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3. DEFINIÇÃO DE PROBLEMA

3.3. TRANSFORMANDO A HOMOFOBIA EM PROBLEMA

3.3.1. INDICADORES

Para Kingdon (2003), uma questão muitas vezes pode receber a atenção dos formuladores de política, não em decorrência de pressões políticas diretas, mas por dados apresentados por indicadores. Produzidos por órgãos governamentais e não governamentais, eles são utilizados na avaliação da dimensão e intensidade de uma questão e, mudanças nos números que eles apresentam, podem alterar diretamente a ênfase que formuladores darão a ela. Tal é o impacto desse elemento sobre a formulação de ideias, que o autor delimita, ainda, que os indicadores podem influenciar diretamente os debates que ocorrem no interior de uma comunidade política, embora a delimitação da homofobia como um problema público tenha sido apresentada a partir da instituição de um Dia Municipal de Luta contra a Homofobia e indicadores sobre o tema também tivessem sido apresentados e discutidos na I Conferência Municipal.

Assim, Lula Ramirez, ao abordar a trajetória de LGBTs na escola, embasou-se em dados nacionais sobre violência homofóbica para justificar a importância de se debater gênero e sexualidade em sala de aula. Quando se trata do contexto local, até hoje não há informações precisas sobre a sua dimensão no município, entretanto, a moção de apoio à 1ª Marcha Nacional contra a Homofobia, como exemplo, foi embasada nos seguintes dados:

“Considerando que no Brasil todos os dias, 20 milhões de brasileiras e brasileiros assumidamente lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais têm os seus direitos humanos, civis econômicos, sociais e políticos.” (São Carlos, 2011).

“Considerando que ocorre o assassinato de um LGBT a cada dois dias no Brasil por conta de sua orientação sexual ou identidade de gênero.” (idem).

Esses dados foram mantidos em outras ações governamentais, como a campanha

publicitária22, promovida pela Prefeitura para a divulgação do Disque 100 para denúncias de

violação de direitos, contém as seguintes sentenças:

“A cada dois dias um homossexual é assassinado. Somente no Brasil, 12 milhões de cidadão homossexuais já foram vitimas de homofobia. No Brasil 68% de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais, já sofreram algum tipo de agressão. Você pode mudar essa realidade!”. (São Carlos, 2013).

22Reprodução no anexo M.

Isso pode ser explicado pelo fato de a produção de estatísticas oficiais detalhadas de maneira descentralizada e/ou regionalizada sobre a homofobia ser um item ainda bastante exíguo. O próprio Disque 100 foi instituído somente no ano de 2010 e, até hoje, é o único órgão do Governo Federal a produzir23 algum tipo de indicador sobre a homofobia. Essa escassez, segundo Moutinho e Sampaio (2005), configura-se em informações ainda bastante limitadas, fragmentadas e, muitas vezes, desproporcionais em grandes séries históricas, fontes e grau de profundidade. Isso faz com que a maior parte desses indicadores sejam produzidos

por grupos dos movimentos sociais24, pois a produção e divulgação de maiores informações

na esfera da administração pública está diretamente vinculada a uma cultura institucional de: “falta de diálogo entre pessoas e organizações preocupadas com a violência contra homossexuais, tanto no sentido de criar um sistema de informações, quanto de criar respostas e iniciativas que sejam eficazes na esfera da justiça e da segurança pública” (Moutinho; Sampaio, 2005: 21-22).

Mesmo com essas dificuldades institucionais, a intersecção entre dados nacionais de violência e negação de direitos fundamentais para a população LGBT local foi um item presente no discurso público de atores importantes na agenda-setting. Durante a construção da política de diversidade sexual na cidade, indicadores nacionais foram sumariamente utilizados na preposição de legislações, matérias na imprensa local e manifestações políticas. Porém, nas entrevistas que compõem essa dissertação, quando esses mesmos atores, que foram responsáveis por formular a política de diversidade, foram perguntados sobre a influência de indicadores sobre assassinatos ou de discriminação motivados por homofobia, nenhuma correlação foi apresentada para a sua atenção.

Essa dinâmica pode ser explicada com o auxílio das contribuições trazidas por Stone (2012) para a análise de políticas. A autora defende que os problemas nas políticas públicas são explicações a respeito de como a realidade funciona, tratando os números como

23Dados divulgados pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio do “2º Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil”, mostram que, numericamente, durante todo o ano de 2012, o Disque 100 do Governo Federal, também conhecido como Disque Direitos Humanos, recebeu 3.084 denúncias sobre ações homofóbicas, uma média de 27 por dia, sendo que 13 delas tiveram o uso de algum tipo de violência. Em sua maioria, as vítimas que recorreram ao serviço de denúncias eram de sexo biológico masculino (71,38%), com orientação sexual gay (60,44%) e possuíam entre 15 e 29 anos (61,16%). Os casos aconteceram em locais de convivência social, como a rua (30,89%), o local de trabalho (5,37%), a escola (3,18%), mas, principalmente, dentro de casa (38,63%). E, quase na sua totalidade, envolveram algum tipo de discriminação (74,01%), violência psicológica (83,20%) e/ou física (32,68%).

24A maior sistematização de informações sobre o tema que se tem notícia no país são os Relatórios Anuais de Assassinatos de Homossexuais, produzidos pelo Grupo Gay Bahia, a partir do monitoramento de assassinatos de LGBTs que apareceram em veículos de mídia de todo o país. E que, no último relatório divulgado, referente ao ano de 2014, foi identificado um total de 326 mortes, correspondendo cerca de um novo assassinato a cada 27 horas.

correspondentes25 ao elemento “indicadores” no modelo teórico proposto por Kingdon (2003). Em debates sobre políticas públicas (Policy Debate), os números seriam utilizados, estrategicamente, apenas para demonstrar como um problema pode ficar maior e/ou pior em uma projeção de futuro próximo, e como o desenvolvimento de uma questão específica pode ter efeitos importantes. Neste caso, indicadores nacionais teriam sido importantes em São Carlos para demonstrar à opinião pública ou stakeholders possivelmente contrários à política de diversidade sexual, que a homofobia captada por mensurações nacionais possui impactos sociais que deveriam ser tratados localmente, de modo que aspectos culturais e simbólicos presentes nas relações humanas são sobressaltados discursivamente, em conjunto com dados nacionais sobre violência homofóbica.

Esse encadeamento lógico está presente, principalmente, na fala de membros da ONG

Visibilidade, apresentada26 em diversos espaços institucionais. Ora representando a si própria

enquanto um coletivo formalizado para tratar de questões sociais, como em alguns discursos

no uso da tribuna livre27 dentro da Casa Legislativa e em entrevistas a veículos de mídia, ora

no papel de representante do movimento social local, como na realização da Parada do Orgulho na cidade e em ações do Conselho Municipal LGBT.