• Nenhum resultado encontrado

A silvicultura do Eucalipto: Brasil, Minas Gerais e Jequitinhonha

Árvore nativa da Austrália, o eucalipto foi introduzido no Brasil entre 1855 e 1870, no Rio de Janeiro, a princípio para arborização de jardins e vias públicas (NUNES, 2001). Já em 1904, torna-se alternativa à crescente demanda de lenha, combustível essencial as locomotivas a vapor, além de suprir a necessidade de madeira para a fabricação de postes e dormentes para as estradas de ferro na região Sudeste. Sua alta produtividade por área plantada e a disseminação do uso do carvão vegetal pela indústria, conduz seu cultivo com o passar dos anos para as demais regiões do Brasil. Com o aumento do uso da lenha, principalmente para o abastecimento energético das indústrias, cresce também a extensão das áreas ocupadas ou reflorestadas.

A contar da década de 1950, o reflorestamento com eucalipto adquiriu rapidamente a característica singular de espécie vegetal mais plantada no mundo (VALE, 2004). No Brasil, a descoberta da possibilidade de uso de sua fibra para produção industrial de celulose, matéria- prima básica para a produção de papel resultou na ocupação de extensas áreas, dotando o Brasil com o maior banco genético de eucalipto e maior área plantada fora da Austrália (NUNES, 2001, p.92).

Em 1961, ocorre no Brasil a Conferência Mundial do Eucalipto, evento organizado pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação), que promoveu a criação de programas de incentivo à expansão da cultura no país. Uma das principais medidas adotadas pelo Governo Federal ocorreu em 1966, com o programa de incentivos fiscais para o reflorestamento, a fim de atender à demanda e os planos das indústrias que utilizavam a madeira como matéria-prima, principalmente nas regiões Sul e Sudeste do país (VALE, 2004, p.9).

A reduzida extensão da cobertura natural de florestas nas regiões Sul e Sudeste, aliada aos incentivos fiscais do governo para expansão das áreas ocupadas com eucalipto, promoveu o crescimento do número de fábricas de celulose. Da mesma forma os incentivos fiscais fornecidos pelo Governo Federal possibilitaram a implantação de parques agroflorestais que fornecessem matéria-prima para indústria madeireira e siderúrgica no Sul da Bahia e norte do Espírito Santo.

Em Minas Gerais, o avanço do setor siderúrgico alavancou a expansão da silvicultura do eucalipto no estado. Principal fonte de matéria prima para a produção de carvão vegetal, o eucalipto adequou-se à necessidade de uma fonte energética barata, em comparação ao carvão

mineral, que abastecesse os fornos na produção de aço e ferro-gusa. Dessa forma, gradualmente grandes áreas cobertas por eucalipto surgiram em diversos pontos do estado, concentrando-se, nas décadas de 1960 e 1970, nas áreas do cerrado do norte e nordeste de Minas. Nessas localidades, originaram-se grandes parques silvícolas, que por meio dos incentivos fiscais e creditícios fornecidos por programas nacionais e estaduais de ocupação das áreas do Cerrado, expandiram a produção de eucalipto, o que por consequência gerou um aumento na concentração de terras na parte setentrional do estado.

As bases empresariais da produção silvícola apoiavam-se no emprego de técnicas poupadoras de mão de obra, fruto da modernização agrícola conservadora em curso no país nas décadas de 1960 e 1970. Por conseguinte, a implantação dos eucaliptais no norte e nordeste do estado, além de dar origem à elevada concentração de terras, no Vale do Jequitinhonha, desarticulou o sistema de produção agrícola familiar e comunal, em que das áreas de chapadas obtinha-se recursos como frutos e lenha. Essa desarticulação operou-se, pois nestas áreas implantaram-se os bosques florestais, favorecidos pela topografia aplainada da região.

As ações governamentais de cunho intervencionista, que ocorreram no Vale do Jequitinhonha, sobretudo nos anos 1960, privilegiavam grandes empresas rurais, representantes da “modernização conservadora”, que se pautavam pela racionalidade produtivista, pela acumulação de capital e espoliação ambiental.

Matos (1999) destaca que as mudanças na dinâmica econômica intrarregional não resultaram em um crescimento econômico sustentado. No Alto e Médio Jequitinhonha, a incorporação da cafeicultura moderna, instalada em grandes extensões de terra, juntamente com o plantio de florestas de eucalipto, cuja madeira era destinada à produção de carvão vegetal, matéria prima que em tese substituiria o coque ou carvão mineral nas siderúrgicas mineiras, não só reorganizou a dinâmica econômica local, como também desarticulou as pequenas propriedades, de baixa produtividade.

As mudanças estruturais originadas pelo processo de modernização da região facultaram ganhos econômicos para as grandes empresas e o ônus social para a sociedade, no caso do Vale do Jequitinhonha, para os agricultores familiares. As mudanças ocorridas na estrutura fundiária do Vale desde 1960 promoveram a desarticulação da produção de cunho familiar, dos espaços comunitários de caça e coleta, como os topos das chapadas, e principalmente da organização familiar do espaço rural, como pontua Ribeiro e Galizoni (2000, p.173):

  Os lavradores sempre afirmam que suas terras estão no bolo, ou seja, seu terreno está em comum; no que diz respeito a documentos, não formalizam partilha e as posses estão definidas e demarcadas pelo trabalho da família. Esta característica é constante no regime de terras da região, que traz em si a concepção que a legitimidade uma posse é fluida, respeitada e mantida enquanto a família deposita nela trabalho.

Em decorrência da introdução das lavouras empresariais no Vale, foram acentuadas as disparidades sociais intra-regionais, o que contrasta com os argumentos governamentais e órgãos competentes, que salientavam a importância da ocupação produtiva das terras do Jequitinhonha como forma de promoção do desenvolvimento e diminuição das disparidades econômicas locais.

As medidas adotadas no Vale, a contar dos anos 1960, originam-se sobremaneira da concepção de desenvolvimento vigente no Brasil e no mundo, cuja expressão maior se deu através dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND’s). O II PND, por exemplo, lançado ao final de 1974, mas somente instituído no governo Geisel, tinha como objetivo completar o processo de substituição de importações, além de propor medidas que mitigassem os efeitos da crise energética vigente no mundo naquele momento. Segundo Nunes (2001), o II PND incluía o Vale do Jequitinhonha no grupo dos “bolsões de pobreza do país”.

No entanto, esse quadro é alterado com a possibilidade de ocupação das terras do Jequitinhonha, principalmente Alto e Médio, com as “modernas” e ao mesmo tempo ambientalmente degradantes lavouras de café e eucalipto. O que se percebe é uma reorganização produtiva do Estado de Minas Gerais, catalisada por medidas políticas, que têm como eixo norteador o baixo custo da terra e a geografia favorável a mecanização, grandes estoques de mão de obra barata e disponível e principalmente o fornecimento de carvão vegetal ao parque siderúrgico mineiro, localizado na região do Vale do Aço, com destaque para Ipatinga e Ouro Branco.