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amarelo: os eventos que construíram os “Brasis” que passam o Ano na França

CONSTRUÍRAM OS “BRASIS” QUE PASSAM O ANO NA FRANÇA

5.1 Brasil indígena

A questão sobre a herança e a continuidade cultural das minorias étnicas no Brasil foi, de forma geral, tema central para a construção das diversas imagens do país durante a temporada cultural de 2005. É necessário perceber que a própria discursividade utilizada pelo governo brasileiro na construção de uma identidade plural – recebida avidamente no contexto do Ano do Brasil na França –, apoiava- se, justamente, no reconhecimento e na valorização da diversidade como herança, mas também como parte integrante da realidade brasileira no período contemporâneo. Nesse sentido, as exposições sobre a diversidade cultural que utilizavam as culturas africana e indígena ganhavam grande projeção na busca da rearticulação das imagens do Brasil no exterior. É nesse contexto que as mostras

indígenas e, em especial a exposição Brésil Indien, que ocorreu no Grand Palais do Museu do Louvre, entre 20 de março e 26 de junho, é destacada nesse trabalho.

A exposição, que agrupava mais de 400 obras indígenas, buscava oferecer um panorama da vida indígena no Brasil desde seus primórdios. Segundo a descrição disponibilizada pelos organizadores da mostra, a exposição Brasil indígena contava com duas seções. Na primeira, de caráter arqueológico e histórico, descrevia-se a herança do passado nas culturas dos indígenas no Brasil. A segunda, com caráter etnológico, tratava da importância da estética na cultura ameríndia, algo que teria reflexo direto na representação francesa sobre os brasileiros. Dessa maneira, o Brasil indígena apareceu para os franceses como parte de um todo, do Brasil em si.

Arte e cultura se misturavam, criando, para o público francês, um vislumbre da identidade indígena no Brasil e como ela está presente no dia a dia dos brasileiros: máscaras, plumas, enfeites para o corpo, cerâmicas, instrumentos de música e de cozinha, fotografias, desenhos e outros artefatos encontram-se, em formatos diversos, nas tribos e nas casas.

As exposições sobre a Amazônia e a arte indígena, por representarem o exótico, tiveram, de certo modo, grande destaque no âmbito da temporada brasileira – maior, talvez, que aquele destinado às culturas africanas e europeias em seus legados para o Brasil. Tratar dessa temática na França é, também, redescobrir Levi- Strauss e todo seu trabalho na floresta amazônica nos anos 1930. Dessa forma, podemos considerar que o imaginário francês sobre o assunto acaba por reencontrar a realidade indígena; mas, também, as obras de um dos maiores antropólogos franceses, que dedicou parte da sua vida ao estudo do Brasil e, durante muito tempo, teve sua vida divida entre os dois países.

Tratar da questão indígena no Brasil, para os franceses, é tratar, também, de uma relação histórica, que remonta ao século XVI e que se apresenta de forma mítica, ou, como consideraria Hobsbawm (2004), como a invenção de uma tradição de proximidade entre dois povos separados pelo Oceano, mas que desenvolveram laços de amizade que devem ser preservados. O exotismo dos índios brasileiros passa a ser, na França, algo a ser cultuado, principalmente ao se pensar em seu habitat, a Amazônia, até hoje terra de mitos e sonhos de cura para os diversos males do mundo. A exposição Brésil Indien contou com 145.000 visitantes, sendo

seguida por diversas outras exposições que tinham os povos indígenas e a Amazônia por foco.

A curiosidade francesa sobre a questão indígena é, de fato, algo inerente às relações Brasil-França, como já apontado anteriormente, tendo, portanto, grande peso nas representações brasileiras no Hexágono. Esse grande interesse dado à questão da herança indígena no Brasil durante o Ano de 2005 é percebido a partir das inúmeras exposições de ilustrações, artefatos e fotografias indígenas bem como mesas-redondas, colóquios ou debates realizados com comunidades que se deslocaram do Brasil para contar suas experiências aos franceses. Salienta-se, também, o interesse da mídia pelo assunto. Se a Amazônia já é idealizada pela riqueza de sua biodiversidade, a experiência indígena é, também, um forte atrativo para os franceses desde, como vimos, o século XVI. Assim, ao tratar da cultura brasileira, as mídias não deixavam de lado o interesse destinado pelos franceses a um dos povos responsáveis pela formação do Brasil. Os eventos seriam notícia em rádios, em jornais, em revistas, televisão e pela internet, enfim, todos os meios de comunicação, inclusive com produções especiais sobre o assunto.

O que se percebe é a forte articulação das identidades indígenas com as identidades do Brasil que tais eventos tentaram promover, ao mesmo tempo em que buscavam ultrapassar a idealização francesa sobre o indígena brasileiro. Para romper com a ideia de um Brasil preso ao passado, sem possibilidades de desenvolvimento real, os eventos produzidos naquele período evidenciavam que a cultura indígena também passa por alterações e mostravam que o desenvolvimento tem grande efeito na vida das comunidades originais que sobrevivem na tentativa de preservação do seu patrimônio cultural e de suas tradições, ameaçadas pelas mudanças que percebemos no dia a dia, mas também na adaptação às novas realidades.

Exemplo disso que seria tratado durante 2005, era a questão da educação formal oferecida nas universidades federais especificamente voltadas para a realidade indígena. Com esse tipo de ação, o governo brasileiro legitimava a busca pela manutenção da exceção cultural indígena dentro do território brasileiro, salientando a perspicácia do Estado em reconhecer acordos internacionais, como aqueles elaborados no âmbito da UNESCO sobre as minorias étnicas e sua inserção no Estado-nação. Ressalta-se que, naquele mesmo período, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Brasil, em projeto conjunto

com a organização, produzia documentação sobre os povos indígenas, o que aumentava o interesse brasileiro em demonstrar a acuidade em tratar do tema no plano local. Dessa forma, as exposições sobre os povos indígenas e o Brasil, ao invés de oferecem um problema para o estabelecimento brasileiro no cenário internacional – podendo ser vinculadas ao caráter arcaico do país – eram, pelo contrário, percebidas como uma afirmação do multiculturalismo, e, portanto, do desenvolvimento social, a partir da aceitação clara da diversidade do território nacional. E as exposições tinham o poder de demonstrar a mudança do pensamento social e das práticas políticas no Brasil nesse sentido.

Ao mesmo tempo, a arte popular recebia grande atenção dos organizadores do Ano do Brasil na França, em um entendimento que esta seria uma das maiores contribuições contemporâneas para a compreensão da criação identitária contemporânea.

5.2 La Villette: A Cidade da Música e a celebração da “música de todos os