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6 – A Socialização e a Construção da Identidade Profissional: dois processos indissociáveis

CAPÍTULO V – APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS Por se tratar de um estudo de caráter qualitativo, que busca primeiramente a

V. 6 – A Socialização e a Construção da Identidade Profissional: dois processos indissociáveis

Ao longo do desenvolvimento das suas práticas, com incidência significativa nas práticas iniciais, as educadoras participantes neste estudo revelam ter existido fatores potenciadores e constrangedores da sua integração profissional, simultaneamente influentes na sua construção identitária como educadoras de infância. Intimamente relacionados com alguns problemas iniciais descritos no ponto anterior, evidenciaram- se como preponderantes os diversos processos de socialização vivenciados pelas recém-educadoras.

Apesar de todas se afirmarem, à entrada do seu terceiro ano de exercício profissional, como educadoras (embora reconheçam o ainda longo e inacabado percurso de

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aprendizagem profissional) reconhecem que nem sempre e nem com todos os parceiros educativos foi assim. Descrevem, em momentos diversos, oscilações no seu sentimento de pertença ao grupo profissional intimamente relacionados com ligações estabelecidas (ou não), olhares empáticos ou reprovadores, questionamentos ou desconsiderações.

Ainda que, na generalidade, a identidade profissional não esteja consolidada no final da formação inicial, antes se oscile por entre uma indefinição de papéis - de aluna, educadora, auxiliar, amiga, “mãe” - é verdade que a forma como esta evolui está intimamente relacionada com o contexto de trabalho que acolhe cada profissional pela possibilidade que este lhe confere de vivenciar processos socializadores mais ou menos positivos.

Desta forma tentaremos tornar compreensiva a singularidade de cada contexto, de cada percurso, de cada processo de socialização e das suas consequências em cada identidade construída até então.

Logo nos primeiros momentos como profissionais, os educadores têm de relacionar-se diretamente com as crianças que acompanham, as suas famílias, os colegas de trabalho – outros educadores de infância e auxiliares de educação – e os seus superiores hierárquicos. É deles e das interações que com eles estabelece que depende a imagem mais ou menos profissional que o jovem constrói de si mesmo. Esta dependência evidencia-se claramente numa constatação de uma das nossas participantes:

“Às vezes pensava: «bem, quem entrar aqui [na sala de atividades] vai pensar que esta rapariga, realmente, não percebe nada disto!»” (Inês)

A imagem, associada ao crédito que veem impresso à sua atuação como educadoras, acaba por influir diretamente na (in)segurança com que desenvolvem a sua atuação e envolvimento na profissão.

As crianças do grupo que acompanham, se bem que se revelam fonte de desafios e dificuldades, são, por outro lado, os agentes socializadores que menos constrangem a afirmação profissional. Mesmo assumindo os receios, é com elas que todas as participantes se revelam sentir como educadoras de infância.

“Os momentos em que me sinto educadora é mesmo quando estou com o grupo de crianças…” (Alice)

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“Sentia-me «responsável» por aqueles meninos... [risos] (…) mas se me sentia tão educadora? Eu acho que sim…” (Inês)

Nas famílias das crianças veem alguém a quem têm que dar continuidade, demonstrar competência e merecer confiança. Fazê-lo imersas em inseguranças pessoais pode condicionar esta base de relacionamento. Ainda assim, todas as educadoras principiantes referem famílias simpáticas e acolhedoras muito embora algumas tenham deixado perceber uma certa preocupação relativamente à jovialidade e inexperiência das profissionais, contribuindo inconscientemente para aumentar as suas fragilidades.

“Os pais consideraram-me educadora... só o meu aspeto é que é um aspeto de menina e perguntaram se eu era mesmo educadora…” (Cristina)

“Os pais... houve um que me disse «mas acabou mesmo o curso?!»... lá veio aquela minha questão, aquele medo que eu tinha, foi naquele momento...”

(Inês)

“Os pais, talvez por eu ter assim este ar muito menina, questionaram-me: o que eu estava a fazer, o que eu fazia, se eu fazia bem...” (Tita)

No que respeita ao sentimento de identificação com o novo grupo profissional são as colegas que parecem ter tido maior poder de condicionamento, pela positiva (quando acolhem, integram e respeitam o trabalho e opiniões das jovens profissionais) ou pela negativa (quando as desconsideram, reprovam ou questionam), embora se observem diferenças entre o comportamento de educadoras e auxiliares:

“Menos educadora, com as colegas educadoras… (…) Primeiro porque me viam como auxiliar e depois porque as ideias que eu fui dando não eram aceites, não eram levadas em consideração... As auxiliares sim viam-me como educadora… (…) e sempre receberam bem as minhas ordens... mais pedidos!”

(Cristina)

“A nível das colegas educadoras… elas encararam-me, primeiro que tudo, como mais uma rapariga nova que veio para trabalhar e depois, com a experiência, foram-me encarando como educadora.” (Inês)

“[As colegas] … sempre me consideraram uma educadora até mesmo quando eu não me sentia educadora... pela forma como me tratavam, pelo respeito que tinham por mim, pelo meu trabalho, pelas minhas crianças...” (Tita)

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“Não me sentia educadora. Sentia-me mais como uma auxiliar, se calhar... até porque passado um mês ou dois a senhora da cozinha achava mesmo que eu era auxiliar.” (Maria)

Contudo, o clima vivenciado nas instituições de acolhimento também sofre a influência das direções e do grau de autonomia que estas permitem aos seus profissionais. Esta perspetiva é observável também na análise das narrativas das jovens profissionais:

“[A direção] Nunca questionaram, sempre fizeram referência que era a educadora mas depois depende sempre da pessoa: há aquelas direções que tentam... gerir... tentam estar em todo o lado e fazer a gestão de tudo...” (Alice) “A direção estava do outro lado mas instituíram um clima de medo em que berravam, desconsideravam, só confiavam em pouquíssimas pessoas… (…) entre colegas era ainda pior!” (Madalena)

Atendendo a estas afirmações importa ainda considerar que, embora assumindo uma importância fulcral, não bastam apenas as características dos contextos ou as relações estabelecidas para construir solidamente a identidade profissional havendo ainda lugar a uma construção interna por parte de cada profissional. Concretizando no exemplo prático de uma participante, apesar do processo de socialização (facilitador) bastante positivo vivenciado pela “Tita” no que ela descreve como “o paraíso”, esta afirma depender de si, da autoavaliação das suas práticas e do próprio sentimento de segurança e domínio sobre as estratégias de ação a assunção “intrínseca” da pertença ao grupo profissional.

“(…) eu acho que me senti educadora no meu segundo ano de trabalho… (…) nós quando já passámos pelas coisas temos tendência a tentar melhorar e já não me custou tanto... e aí sim, eu afinal era a educadora…” (Tita)

Resumidamente, dependendo da interioridade do indivíduo, dos reflexos de si mesmo que lhe são imputados pelos outros ou da interação entre ambos, parece ser evidente nos testemunhos de todas as participantes que a identidade está em muito dependente da sua (auto)imagem e é ela que marca alguns percursos das jovens profissionais:

“A imagem que eu guardo do primeiro dia que entrei foi: «o que é que os colegas vão pensar de mim?»...” (Inês)

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