1870) “no livro de Adam Smith, A riqueza das nações, publicado em 1776 [...].”

A racionalização e o aperfeiçoamento da divisão do trabalho em etapas múltiplas foram desenvolvidos por Frederick Taylor, o que para Ferreira, Reis e Pereira (2011), marcou o início da segunda revolução industrial. Foi este o contexto, que levou vários empresários a visitarem Cincinnati, com o intuito de conhecer a manufatura em massa e, consequentemente, o novo processo de produção.

Para Sacomano e Sátyro (2018, p. 20), “Henry Ford teve então a ideia de adaptar para a manufatura artesanal de produção de carros essa nova manufatura em massa”, que, em conjunto com o advento da eletricidade, tornou-se fator de fomento à segunda revolução da indústria, entre o final do século XIX e início do século XX, conforme Schwab (2016).

À revelia de como se deu a primeira revolução industrial, que mecanizou o trabalho manual, a segunda, substituiu a construção estacionária pelas linhas de montagem (FISCHER, 2015). Para explicar esta transição e relacioná-la à arquitetura, Hildebrand (1975) apresentou Albert Kahn como o arquiteto cujo trabalho marcou a segunda revolução industrial. O autor defendeu esta afirmação ao apresentar uma série edificações deste setor, concebidas por Kahn, que permeiam a história da linha contínua de montagem e da produção industrial em massa.

Ainda neste tocante, Albert Kahn, que havia sido nomeado arquiteto da Packard Motor Car Company, concebeu, em 1905, o edifício Packard nº 10. Esta obra ficou estigmatizada como sendo a primeira fábrica de concreto armado construída para a indústria automobilística, além de marcar também o início do trabalho de Kahn na área industrial (HILDEBRAND, 1975).

Em 1906, o autor afirma, a empresa de George N. Pierce (Pierce-Arrow Motor Car Company) nomeou Kahn para o projeto da nova fábrica (figura 62B), em Buffalo, que iria produzir o carro Pierce Arrow (1). Esta edificação inaugurou, segundo Hildebrand (1975), os conceitos de projeto de fábrica progressiva, pois não foram as limitações arquitetônicas,

mas sim os processos de fabricação, que definiram a planta baixa83. A planta era de

predominância horizontal (figura 62A), e a matéria prima entrava no que era conhecido como edifício de brasagem (armazém ao norte da planta), para depois, através da face leste, alimentar o edifício de fabricação, e, por fim, após o processo de montagem, conseguia-se um automóvel completo que saia pala fachada oeste.

Figura 62: Planta baixa e perspectiva da fábrica Pierce

Fonte: Adaptado de Hildebrand, 1975

Após a construção da fábrica Pierce, Hildebrand (1975) relata que Kahn conheceu Henry Ford em 1908, e que este o convidou para o projeto de sua nova fábrica em Highland Park (figura 63A). Foi assim que, em 1910, este novo edifício já começava sua produção do Modelo T da empresa. Segundo o autor, a configuração desta fábrica derivava das experimentações em métodos de produção do próprio Ford que utilizava calhas de gravidade para auxiliar e aumentar a produção de suas fábricas já existentes.

83A lógica de organização em torno do processo de montagem da fábrica foi possível em virtude da proposta

de Kahn de iluminação pelo telhado, uma vez que os edifícios deste segmento costumavam possuir a restrição arquitetônica de serem longos e estreitos para que pudessem iluminar todo o chão de fábrica através da penetração de luz das janelas das parede (HILDEBRAND, 1975).

Figura 63: Fábrica da Ford de Highland Park projetada por Albert Kahn

Fonte: Adaptado de Hildebrand, 1975

Kahn utilizou como premissa de projeto para a fábrica em Highland Park a máxima exploração destas calhas de gravidade, o que resultou em uma estrutura de múltiplos andares (figura 63B), como apontou Hildebrand (1975). Deste modo, o processo de fabricação do carro terminava no nível do solo e começava com o içamento das matérias- primas para o telhado que iam “escorrendo” pelos níveis do edifício.

Em março de 1913, a Ford experimentou em Highland Park um procedimento de montagem de uma peça, que era dividido em 29 etapas sucessivas; com o treinamento adequado dos trabalhadores, a Ford conseguiu reduzir em 75% o tempo inicial de montagem desta peça (de 20 para 5 minutos), conforme relatou Hildebrand (1975). O autor complementou que o sucesso deste procedimento levou-o a ser adotado para a montagem do carro inteiro, Kahn então percebeu que a configuração de múltiplos andares adotada no projeto da fábrica Pierce, seria inapropriado para as novas técnicas que seriam utilizadas no edifício Highland Park.

Visando solucionar está problemática, Henry Ford comprou em 1915 uma extensa área em Detroit para a construção de um complexo industrial (figura 64A e B) voltado para a produção da sua linha de montagem (River Rouge Complex). Dessa forma, em 1917, Kahn projetou uma fábrica para este local, agora com pouco mais de 500 metros de extensão, onde a iluminação principal era feita pelo telhado. Este projeto ficou conhecido como o primeiro edifício especificamente projetado para processos de fabricação de linha de montagem (HILDEBRAND 1975).

Figura 64: Complexo River Rouge da Ford

Fonte: Adaptado de Hildebrand, 1975

Hildebrand (1975) afirmou que, com o passar dos anos, o complexo River Rouge acabou por possuir, quase que exclusivamente, edifícios de um único pavimento que eram iluminados pelo telhado, além de serem organizados de acordo com a lógica do processo de fabricação. Por último, o autor apresentou a fábrica de vidro (figura 65B), de 1922, como exemplo da alta qualidade dos projetos existentes no complexo Rouge.

Figura 65: Fábrica de vidro presente no complexo River Rouge da Ford

Fonte: Adaptado de Hildebrand, 1975

Hildebrand (1975), que considera a fábrica de vidro da Ford como uma das principais edificações do século XX, afirmou que a mesma trabalhava em um ambiente de calor intenso84, e por isso o telhado possuía grandes extensões de faixas de ventilação (figura

84 Os fornos eram aquecidos até 2500° para que a areia entrasse no estado líquido, para depois ser

transportada, recozida e solidificada novamente e, por último, planificada por um rolo compressor e polida para adquirir a transparência dos vidros. A luz chegava às áreas de carga através da faixa de rolamento do vidro em estado líquido e das claraboias contínuas menores (HILDEBRAND, 1975).

65A), sendo que as partes mais altas do mesmo ficavam acima da esteira em que o vidro líquido passava, para permitir que o calor do recozimento escapasse pela faixa de ventilação.

Não obstante, o trabalho repetitivo, a forte supervisão e a hierarquia similar à militar fizeram a rotatividade da força de trabalho chegar a mais de 50% nas fábricas Ford. Isso contribuiu para o surgimento de novas formas de administração da produção e motivou filmes críticos à manufatura em massa, como Tempos Modernos, de Charles Chaplin, que mostra a pressão a que os funcionários eram submetidos nas linhas de produção. A manufatura em massa [...] trouxe a padronização de produtos, com a inflexibilidade de produzir o que não fosse massificado e, a verticalização das empresas, que procuram dominar todo o ciclo de produção, da matéria-prima, à venda dos produtos (SACOMANO, SÁTYRO, 2018, p. 20).

Mesmo considerando o pensamento de Hildebrand (1975), que defende o trabalho de Albert Kahn como um marco na história da segunda revolução industrial, é preciso igualmente ressaltar as experiências das casas que foram concebidas para dialogar com essa nova metodologia industrial. Neste sentido, Celani e Frajndlich (2016) afirmaram que a arquitetura buscou integrar as utopias urbanas com o design de componentes produzidos em massa, o que resultou em um conceito que possuía nome similar: casas produzidas em massa.

Deste modo, o que era uma utopia (casas pré-fabricadas) tornou-se uma realidade após a Segunda Guerra Mundial. Àquele momento, visando a reconstrução da Europa, elementos de concreto pré-fabricados tornaram-se comuns na indústria AECO (CELANI; FRAINDLICH, 2016). Ainda neste tocante, os autores apresentaram como exemplo destas arquiteturas as investigações pré-fabricadas do Neue bauen, de 1925-1930, de Ernst May, em Frankfurt, e a Maison Dom-Ino, de Le Corbusier, de 1914 (figuras 66A, B e C).

Figura 66: Sistema e casas Maison Dom-ino de Le Corbusier

Fonte: Adaptado de Palermo, 2006

Miyasaka (2017) concorda com o exemplo (Maison Dom-ino) proposto por Celani e Frajndlich (2016) e associa também os trabalhos de Buckminster Fuller (casa Dymaxion, figura 67A e B), Konrad Wachsmann (módulos) e John Habraken (Sistemas Abertos) à produção em massa ligada à arquitetura.

Figura 67: Casa Dymaxion Buckminster Fuller

Fonte: Adaptado de Facralossi, 2013

Naboni e Paoletti (2015) afirmaram que a primeira e a segunda revolução industrial trouxeram como benefícios: preços mais baixos e produtos de maior qualidade, entretanto,

como consequência, foi possível observar a aplicação da padronização e homogeneização em todas as coisas e lugares, fruto de um mercado dominado pela própria produção em massa.

No que diz respeito ao urbanismo, Celani e Frajndlich (2016) explicam que nas primeiras décadas do século XX, as cidades eram concebidas para os novos carros que também eram produzidos em massa. Esta diretriz urbanística pode ser notada nas diversas expansões possíveis no conceito de desenvolvimento urbano de Boadacre, de Frank Lloyd Wright, de 1932, e no tecido urbano contínuo da Ville Radieuse, de Le Corbusier, de 1924.