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Parceiros e o orçamento de “la Saison Brésilienne” na França

3 DE BRASIL A BRÉSILS: IDENTIDADES MÚLTIPLAS E PROJEÇÃO CULTURAL

3.3 Passamos à negociação: Quem vai? Quando vai? O orçamento

3.3.2 Parceiros e o orçamento de “la Saison Brésilienne” na França

Com a previsão inicial de 400 espetáculos por toda a França, o orçamento do Ano do Brasil, em 8 de novembro de 2004, seria de 20 milhões de dólares, segundo a Agence France Presse, encarregada da comunicação oficial governamental. Esse orçamento derivaria de parcerias e patrocínio (institucionais e privados)94 que os governos dos dois países fariam, do investimento direto dos governos Brasileiro e Francês, além do mecenato – importante vetor para a França devido à lei de isenção fiscal. O apoio financeiro governamental e a criação de um fundo comum garantiriam ao Ano do Brasil na França o necessário para cobrir os custos básicos dos eventos propostos e garantir o aporte financeiro em caso de problemas com financiamentos privados – esse foi o caso, como observaram os Comissários Jean Gautier (2014) e Andre Midani (2015), do aporte esperado, mas que não se concretizou, do Banco Santos, devido à falência do banco –, o que levou a algumas mudanças de planos: na Exposição “la musique populaire brésilienne”, sob curadoria de Dominique Dreyfus, que ocorreu entre 15 de março e 25 de junho na Cité de la Musique:

94

O Comitê francês de mecenas era formado por: Accor (hotelaria); Arcelor (siderurgia); Areva (energia); CNPAssurances (seguradora); Suez (energia e desenvolvimento sustentável, sendo parceiros L’Oreal et Saint Gobain; Groupe Casino (supermercados), Fnac.com (livraria), Galeries

Lafayette, La Mairie de Paris (Prefeitura de Paris), Metrobus, Le Printemps, la RATP (Rede de

Transportes Coletivos Parisienses), Sceren e Voyages-scnf.com. No caso brasileiro temos uma separação das parcerias e mecenas - Acesita, Aventis Pharma, Banco do Brasil, Banco Itaú, Banco do Nordeste, Banco BNP Paribas, Brasil S.A., Banco Safra, BNDES, Caixa Econômica Federal, Caixa Seguros, Carrefour, Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, Correios, Cemig, Cia Telefônica do Paraná, Companhia Energética de Goiás, Companhia Hidroelétrica do São Francisco, Copesul Petroquímica do Sul, Embraer, Fatec S/A, Federal capitalização, Furnas, Gerdau, Grupo Pão de Açúcar, Krupp Metalúrgica Campo Limpo Ltda., IBM, Infraero, Instituto Moreira Salles, Mineração Brasileira Reunidas, Natura, Petrobrás, REXAM, Rodobens, Sasse Companhia Nacional de Seguros Gerais, seara, Unibanco, Usina Siderúrgica de Minas Gerais, V&M do Brasil S. A., Varig e; seus parceiros institucionais: EMBRAPA, EMBRATUR, FENASEG, FIRJAN, Fondation Mérieux, Força Aérea Brasileira, Governo do Distrito Federal, Governo do Estado da Bahia, Governo do Estado do Maranhão, Governo do Estado do Estado de Minas Gerais, Governo do Estado do Pará, Governo do Estado de Pernambuco, Governo do Estado de São Paulo, Governo do Estado de Tocantins, Governo do Estado do Amazonas, Governo do Estado do Espírito Santo, Governo do Estado da Paraíba, Governos do Estado do Paraná; Governo do Estado do Rio de Janeiro, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Cultura, Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Turismo, Prefeitura do Recife, Prefeitura do Rio de Janeiro, REXAM Reality and Pharma, RODOBENS, SECOM/PR, Secretaria Geral da Presidência da República, SINDISEG, Subsecretaria de Assuntos Federativos do PR. Parcerias midiáticas: ARTE, Agence France Presse, les Cahiers du

Cinéma, France, France Télévisions (France 2, France 3, France 4, France 5, RFO) Match du Monde, leMonde 2, Mouvement, Radio-France (France-Info, France Inter, France Culture, France Musique, France Bleue, FIP, Le Mouv), Radio France Internationale, Télérama, TV5.

Fui convidada para assumir a exposição Musiques Brésiliennes [...] Foram dois anos de trabalho da equipe [...] o que eu previ, o que eu preparei foi muito mais rico, muito mais amplo do que foi executado [...] acontece que três meses antes de abrir a exposição, a Cité de la Musique me informou que havia um problema financeiro e que eles não tinham dinheiro para trazer o material. [...] já estava tudo organizado, eles tinham sido informados de cada passo da pesquisa e estava tudo reservado [...] era só buscar o material [...] meu coração sangra ao pensar em todo o material que separei [...] e ficou. (DREYFUS, 2014).

O que ocorria, naquele momento, era que, os “princípios gerais” das saisons culturelles na França estabelecem que:

[...] o país convidado custeia o transporte internacional dos artistas, das obras e o seguro total das exposições. O país sede encarrega-se da apresentação das manifestações em seu território, do transporte interno e da comunicação de cada evento. (PRINCIPES GÉNÉRAUX DES SAISONS

CULTURELLES ÉTRANGERES EN FRANCE conforme anexo de AMARAL,

2008, s./p.)

O custo do transporte e seguro total das obras escolhidas por Dominique Dreyfus deveria ser pago pelo Brasil, que, naquele momento, tinha perdido um dos grandes patrocinadores privados, cabendo ao Governo Federal realocar os fundos para que outros projetos não sofressem danos tão altos; assim, a curadora “reinventou” a exposição, que contou com grande público, como veremos mais adiante.

Utilizaremos a documentação francesa para a apresentação dos custos, que foram apontados no Relatório enviado ao Senado, constando na página do mesmo (documento em anexo em nosso trabalho) para tratar dos custos totais do Governo francês (em euros) com a temporada brasileira:

Tabela 3 – Custo total do Ano do Brasil na França Nº Orçamento total Ministério de Relações Exteriores Ministério da Cultura Participação do Governo Brasileiro - conta comum Mecenato e outras parcerias 005 3.304.746,99 525.672,48 682.440,50 805.000,00 1,291.634,01

Fonte: DADOS DA PESQUISA.

Devido à falta de acesso à documentação oficial brasileira, utilizaremos os dados coletados por Ruy Amaral (2008) para tratar deste aspecto.

Tabela 4 – Custo total do Ano do Brasil na França e sua divisão no Brasil Custo total Ministério da

Cultura

Patrocínio Amparo Lei Rouanet

58.912.863,12 41.039.720,18 17,883.142,94 9.161.142,00

Fonte: DADOS DA PESQUISA.

Lembramos que, no caso brasileiro, esses números foram apresentados em reais, de forma que deveríamos fazer uma conversão dos dois orçamentos para o dólar para verificação do orçamento apresentado pelos dois governos. Segundo dados do Banco Central95, a média do dólar de 2005 foi de 2,43 reais, o que nos daria uma média do orçamento total informado pelo Comissariado Brasileiro de 24.243.976,59 dólares.

No caso do orçamento total informado pelos franceses, tendo em vista a média da taxa de câmbio euro/dólar de 1/0.857118 dólares, o orçamento total informado pelo Comissariado francês seria de 3.855.649,96 dólares.

95

RELATÓRIO DE MERCADO. 30 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://goo.gl/qlPVge>. Acesso em: 9 abr. 2014.

Nos dois casos, o orçamento poderia ser acrescido tendo em vista as parcerias acordadas, financiamentos próprios de um grupo ou mecenatos que não constam nas tabelas dos Comissariados, dentre outros. Preferimos, entretanto, nos ater às prestações de contas orçamentárias informadas pelo Comissariado de cada país aos órgãos competentes do governo. Tendo em vista os números informados, temos um total orçamentário de 28.099.626,55 dólares, muito mais do que se estimava, inicialmente, no acordo firmado entre os dois países. Além disso, a razão do que foi gasto pelo Comissariado Brasileiro em vista do que foi dispendido por seu homólogo francês é de 6,28, demonstrando, assim, o empenho do governo brasileiro de fazer do Ano do Brasil na França uma ação de altíssimo porte. Aliás, esse pode ser considerado como o primeiro grande passo da diplomacia cultural brasileira em décadas, como bem observou Edgard Telles Ribeiro, em entrevista, pois com esta ação abria-se espaço para a entrada de capital, via projeção cultural.

A seguir, apresentaremos um pequeno fragmento de informação veiculada pela Agence Française de Presse - AFP sobre o significado do empenho pessoal do então Presidente Lula em convocar industriais e comerciantes para fomentar o comércio internacional, a partir da iniciativa do Ano do Brasil na França. O evento tinha, assim, vários sentidos que não deveriam ser ignorados: ao mesmo tempo em que se buscava aproximar os dois países, a partir das articulações políticas entre os governos de Jacques Chirac e Luiz Inácio Lula da Silva, no cenário internacional, contrapunha-se à projeção dos Estados Unidos em sua Guerra ao Terror ao colocar em evidência formas de interação baseadas na compreensão mútua e na redução das diferenças sociais existentes nas regiões do planeta (como por exemplo, a tentativa de exportação do programa brasileiro Fome Zero com a formação da Aliança contra a Fome no plano internacional).

Além disso, era um evento de ampla mobilização cultural, pois o Ano do Brasil na França, segundo o discurso oficial, buscava aproximar os dois países a partir da compreensão da população francesa do universo brasileiro, formado por mais do que os estereótipos veiculados até então. Essa compreensão abriria, também, a possibilidade para que a população francesa repensasse sua identidade, visto o grande número de imigrantes presentes na França. Por fim, não se pode esquecer de que a política externa brasileira naquele momento era uma política de projeção internacional que tinha na economia um dos eixos principais: na estratégia internacional pensada pela equipe governamental naquele momento, as exportações

assumiam um papel importante tendo em vista a necessidade de mostrar o Brasil como um país que já havia ultrapassado barreiras históricas de seu processo de industrialização, podendo, assim, oferecer ao mercado externo produtos de qualidade.

Fragmento de Informação Midiática 2 – Lula conclama os empresários a tirarem proveito do Ano do Brasil na França

Tradução do fragmento de Informação Midiática 2

Lula conclama os empresários a tirarem proveito do Ano do Brasil na França

10 de março de 2005 Quotidien Paris AFP Fil: ECF Slug: ech-gov

Lula pede aos industriais para aproveitarem o Ano do Brasil na França Brasília, 10 de março (AFP)

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva pediu na quinta-feira aos empresários de seu país para aproveitarem do Ano do Brasil na França e mostrarem ao resto do mundo a grandeza de um país considerado pequeno pelas nações ricas. O Ano do Brasil na França, inaugurado este mês, será simbolicamente muito importante, declarou Lula durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. “Parece-me importante que as empresas brasileiras utilizem todos os seus esforços para fazer deste momento um oportunidade importante, não somente para a cultura brasileira mas também para mostrar nosso potencial como país industrial, como país comercial”, precisou o presidente.

“Chegou o momento de mostrar ao mundo como nós somos [...] pois eles nos veem como pequenos, como um país de terceiro mundo. Eles imaginam que somos uma nação indígena com alguns brancos, embora sejamos uma nação indígenas, de brancos e de negros - todos iguais - e está aí nossa grandeza”, concluiu ele.

“Nós devemos fazer deste evento na França um acontecimento que dê frutos no resto do mundo”, insistiu Lula.

Batizado “Brasil, “Brasis””, para sublinhar a diversidade de um país continente, o Ano do Brasil na França será a ocasião para uma programação variada de março a setembro: concertos de grandes nomes da música brasileira (Caetano Veloso, Gilberto Gil, igualmente Ministro da Cultura), exposições de arte indígena, e, também, retrospectivas de cinema. Lula virá a Paris como convidado especial do presidente Jacques Chirac para assistir ao tradicional desfile do 14 de julho.

Js/str/cdo/laf (sem trad)

Fonte: AFAA, 2005.

O fragmento acima, ao apresentar o apelo feito pelo então presidente para que os empresários brasileiros se lançassem no mercado francês, inscreve-se na lógica da diplomacia cultural delineada pelo diplomata Edgard Telles Ribeiro que, em 2005, fazia parte do Comissariado brasileiro para a realização do Ano do Brasil na França. Como salientamos anteriormente, para Ribeiro (1989) a diplomacia cultural tem um caráter político, econômico e comercial que deve ser observado. Ao se vender a ideia de um país capaz de participar ativamente do mundo a partir de sua cultura, esta é acompanhada dos artefatos culturais passíveis de capitalização. O

Brasil estaria agindo, assim, conforme Ribeiro (1989), da mesma forma que a França já operaria há, pelo menos, um século, ao vender ideias e produtos.

Soma-se a teoria de Ribeiro (1989) ao discurso de Lula na citada entrevista, na qual o presidente salientava a necessidade de demonstrar o valor industrial do Brasil internacionalmente, pressuposto que se encaixa nos moldes da Sociedade Internacional contemporânea. Visando um horizonte mais amplo que a França, Lula vê o país europeu como uma porta de entrada para a ideia de um Brasil mais moderno, plural. O presidente brasileiro salientaria, então, a composição étnica do Brasil, demonstrando que o Brasil estaria apto a tratar em parâmetros de igualdade com as grandes nações do mundo devido ao seu potencial nos campos cultural e industrial.

Capítulo 4

A mídia e “a maior” temporada