• Nenhum resultado encontrado

Considerações teóricas

1 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

1.1 Poder e projeção internacional

“La culture doit être perçue comme vecteur d’influence et champ d’afrontements.”

(PIERRE MILZA, 1980)12

A abordagem teórica de Relações Internacionais é marcada pelo estudo das relações de poder entre os Estados. De fato, em todas as escolas de pensamento desse campo, a questão do poder assume um espaço central. Tal interesse pelo assunto no âmbito internacional encontra-se ancorado na própria disciplina fundacional das Relações Internacionais, a Ciência Política. Porém, qual é a noção de poder que nos interessa neste campo?

Como observa Noberto Bobbio (1991, p. 33-34), “Em seu significado mais geral, a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos [...]” Para o autor, temos uma mudança na postura comportamental à medida que um ator busca definir a conduta dos outros, sendo este tipo de poder considerado “poder em ato” ou “poder atual”: “Consiste no comportamento do indivíduo A ou do grupo A que procura modificar o comportamento do indivíduo B ou do grupo B”. (BOBBIO, 1991, p. 33-34). Assim, o que estaria em destaque é a questão do interesse de um ator mudar o curso da ação de outro.

Para a escola realista, formada principalmente por teóricos dos Estados Unidos e Reino Unido, o poder é a variável predominante na relação entre os atores. Hans Morgenthau, em seu clássico A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz (2003), argumenta que a chave para a compreensão das relações entre os Estados está no fato que estes teriam seus interesses definidos em termos de poder, entendido como “[...] o controle do homem sobre as mentes e as ações de outros homens.” (MORGENTHAU, 2003, p. 53). Tal controle poderia se dar a partir do uso da força em suas diversas manifestações ou não. Às vezes, apenas saber que um Estado poderia utilizar sua potência, tendo em vista a mudança de comportamento do outro, poderia ser critério de dissuasão da ação do outro. Entretanto, a Escola realista de Relações Internacionais, em suas mais diversas

12

A cultura deve ser percebida enquanto vetor de influência e campo de enfrentamentos. (Tradução nossa)

acepções, percebe como forma de poder mais eficaz aquele em que o uso da força se faz presente.

Em sua repaginação da Teoria Realista, o autor americano Joseph Nye (2004) estabelece que haveria formas diferentes de poder. Para Nye (2004), à medida que os indivíduos se interrelacionam, e os Estados já conquistaram certo reconhecimento de sua força na cena internacional, faz-se necessária uma outra forma de poder, de cunho diverso. Nye (2004) divide, assim, o poder em dois tipos: Hard e Soft. O Hard Power seria o poder advindo da coerção e de pagamentos. Em sua primeira teorização, Nye (2004) considera que os Estados deveriam conquistar tal forma de poder antes de passar a buscar qualquer maneira alternativa. Quando fossem possuidores de Hard Power suficiente, esses deveriam “diversificar” sua forma de ação no mundo, a partir daquilo que o autor caracteriza como Soft Power – um poder apoiado em valores compartilhados e de base internacional. Isso porque a configuração de interdependência na contemporaneidade fez com que surgisse a necessidade de mudar o comportamento dos atores de forma mais suave, sem enfrentamento bélico.

Com efeito, esse seria um poder baseado na cooptação de atores, mais do que em sua coerção. Ao colocar em relevo a rede complexa de interações possíveis, Nye (2004) destaca que, na política mundial, é possível que um Estado obtenha os resultados que deseja, porque, ao admirar seus valores, os outros podem desejar acompanhá-lo, imitando-lhe o exemplo, aspirando ao seu nível de prosperidade e liberdade.

Assim, cultura, instituições e políticas governamentais seriam valores que, no cenário mundial, poderiam levar à projeção dos países e representam, segundo Nye (2004), fontes decisivas de Soft Power à medida que levariam os outros desejarem o mesmo que nós próprios. Um ator possuidor de Soft Power seria capaz de atrair os outros por suas ideias, tendo capacidade para determinar a agenda política internacional de acordo com suas preferências. Constituiria a aplicação, no cenário internacional, da máxima “moscas se pega com mel”: ao invés de partir para ameaças, um país, como os Estados Unidos13, deveria buscar tornar sedutora sua diversidade cultural de forma a agregar parceiros no sistema internacional.

13

A teoria de Nye (2004) é claramente elaborada em vista do poderio estadunidense. O autor percebe que o país já havia conquistado um status de potência bélica e econômica mas corria riscos de perder terreno por não buscar novas formas de interação com os Estados, desconsiderando os

Embora tenha sido elaborada no interior da perspectiva realista, a teoria de Nye (2004) pode dialogar com outras tendências das Relações Internacionais que apontam para a importância da cultura e da identidade na interrelação entre os Estados. É o caso, por exemplo, da História das Relações Culturais Internacionais. Como observa Dominique Trimbur (conforme ORY, 2002, p. 15), a história das políticas culturais é um domínio de pesquisa ainda recente, em busca de sistematização. Entretanto, as ações culturais e a diplomacia cultural enquanto políticas estatais já estariam presentes na cena internacional há bastante tempo:

En France, les éléments d’une politique culturelle international existent pourtant depuis longtemps, dans les esprits comme dans la réalité. Que l’on songe à la foi en la ‘mission civilisatrice’ ou aux associations qui se constituent en contribuant directement ou indirectement, par essence ou plus incidemment, à l’action culturelle à l’étranger: par exemple l’Alliance Française, l’Alliance Israélite Universelle, la Mission laïque française; pour l’Allemagne, les instituts archéologiques […] (TRIMBUR conforme ORY,

2002, p. 17)14.

Parece-nos que o estudo detalhado do caso francês mostra, justamente, a estratégia da diplomacia cultural como mecanismo de consecução de poder da França, que se via em situação difícil frente ao poderio bélico inglês e, mais tarde, estadunidense. Como observa Loïc Gerbault (2008, p. 13), já no século XVII, tendo em vista um possível declínio bélico, a França se preocupava em demonstrar sua arte cultural diplomática, sendo Richelieu e Mazarin os chefes de orquestra da diplomacia francesa, dando início ao que se tornaria a “cultura de exceção” francesa. O mesmo pode ser percebido no século XIX, quando Gambetta buscou reformular o papel da França na cena internacional a partir da diplomacia, da cultura e do apoio intelectual (CHAUBET, 2006, p. 23). O país poderia, assim, assegurar sua projeção

efeitos da globalização e do relacionamento profícuo entre os atores internacionais. A obra de Nye:

Softpower – the means of succes in world politics, publicada em 2004 – após o grande debate do

lançamento do conceito pelo autor na década de 1990 – assume, assim, o formato de aforismas enunciados por alguém que havia participado da formulação da política exterior norte-americana nos anos 1990 e percebia, ali, problemas de diálogo com outros grupos. Haveria, nesse sentido, certa proximidade com o estilo maquiaveliano, só que, enquanto Maquiavel foi propositalmente deixado de lado em seu período, Nye ganhou mais evidência justamente nas refutações do valor de sua obra no interior da teoria realista.

14 Na França, os elementos de uma política cultural internacional existem há bastante tempo, tanto no

espírito, como na realidade. Que pensemos nas “missões civilizatórias” ou nas associações que constituem e contribuem, direta ou indiretamente [...] para a ação cultural no exterior: por exemplo, a Aliança Francesa, a Aliança Israelita Universal, a Missão laica francesa; na Alemanha, os institutos de arqueologia [...] (TRIMBUR conforme ORY, 2002, p. 17, tradução nossa).

internacional tendo em vista uma imagem de refinamento almejada pelos demais Estados no âmbito internacional. Isso porque a projeção do país encontra-se ligada a uma imagem transmitida pelo mesmo, principalmente por meio de sua forma de inserção no cenário internacional e às políticas adotadas para sua projeção cultural- identitária.

Passemos, agora, a outro conceito-chave para nosso trabalho: o de Sociedade Internacional.

1.2 A sociedade Internacional: elementos de participação de Estados