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4. ALTERNATIVA DE SOLUÇÃO

4.3. A SELEÇÃO DO TRIPÉ

Em geral, as ideias a respeito de solução podem surgir em qualquer lugar na comunidade de políticas, são praticamente impossíveis de ter um ponto de origem claramente delimitado e não são monopólio de um único grupo de atores. Para Kingdon (2003), elas são apresentadas, contestadas e modificadas ao permanecerem flutuando em um caldo primordial de políticas. Nele, algumas receberão naturalmente uma maior atenção e outras serão descartadas em um processo, chamado de amanciamento, que é capaz de sinalizar tanto para os especialistas quanto para os formuladores de políticas as melhores propostas, ou aquelas que possuem um maior grau de maturidade.

A instituição do tripé da Cidadania em São Carlos, como já apresentado, demonstra consonância com as ideias adotadas pelo Governo Federal e pertencentes a uma agenda setorial. Uma vez apresentado pela comunidade local, que se formou com a realização da I Conferência Municipal, o tripé da cidadania LGBT precisou atender a importantes critérios de seleção para ser transformado em ação. Entre esses critérios, Kingdon (2003) argumenta que as propostas de soluções geradas nas comunidades são um reflexo direto do conjunto de crenças e valores compartilhados pelos seus especialistas, de modo que crenças e valores majoritários sinalizariam aos formuladores de políticas quais as propostas de soluções teriam uma maior aceitabilidade.

Ao traçar um panorama sobre a agenda de pesquisa em participação social, Brasil (2013) evidencia a estreita relação entre os movimentos sociais e políticas participativas ou as instituições democratizantes do Estado. Essa correlação pode explicar porque o tripé da cidadania seria uma ideia facilmente compartilhada pelos atores vinculados ao movimento social. Com o avanço da democratização do Estado pós 1988, experimentou-se, consequentemente, uma ampliação do modo de formular políticas públicas, gerando a

abertura de novos espaços de participação dentro da esfera governamental (Cardoso, 2004), que resultaram em “avanços na questão participativa e na construção de um debate político mais elaborado” no país (Brasil, 2013, 28). Tal que, nas décadas mais recentes, vários dos movimentos sociais também passaram a ter, em meio à pauta de reivindicações, a instituição de políticas participativas, como conselhos de políticas (Szwako, 2012).

Na época em que o tripé da cidadania foi debatido e apresentado pela comunidade de especialistas em São Carlos, a proposta também era discutida em outras localidades e redes do movimento social. Segundo Alexandre Sanches, havia um importante advocacy, encabeçado por grupos organizados em uma ampla rede nacional de militantes LGBT, que colaborou para que os especialistas fossem coesos sobre a proposta local:

“O tripé da cidadania foi uma campanha que a ABGLT lançou para que todo órgão executivo nos municípios tivesse uma estrutura de gestão da política LGBT. Que no caso aqui é a Divisão, um órgão de acompanhamento que é o Conselho, com metade da sociedade civil e metade do poder público; e um Plano que orienta a política. A ABGLT, quando lançou essa campanha, considerava isso como o básico para se ter uma política LGBT nos municípios.”

A importância da ABGLT na difusão de ideias entre comunidades e especialistas pode ser compreendida por meio do seu propósito. Fundada em 1995 como a primeira rede institucional de atuação política do movimento social em nível nacional, composta por diversas organizações da sociedade civil, a ABGLT tem por objetivo estimular a produção de políticas que garantam cidadania e direitos humanos ao segmento (ABGLIT, 1995). Desde então, desempenhou um papel importante no estabelecimento de diretrizes gerais direta ou indiretamente sobre a atuação de diversos grupos descentralizados pelo território nacional, colaborando para a consolidação de redes entre os militantes (Facchini, 2009).

Após a realização da I Conferência Nacional LGBT, a ABGLT teria iniciado uma campanha entre os seus membros e demais organizações do movimento para que todos os estados e suas capitais instituíssem um tripé da cidadania, já presente em outras políticas setoriais, para as questões LGBTs. Além disso, estimulou grupos interessados em atuar de maneira descentralizada em suas respectivas localidades. Nas entrevistas, por exemplo, são citados documentos e cursos de formação para militantes promovidos pela Associação em prol da difusão de ideias e estratégias e os atores que deram origem à ONG teriam tido contato com a articulação promovida pela AGBLT, também por meio de discussões junto a militantes que integravam a setorial LGBT do PT.

Essa inserção permitiu que atores locais tivessem contato com as principais ideias e propostas defendidas pelo movimento social e estabelecessem conexões com outros atores

que auxiliaram no processo de instituição de todo o tripé da cidadania são carlense. Isto serviu como recurso importante para que a ONG estipulasse estratégias de atuação junto a políticos locais. Entretanto, Kingdon (2003) também delimita que, para uma ideia de solução ser escolhida, ela também precisa ser compreendida como algo viável pelos formuladores de políticas.

Segundo destacado por Kingdon (2003), seria difícil especificar com clareza aquilo que os formuladores entendem por viabilidade de uma proposta, uma vez que isso estaria ligado diretamente à maneira como ela deveria ser implementada. Nas entrevistas que foram realizadas com os atores de São Carlos, a justificativa apresentada para a instituição do tripé foi que isso seria uma resposta às demandas do movimento LGBT e à adoção anterior de políticas locais muito similares – o que pode ser um indicativo importante sobre como o critério da viabilidade foi atendido. O vereador Lineu, por exemplo, afirma que, durante a sua gestão, outros conselhos haviam sido criados, o que teria contribuído para o seu entendimento favorável à proposta do tripé:

“Então nós fomos os autores da política de cultura, criamos a conferência municipal de educação, do meio ambiente, da segurança alimentar, da questão da igualdade racial, a própria existência da conferência municipal de educação. (...) E, do ponto de vista dos conselhos, nós também propusemos várias iniciativas nesse sentido. O conselho municipal de esporte, de segurança alimentar, do meio ambiente (...). E aí, no caso da política LGBT, a gente também teve esse entendimento, eu acho que é positivo que cada vez mais a sociedade organizada participe para deliberar ou de forma de contribuir, de forma deliberativa nas mais diversas políticas públicas.”

O PT possui uma longa relação histórica62 com a instituição de políticas participativas

em todos os níveis de governo, contribuindo para a formação de um “modo de governar” bastante característico de um partido que, desde a sua gênese, possui uma forte ligação com os movimentos sociais (Moisés, 1986; Ribeiro, 2014). Em São Carlos, as primeiras políticas participativas correspondem ao Orçamento Participativo ainda no começo dos anos 2000, quando o partido assumiu pela primeira vez o poder executivo municipal. Desde então, conselhos em diversas áreas setoriais foram instituídos durante as três gestões de governos petistas, auxiliando para que a proposta local fosse entendida como algo viável nas questões LGBTs.

O último critério de seleção, destacado por Kingdon (2003), corresponde à antecipação dos especialistas frente ao grau de aceitação das propostas de soluções junto a um

62Avritzer (2009) traça como o PT foi protagonista na adoção de “práticas democratizantes da sociedade civil no Estado” (Romão, 2009: 201).

público restrito, como outros especialistas e políticos eleitos, e/ou a opinião pública. A formação de uma comunidade de especialistas, por meio da realização da I Conferência

Municipal LGBT e, posteriormente, do coletivo “Movimento LGBT de São Carlos”, com a

presença de burocratas e militantes de outras áreas setoriais, contribuiu para que a ideia do tripé fosse assimilada e considerada como aceitável por um público específico. Assim como o suporte dado pela ex-vereadora Silvana Donatti para a estruturação e atuação da ONG

Visibilidade, a sua presença em algumas reuniões do “Movimento LGBT de São Carlos” e o

comprometimento de Oswaldo Barba durante a campanha eleitoral com a pauta demonstraram que o PT também era receptível à proposta. De tal modo que algumas propostas de soluções são desconsideradas e outras ganham um maior destaque entre os especialistas de acordo com o suporte ou oposição de membros do parlamento e o seu gabinete, do chefe do executivo e os seus assessores (Kingdon, 2003).

5. O CONTEXTO POLÍTICO FAVORÁVEL

O presente capítulo apresenta os meandros do contexto político de surgimento do tripé da cidadania LGBT na cidade de São Carlos. Primeiramente, será retratada a delimitação de um humor nacional favorável, que foi captado pelos atores entrevistados por meio das discussões sobre o PL 122/06 e a realização de conferências pelo Governo Federal. O alinhamento das forças politicamente organizadas na cidade mediante à ascensão do partido ao poder executivo municipal e de que forma a ex-vereadora Silvana Donatti começou a auxiliar na visibilidade da pauta LGBT no município. Por fim, será vista a gestão de Oswaldo Barba, a qual foi uma eminente abertura de uma janela de oportunidade para que uma coalizão atuasse pela instituição da política de diversidade sexual.