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Os primórdios da ocupação do Vale

Ao final do século XVII crescia a expectativa da Coroa portuguesa quanto às riquezas minerais abrigadas no interior da Colônia. O empreendimento das entradas, expedições

financiadas pelo governo português, oriundas, em geral das áreas litorâneas, e das bandeiras, expedições armadas promovidas por exploradores particulares, que partiam em larga medida das capitanias de São Paulo e São Vicente, possibilitaram a abertura de caminhos rumo ao interior do território.

Apesar das primeiras expedições promovidas ainda no século XVI rumo ao interior do que viria a ser a Capitania de Minas em 1720, foi somente nas últimas décadas do século XVII que duas grandes frentes de ocupação se consolidaram. A rota da mineração, avançou pelo sul, atingindo a região central do território mineiro, consolidando a mineração aurífera em Vila Rica (Ouro Preto), Mariana, São João del-Rei, Sabará e Caeté (SOUZA, 2010, p.11). No início do século XVIII, essa mesma rota alcançou a região do Alto Jequitinhonha, encontrando ouro nas minas do Ivituruí, termo que na língua tupi é sinônimo de “montanhas frias”, uma clara menção às características da paisagem verificada na Serra do Espinhaço. Nessas cercanias foram estabelecidos diversos povoados, entre eles o da Vila do Príncipe (atual Serro), elo territorial com as minas do sul, e o Arraial de Tijuco.

Por outro caminho, oriundo do litoral baiano, avançava a frente de ocupação norte do território mineiro. Se a rota da mineração foi caracterizada pelo ritmo frenético da atividade mineradora e pelo estabelecimento da vida urbana, a rota da pecuária acompanhava o ritmo próprio do passo do boi, constituindo as bases de uma organização social centrada em elementos do mundo rural (SOUZA, 2010, p.12). Essa segunda rota teve como eixo norteador o Vale do rio São Francisco, seguindo a montante do grande curso d`água, atingindo também as nascentes dos rios Pardo e Grande (atual rio Jequitinhonha). Os Vales, além de serem rota segura contra os obstáculos do relevo acidentado, possibilitavam o acesso a fontes perenes de água, o que delineava rotas de tráfego que tendiam a se tornar permanentes (MATOS, 2000, p.3).

A pecuária tornou-se fundamental no abastecimento da população urbana que se consolidava em razão do intenso fluxo imigratório. A mineração era, entretanto, notadamente a atividade que mais interessava à Coroa portuguesa, o que pode ser comprovado pela minuciosa e intensa fiscalização empreendida, por causa da possibilidade de contrabando. Esse temor se justificava não só pela riqueza das reservas de ouro e diamantes encontrados nas minas do Alto Jequitinhonha, mas também pelas dificuldades naturais de acesso à região, dificultado pelo relevo acidentado e pela distância em relação à região central da capitania. Foi nessa região que se estabeleceu, com maior rigor as instituições de fiscalização e tributos sobre a atividade mineradora.

  A porção nordeste do que viria a ser a província das Minas dos Matos Gerais, em 02 de dezembro de 1720 (SOUZA, 2010), tem seu território inicialmente ocupado por aventureiros, que partindo da Capitania de Porto Seguro rumo ao interior, em 1553, chegaram, após três anos de marcha, ao Vale do Jequitinhonha. Coube à expedição bandeirante Espinosa-Navarro liderada por Francisco Bruza de Espinosa e pelo padre jesuíta João Apisculeta Navarro, a quem coube a tarefa de relatar a expedição bandeirante dois anos depois de encerrada (SOUZA, p. 26), a ocupação inicial do território. Seguindo do rio Grande, atual rio Jequitinhonha, Espinosa marchou até as proximidades da nascente, e de lá se deslocou para o norte da Capitania, alcançando os rios Jequitaí e Verde Grande, e retornou ao litoral através da descida do rio Pardo.

Depois da expedição Espinosa-Navarro outras bandeiras se dirigiram aos sertões. Ainda no século XVI, as expedições lideradas por Martim de Carvalho (1567-1568), Sebastião Fernandes Tourinho (1572-1573), Antônio Dias Adorno (1576) e Marcos de Azevedo (1596 e 1611) (SOUZA, 2010, p. 27), ingressaram no sertão à procura de ouro e de pedras preciosas. No século XVII, novas investidas foram realizadas, a principal delas liderada por Fernão Dias Pais Leme, mais precisamente em 1674. Fernão Dias atinge o médio São Francisco através dos rios Araçuaí, Itamarandiba e Matias Cardoso, que viria a constituir o elo entre o nordeste e o sul da colônia pelo interior.

A descoberta de ouro em Vila Rica (Ouro Preto), parte centro-sul da capitania das Minas, no século XVII, deixou a região do Vale do Jequitinhonha pouco atrativa para a atividade pecuária. Todavia, no início do século XVIII foram registrados achados de ouro e pedras preciosas ao longo da Serra do Espinhaço, mais precisamente nas proximidades da Comarca de Serro Frio (1720) e Tijuco, arraial pertencente à Vila do Príncipe, e atual Diamantina. Esse acontecimento imprimiu maior dinamismo na ocupação e povoamento da região.

Os achados conduziram ao crescimento populacional, em razão da demanda por braços para extração do ouro, e posteriormente diamante. Por conseguinte, toda a sorte de aventureiros buscava, nas minas de Serro Frio e proximidades, o enriquecimento oriundo da atividade minerária, como o proporcionado pelas minas de Vila Rica.

Coube à expedição paulista de Antônio Soares Ferreira a descoberta de ouro nas proximidades da nascente do rio Jequitinhonha, ou das minas do Hivituruí, denominação indígena de montanhas frias, que viria a ser, em 1714, a Vila do Príncipe, atual município de Serro. Outro nome que compunha a expedição paulista, Sebastião Leme do Prado, efetivou a

ocupação da região e também a fundação de vários povoados, entre eles o Arraial do Tijuco (atual Diamantina), que juntamente com Serro, constituía o centro da mineração na Serra do Espinhaço.

As atenções estavam voltadas até 1729 à exploração das lavras auríferas no Tijuco. A extração mineral estava condicionada a posse das cartas de datas, expedidas pelo Guarda-Mor da Vila do Príncipe, mediante pagamento dos direitos estabelecidos sobre as lavras auríferas.

Todavia, ainda em 1729 houve notícias de que “...em vários rios e ribeiros da Comarca de Serro do Frio tem aparecido e vão aparecendo umas pedrinhas brancas, que se entende ser diamantes” (SANTOS, 1976, p.49). Essa incerteza se deveu ao desconhecimento, nas lavras auríferas, da origem e valor das pedras pequenas, cujo brilho incomum saltava aos olhos. Não lhes conhecendo, os mineiros as guardavam a título de curiosidade, e como objetos para marcar jogos (SANTOS, 1976).

Segundo Joaquim Felício dos Santos (1976, p.49 ), não se sabe ao certo quem foi o primeiro descobridor ou conhecedor dos diamantes, pois:

uns querem que fora Bernardo da Fonseca Lobo, quem os descobrira e manifestara à Coroa. Outra tradição diz que um frade, cujo nome não se declarava, tendo vindo ao Tijuco depois de ter estado em Golconda, onde já se minerava o diamante, vendo os tentos de que se serviam os tijuquenses para marcar jogo, conheceu que eram diamantes.

D. Lourenço de Almeida remeteu à Coroa algumas pedras, que se havia concluído serem diamantes. Obteve a resposta da Coroa de que não havia se enganado em suas conjecturas, pois mais que duas remessas de pedras semelhantes haviam sido enviadas de Minas a Lisboa (SAINT-HILAIRE, 1974, p.13). Um ano depois do comunicado oficial à Coroa, os diamantes foram declarados propriedade real. Estabeleceu-se a proibição da exportação para a Europa em navios estrangeiros e taxou-se o traslado de cada pedra em 1% do seu valor (SAINT- HILAIRE, 1974, p. 14).

Em razão da descoberta, a ocupação do Alto Vale do Jequitinhonha ganha novo impulso, principalmente nas proximidades do Distrito Diamantino, como em Minas Novas, reincorporada da Bahia à Capitania de Minas dos Matos Gerais, por consequência do frágil controle baiano sobre o contrabando de ouro e diamantes.

Após a descoberta e o início da exploração, a Coroa portuguesa temia o descaminho das riquezas minerais da região do Alto Jequitinhonha, o que explica a criação do Distrito Diamantino em 1731, cujos limites eram alterados de acordo com os novos achados. Contudo,

  não satisfeita, a Coroa ordenou a cassação dos direitos das lavras em que se encontravam diamantes e a proibição da exploração a partir de 1733. Como destaca Santos (1976, p. 14):

O Distrito dos Diamantes ficou como que isolado do resto do Universo; situado em um país governado por um poder absoluto, esse distrito foi submetido a um despotismo ainda mais absoluto; os laços sociais foram rompidos ou pelo menos enfraquecidos; tudo foi sacrificado ao desejo de assegurar à Coroa a propriedade exclusiva dos diamantes.

Já no início do século XIX, a atividade mineradora apresentava sinais de desaceleração, fruto da intensa fiscalização portuguesa e da exaustão das minas de ouro e diamantes, principalmente no Distrito Diamantino. Esse cenário intensificou o processo de ocupação de lugares distantes daqueles mais fiscalizados, a saber, as cercanias de Minas Novas, e também ao longo do médio curso do rio Jequitinhonha, locais em que ainda se verifica a existência de ouro de aluvião.