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A sociedade Internacional: elementos de participação de Estados periféricos

Considerações teóricas

1 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1.2 A sociedade Internacional: elementos de participação de Estados periféricos

Entre as décadas de 1950 e 1960, surge uma nova corrente de pensamento no âmbito das teorias de Relações Internacionais: a Escola Inglesa. Tal corrente foi criada a partir da demanda do British Council e do Comitê Britânico para Política Internacional para produzir uma corrente de Relações Internacionais que estivesse mais de acordo com as leituras acerca da experiência da Grã-Bretanha.

Partindo de pressupostos neo-Grocianos, ou seja, da concepção de que os Estados não agem livremente/naturalmente sem restrições morais – o que contraria a teoria realista baseada em Hobbes15, a teoria aqui afirma a existência de uma Sociedade Internacional calcada em regras de convivência experienciadas a priori na Europa desde a Paz de Vestfália em 1648 (BULL, 2002; WATSON, 2004; WIGTH, 1985), em contraposição à ideia de um Sistema Internacional clássico dos realistas.

Enquanto o sistema internacional resultaria no contato e impacto reciproco que dois ou mais Estados causam ao interagirem, sendo a questão comportamental - poder e força - pontos-chave para os cálculos das ações dos outros (BULL, 2002: 15), a sociedade internacional vai adiante. Parte-se do pressuposto de que os

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A corrente realista de Relações Internacionais em uma perspectiva hobbesiana, tende reproduzir, no cenário internacional, o medo da guerra e incerteza constantes de todos contra caracterizado pelo autor em sua obra O Leviatã para regiões sem uma única liderança efetiva. O padrão comportamental dos Estados, neste caso, seria de desconfiança mutual, marcado por ações egoístas, sem nenhuma possibilidade real de cooperação entre os atores. Os Estados, em busca de proteção, aumentariam sua capacidade de agressão, criando um ciclo vicioso de medo e autoproteção bélica.

Estados partícipes, a partir de costumes e valores comuns, se organizariam, tendo em vista a construção de normas de comportamento e cerceamento de suas ações, de forma institucionalizada: a violência entre os Estados seria limitada pelo poder das instituições estabelecidas pelos mesmos. Os Estados, segundo o autor:

[...] se consideram veiculados a determinadas regras no seu inter- relacionamento, tais como a de respeitar a independência de cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força. Ao mesmo tempo, cooperam para o funcionamento de instituições tais como a forma de procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional, assim como os costumes e convenções da guerra. Nessa acepção, uma sociedade internacional pressupõe um sistema internacional, mas pode haver um sistema internacional que não seja uma sociedade. (BULL, 2002, p. 19).

A Sociedade Internacional abrangeria cada vez mais Estados, à medida que estes fossem capazes de atestar sua capacidade de cumprir as regras previamente estabelecidas e se envolvessem, de forma positiva, naquele ambiente. Desta forma, o que ocorrera, segundo os teóricos da Escola Inglesa, foi um processo de transformação do sistema em sociedade internacional, processo esse que durou mais de três séculos – tendo seu fim, segundo Gonçalves (2002, p. 18), no período subsequente à Segunda Guerra Mundial e ao processo de descolonização –, no qual as mais diversas regiões do mundo foram congregadas aos moldes da estrutura jurídico, política e cultural da sociedade europeia. É notória, então, a participação da França na Sociedade Internacional desde a formação da mesma: o Estado francês seria um dos principais partícipes da Sociedade Internacional Europeia, dessa forma, a adequação francesa às normas da sociedade Internacional Global seria algo indiscutível. Ao mesmo tempo, Estados periféricos, como o Brasil, teriam sido “incorporados” a essa Sociedade no século XIX, quando os europeus teriam, segundo Watson (2004, p. 369), conseguido transformar sua rede de relações econômicas e estratégicas em uma espécie de unificação mundial.

Nesse caso, postula-se que a entrada de regiões periféricas em tal Sociedade seria estimulada, porém difícil, tendo em vista a grande diversidade cultural de tais regiões: algumas partes do mundo foram, então, colocadas “[...] debaixo da hegemonia coletiva do concerto europeu [...]” (WATSON, 2004, p. 371), algo que perduraria até os mais recentes processos de descolonização da segunda

metade do século XX. Para que a participação dessas novas regiões se tornasse possível, foi necessário criar mecanismos capazes de agregar os países de forma abrangente, a partir de organismos e instituições internacionais das mais variadas.

É importante salientar que os moldes descritos pela Escola Inglesa veem sua criação e efetivação dentro de um contexto fortemente europeu ocidental cristão, de forma a desconsiderar qualquer tipo de coletividade que fugisse dos padrões instituídos. O “clube” de Estados soberanos europeus foi, assim, capaz de estabelecer as regras e aceitou a entrada apenas daqueles países que se mostraram aptos a adaptações às mesmas. Para fazer parte da Sociedade Internacional contemporânea, os Estados não-europeus (ou mesmo aqueles da periferia da Europa, como a Rússia e a Turquia) deveriam demonstrar capacidade de seguir as regras pré-existentes e evidenciar que compartilhavam dos valores de tal sociedade.

O Brasil, em sua insistente tentativa de participar de tal Sociedade, desde os tempos do Império, conseguiria fazê-lo efetivamente a partir do processo de independência das colônias europeias do Novo Mundo. O caso brasileiro seria, também, pleno de especificidades: pela instalação da Coroa portuguesa no país e alterações no status colonial do país – em especial, a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves em 1815 –; e pelo seu processo de independência, levado a cabo por Dom Pedro I, príncipe regente, garantindo, assim, a continuidade política nos moldes europeus. Isso seria possível, também, pela política do Império a partir da busca de D. Pedro II para manter as relações entre o Brasil e a Europa em bons termos, apresentando ao Norte um país capaz de se adequar sem grandes obstáculos à Sociedade Internacional nos moldes europeus. As ações de D. Pedro II, nesse sentido, seriam várias; destacamos, aqui, a participação brasileira em eventos como as Exposições Universais da Filadélfia e de Paris.

A própria presença do Imperador Dom Pedro II, em 1876 na Filadélfia, já demonstrava a tentativa brasileira de pautar os valores e condutas do Brasil tendo em vista aqueles dos Estados participantes da Sociedade Internacional naquele momento. Em Paris, a presença brasileira seria marcada pela busca de um Brasil civilizado, capaz de versar sobre seus feitos da mesma forma que os países civilizados da Sociedade Internacional nos moldes europeus. Se o país não possuía o prestígio de nação civilizada, as ações de Dom Pedro II, tendo em vista os avanços científico-tecnológicos, seriam capazes de criar um espectro de sofisticação

da elite brasileira que garantiria ao país, mais tarde, uma entrada “livre de maiores obstáculos”, sendo o Brasil considerado uma espécie de “Neo-Europa”, como observa Monique Goldfeld (2012). Para a autora:

Em meados do século XIX, entidades não europeias de variados portes passaram a demandar ou a ser demandadas a integrar uma sociedade internacional de núcleo europeu. Trata-se de um período importante de “virada imperial”, sobretudo britânico, em que o planeta passou a ser esquadrinhado, ocupado e as relações da Europa com o mundo, redefinidas com base em um centro europeu. Assim, como sugere a Escola Inglesa, o período foi marcado pela expansão da sociedade internacional de cunho europeu mundo afora, de forma extremamente estratificada, seja entre os próprios europeus e também entre os não europeus. (GOLDFELD, 2012, p. 38).

Assim, como observa Bull (2002), outras formas de integração e interação entre os Estados partícipes da Sociedade Internacional foram sendo criadas, baseadas no princípio de convivência e de partilha de valores comuns, o que protegeria os atores do estado de natureza hobbesiano. Essa partilha de valores pode ser percebida, no caso brasileiro no século XIX, pela transformação do país em “império” tendo em vista necessidades locais e internacionais de reconhecimento e diferenciação em relação ao Reino de Portugal. Enquanto Império periférico, o Brasil não rompia definitivamente com a Europa – que, afinal, criara o rumo imperial: o país não necessitava de outros territórios, tendo em vista suas proporções geográficas “continentais” para se autoafirmar Império. Ao mesmo tempo, a adesão aos modos e regras preconizados pela sociedade internacional europeia já se faziam notar na própria coroação de Dom Pedro I, que seguia o modelo napoleônico (GOLDFELD, 2012) e seguiria no Segundo Império e na Primeira República, iniciada em 1889. Também o modelo republicano brasileiro foi inspirado nas ideias que, como veremos, partem da França, ou seja, é um dos países do centro da Sociedade Internacional que fornece ao Brasil – país periférico e, ainda hoje, emergente, devido à distribuição desigual de poder na política internacional (HURRELL, 2007:02; BULL, 2000) - parâmetros para sua atuação internacional.

Postulamos que uma das formas pelas quais Estados buscam poder – e isso principalmente a partir da década de 1990 com a queda do muro de Berlim e o fortalecimento de organismos como a Organização das Nações Unidas – é a partir

de uma participação ativa no cenário internacional na qual contribuiria a articulação de fatores culturais nacionais com aqueles provenientes de uma “cultura” internacional.

Tal articulação dar-se-ia por meio de Relações Culturais Internacionais e de uma ação da diplomacia Estatal. Para tanto, Estados considerados poderes emergentes buscariam agir por meio das instituições base da Sociedade Internacional – como a diplomacia – com o objetivo de destacar sua cultura como facilitadora das relações no plano global. Ao criar uma estratégia cultural (FERGUSON, 2000), Estados poderiam articular valores internacionais com possibilidades de “excepcionalidades” nacionais para se sobressairem no plano internacional. Assim, esporte, cinema e todos os outros tipos de atividades que aumentassem o intercâmbio e o conhecimento entre os Estados seriam de interesse, também, para o jogo internacional. Veremos, mais adiante, como as associações entre os Estados contaram com os elementos culturais para se desenvolverem. Passemos a uma breve revisão bibliográfica sobre a questão identitária no Brasil e a uma análise da mesma.

1.3 Entre Relações Culturais Internacionais e Diplomacia Cultural: a ação