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Capítulo 2: Processo de projeto

2.1 Processo de projeto e método científico

2.1.3 Processo de projeto no Brasil

No Brasil, por sua vez, os processos de projeto pouco influenciaram os programas de pesquisa e/ou ensino de arquitetura e engenharia, bem como a própria atividade profissional dos escritórios de projeto, conforme pontua Moreira (2007). Para Celani (2003), os arquitetos brasileiros encaravam com ceticismo os métodos de projeto, a ponto de julgá- los incompatíveis com a atividade criativa.

A autora também apontou possíveis motivos para a indiferença ao estudo dos processos de projeto no Brasil. Para ela as primeiras instituições de ensino de arquitetura eram baseadas na matriz francesa da École de Beaux Arts17 que incentivava a formação

artística do arquiteto. Segundo Celani (2003), esta visão permaneceu em muitas escolas de arquitetura e gerou como consequência a ausência de uma estrutura de processo de projeto e o procedimento de tentativa e erro na concepção arquitetônica.

Outro possível motivo sinalizado por Celani (2003) foi a tardia organização dos primeiros escritórios de projeto no Brasil (metade do século XX), e para complementar este quadro a autora afirma que estes primeiros escritórios se baseavam no talento individual do profissional responsável, ao invés de em um processo de projeto definido.

2.1.3.1 O enfoque racional das normas brasileiras

Barros e Sakurai (2016) realizaram uma pesquisa que dividia o processo de projeto em dois enfoques complementares: o racional e o reflexivo. Para os autores, a origem do enfoque racional acontece nos anos 1960, a partir das teorias positivistas18, que buscavam

17 Segundo Amaral (2008), os arquitetos formados com base na matriz da École de Beaux Arts tinham

dificuldades de trabalhar em equipes, pois o trabalho destes arquitetos gravitava em torno do culto às suas personalidades, isto porque o ensino valorizava a concorrência e competição. No Brasil, os cursos iniciais dessa matriz não possuíam as matérias de geometria descritiva, física aplicada às artes, resistência dos materiais, mecânica, estereotomia, construção, higiene e legislação aplicadas à edificação.

18 Sistema ou filosofia determinista (que entende que os fenômenos da natureza estão ligados entre si por leis

universais e causalidade), criada por Auguste Comte, que defende o experimentalismo sistemático (metodologia experimental) como caminho científico, conforme Ribeiro (1988). O projeto, nesta visão

compreender o projeto dentro do campo lógico-positivista da ciência (Teoria da Informação, Teoria dos Sistemas, Pesquisa Operacional e Cibernética). Este pensamento era predominante à época da era da inovação tecno-social de John Chris Jones, momento em que apareceram os conceitos de análise, síntese e avaliação já explorados no presente capítulo.

O enfoque reflexivo, por sua vez, possui vínculo com uma abordagem construtivista onde, segundo Schön, (1983) análise e síntese são inseparáveis, visto que definir o problema é uma atividade tão propositiva quanto encontrar sua solução. Neste caso, aparecem verbos como “enquadrar”, “mover” e “avaliar” que podem se alternar sem uma ordem definida (BARROS; SAKURAI, 2016).

Para os autores, em casos onde existem situações com muitas variáveis e sem estratégia aparente, o projetista deverá simultaneamente desenvolver a abordagem ao projeto bem como o objeto projetado. A partir do exposto, é possível enxergar que ambos os enfoques são opostos e complementares (BARROS; SAKURAI, 2016).

Para conhecer melhor as definições e origens de ambos os enfoques, buscar Schön (1983), Buchanan, (1996), Dorst (1997) e, Barros e Sakurai (2016). A presente pesquisa limita-se em defini-los e mostrar a predileção das normas brasileiras em relação à abordagem racional. Neste sentido, Barros e Sakurai (2016) fizeram um levantamento com base na norma NBR 13.531/1995 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1995), além do próprio Conselho de Arquitetura e Urbanismo – CAU/BR, onde foram encontradas as seguintes etapas para o processo de projeto e serviços:

científica, pode ser entendido como um processo racionalizável, no qual, “busca-se uma observação ‘objetiva' sobre o objeto de estudo e resultados que sejam generalizáveis”. (BARROS; SAKURAI, 2016, p. 2).

Figura 8 – Etapas do processo de projeto e serviços das normas abordadas.

Fonte: Autor, 2019.

Barros e Sakurai (2016) propõem dispor, através de um diagrama de Gantt, as etapas presentes nas normas, conforme figura 9, onde a etapa de execução aparece interrompida para não associar sua duração à do projeto, e onde as etapas opcionais são apresentadas tracejadas para diferenciação.

Figura 9 – Diagrama de Gantt das etapas do processo de projeto no tempo.

Fonte: Adaptado de Barros e Sakurai, 2016.

Barros e Sakurai (2016) seguem o raciocínio afirmando que as etapas presente nas normas brasileiras são frequentemente utilizadas na área de Arquitetura, Engenharia, Construção e Operações (AECO), e possuem também normas equivalentes em outros

países, como França, Canadá, e Inglaterra, onde o próprio plano de trabalho do RIBA evidência que o objetivo destas etapas propostas seria mostrar os produtos e serviços que devem ser entregues em cada etapa, e não do processo de projeto em si, como já evidenciado neste capítulo.

Os autores defendem este modelo em virtude da complexidade e do número de atores envolvidos na indústria AECO, entretanto ressaltam que a apresentação da evolução do projeto, por meio de um diagrama de Gantt, pode transmitir a mensagem, equivocada, de que o processo de projeto em si é linear e constante. Neste contexto, apresentar uma parte cíclica e menos ordenada do processo pode ser compreendido como uma distorção do próprio processo ou até como incompetência (BARROS; SAKURAI, 2016). Essas etapas cíclicas e inter-relacionadas às quais se referem os autores foram postuladas por Lawson e Dorst (2009) e envolvem: Formulação, Representação, Jogada, Avaliação e Gerenciamento. Barros e Sakurai (2016) terminam dizendo que é possível estabelecer um equilíbrio entre os enfoques racional e reflexivo onde “em uma situação ideal os projetistas e todos os intervenientes teriam clareza da alternância entre os modos de trabalho típicos de cada um dos enfoques, e respeitariam suas especificidades” (BARROS; SAKURAI, 2016, p. 09). A figura 10 apresenta o pensamento dos autores de como a alternância entre os enfoques deveria acontecer.

Figura 10 – Alternância entre os enfoques racional e reflexivo ao longo do projeto.

Fonte: Adaptado de Barros e Sakurai, 2016.

Na parte superior da figura 10 apresenta-se uma repetição das fases do projeto no tempo através de um gráfico de Gantt, e na parte de baixo é possível observar a alternância entre os enfoques racional e reflexivo durante as atividades que englobam o processo de projeto.

Para continuar a discussão sobre processo de projeto após a década de 70 é imprescindível discutir a mudança de mediação no projeto ocasionada pelo advento da computação e os consequentes processos digitalmente mediados.