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A sociologia dos partidos políticos – autores e conceitos centrais

3 UMA BREVE RETOMADA HISTÓRICA DO PARTIDO DOS

3.1 A sociologia dos partidos políticos – autores e conceitos centrais

Para examinar o Partido dos Trabalhadores enquanto agente político, primeiramente necessita-se refletir sobre as definições sociológicas acerca dos partidos políticos, que satisfaçam os intuitos da presente dissertação. Entre os autores clássicos que instituíram o estudo dos partidos políticos, encontram-se – entre outros – Ostrogorski (1902), Michels (1911), Duverger (1951), Kirchheimer (1966) e Panebianco (1988). O diferencial desses pensadores foi examinar as agremiações políticas enquanto organizações, com uma estrutura particular que tende a se repetir nos mais diferentes cenários onde fora adotado o sistema representativo como a institucionalidade política vigente.

O marco inicial dos estudos partidários pode ser legado a Ostrogorski. O autor analisa a emergência dos partidos modernos nos Estados Unidos e na Inglaterra, chegando à conclusão de que a inserção do operariado e o desenvolvimento da militância ativa no sistema político acabaria por oligarquizar a estrutura dos partidos. Robert Michels, por sua vez, publicou em 1911 o principal clássico dos estudos das estruturas partidárias. A partir da análise do Partido Social-Democrata Alemão

(SPD), Michels (1982) desenvolve o que viria a ser conhecida posteriormente como a lei de ferro das oligarquias. Esta postula que a organização dos eleitos dentro das estruturas partidárias acabaria por burocratizar e oligarquizar o próprio partido, alienando dessa maneira o campo de decisões dos eleitores e circunscrevendo esse campo ao domínio de um grupo de mandantes organizados e profissionalizados. Isso ocorre por que, conforme Michels, a delegação de poderes se torna uma necessidade política impelida pela dinâmica eleitoral profissionalizada.

A competição política entre partidos tenderia para um crescimento da organização intrapartidária tendo em vistas uma maior eficiência dos meios. A especialização e a divisão do trabalho dentro do partido político seriam resultados inevitáveis da adaptação da agremiação ao meio competitivo, assim como o desenvolvimento de um extenso corpo burocrático-partidário, que tenderia a agregar em si as esferas técnicas e decisórias do partido. Desse diagnóstico, Michels afirma que: quem diz organização diz oligarquia.

Quarenta anos após o desenvolvimento da lei de ferro de Michels, outro autor viria a somar esforços no campo da análise organizativa dos partidos políticos. Maurice Duverger (1970), resgatando um dos elementos fundamentais da sociologia weberiana, busca atentar para a importância do momento fundador dos partidos para a sua estruturação e desenvolvimento posterior. A partir dessa premissa, o autor desenvolveria as tipificações: partido de quadros e partido de massa.

Os partidos de quadros seriam os partidos europeus do século XIX e os partidos conservadores do século XX. Sua origem seria interna ao parlamento, circunscrita a alguns parlamentares notáveis. Por conta disso, também é característica do partido de quadros a dinâmica interna de baixa intensidade, ou seja, pouca participação das bases nas decisões partidárias. Essa baixa organicidade tenderia à centralização decisória nas mãos daqueles que comporiam o alto clero da agremiação, principalmente os parlamentares e políticos profissionais.

Todavia, com o progressivo incorporamento das massas assalariadas ao jogo político pelo sufrágio, já ao final do século XIX, os partidos políticos tiveram que desenvolver mecanismos de adesão para esses novos contingentes eleitorais advindos das amplas camadas populares. Observando os partidos social- democratas europeus, Duverger (1970) sistematizou as características mínimas do tipo de partido de massa, em oposição ao partido de quadros: a) origem extraparlamentar (sociedade civil); b) dinâmica interna intensa; c) financiamento

coletivo e pulverizado; d) forte organização partidária; e) centralização diretiva nacional; e f) requisitos de filiação rigorosos.

A inovação da terminologia duvergerniana em suas classificações imprimiu ao estudo dos partidos políticos tamanho impacto que passou a ser adotada como postulado normativo. Explica-se: a tipificação dos partidos feita por Duverger para os estudos dos partidos e dos sistemas políticos passou a ser utilizada como lastro qualitativo dos sistemas partidários; dessa maneira, os desvios ao modelo não eram encarados como variações do fenômeno partidário, mas antes como deformações

do modelo original. Disso, desenvolveu-se uma espécie de visão da decadência dos partidos políticos.

Dando sequência aos estudos organizacionais dos partidos políticos, coube a Kirchheimer (1966) a elaboração do conceito de catch-all-parties. Conforme o autor, a partir da incorporação dos partidos de massa no jogo político competitivo, esses tenderiam à ampliação do seu discurso buscando apelos pluriclassistas, para, dessa maneira, aumentar os seus sucessos eleitorais. Segundo Kirchheimer, essa adoção de pautas genéricas e abrangentes inevitavelmente levaria à perda tanto da identidade classista (no caso dos partidos de massa) quanto à representação dos notáveis (partido de quadros). Assim, a desideologização, o enfraquecimento da militância e o fortalecimento de uma direção partidária eleitoreira seriam consequência da transformação (degeneração) dos partidos duvergernianos em

catch-all-parties.

Em 1980, Panebianco lança as diretrizes do que seria a continuação dos estudos de caráter organizacional dos partidos políticos. Conforme o autor, as transformações socioeconômicas em um contexto onde as sociedades estavam em constante complexificação seriam a principal razão da modificação do caráter dos partidos políticos no final do século XX. Por sua vez, essa maior complexidade das conjunturas políticas colocava em xeque uma das principais razões do estudo dos partidos políticos: a divisão classista. Os novos dilemas trazidos à arena pública (como as questões de gênero, de preservação do meio ambiente, de cunho étnico, etc.) transformaram-na de um espaço rígido para uma arena multidimensional, com inúmeras clivagens, onde a classificação duvergerniana não possuiria ferramentas suficientes para dar conta do fenômeno.

Essa situação incentivou a eleitorização do partido, que passou a firmar compromissos instáveis e ad hoc com um eleitorado de opinião. Ao mesmo

tempo, o fortalecimento dos meios de comunicação de massa levou a sensíveis mudanças nas técnicas de comunicação política, gerando a necessidade de os partidos contratarem um amplo conjunto de técnicos como publicitários, produtores de rádio e televisão, especialistas em pesquisas de opinião, em técnicas de marketing etc. Para Panebianco, a combinação desses processos gerou a tendência de transformação do

partido burocrático de massa em partido profissional-eleitoral. Nessa

tipologia que acentua a oposição entre aparato burocrático, de um lado, e a contratação de experts externos, de outro, o primeiro modelo é uma atualização do tipo duvergeriano, enquanto que o segundo adiciona duas características àquelas do partido catch-all de Kirchheimmer: 1) o Estado passa a representar um peso cada vez maior no financiamento do partido, por meio de mecanismos diretos de subvenção; 2) profissionalização e terceirização das atividades partidárias, com a substituição de burocratas partidários por especialistas contratados externamente (RIBEIRO, 2010, p. 43, grifo do autor).

Panebianco (1995) também aprofundaria a problematização a respeito da ideologia e o seu peso para o partido político. Indo além dos postulados elaborados por Michels, nos quais a ideologia paulatinamente perde espaço para os fins (a sobrevivência partidária, interna e externa), o autor aponta para uma abordagem que compreende a identidade ideológica como um incentivo coletivo, passível de ser operacionalizado pelo partido. Assim, a ideologia, entendida como linha(s) política(s) adotada(s) pela agremiação e capitaneada pelas correntes internas, converter-se-ia em um bem simbólico comum capaz de ser distribuído internamente ao partido pela elite dirigente do momento33.

Por sua vez, Katz e Mair (1995), em seu artigo intitulado ―Changing Models of Party Organization and Party Democracy: The Emergence of the Cartel Party‖, desenvolvem a tipologia partido de cartel. Segundo essa perspectiva, tão ou mais importante que as ligações do partido com a sociedade civil, são as suas ligações com as instâncias governativas do Estado. Desde o financiamento partidário via subvenções públicas até a legitimação política do partido frente à sociedade – que aconteceria pela conquista de cargos públicos que possibilitariam distribuições de incentivos seletivos aos membros do partido, grupos específicos e setores da

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Disso, extrai-se uma das principais contribuições do modelo analítico proposto por Panebianco ao estudo dos partidos políticos: a dinâmica dos conflitos internos. Estes podem ser tanto verticais (entre líderes e liderados) quanto horizontais (entre as elites do partido). O desfecho do conflito interno no caso vertical define o grau de apoio da base à determinada elite, sendo esse apoio um dado fundamental de disputa pela liderança majoritária do partido. Por sua vez, a coalizão dominante vencedora da disputa interna horizontal passa a estabelecer um sempre precário e negociado mando sobre os rumos do partido.

sociedade organizada –, a agremiação utilizar-se-ia da máquina pública como uma extensão do próprio corpo, intermediando assim a sua relação com o eleitorado.

Outra dimensão analítica do partido de cartel é a formação do partido em três faces, ou melhor dizendo, a refutação de uma visão monolítica do partido político. Dessa forma, o partido seria um minissistema político, que possui ―ganhadores‖ e ―perdedores‖ em suas subdivisões. Seriam elas: a) Party on the ground, a base partidária entendida como a massa, ou seja, militantes e simpatizantes do partido. Essa instância seria o principal elo entre o partido e a sociedade civil, que se manifesta a partir dos congressos e outros mecanismos decisórios/consultivos do partido; b) Party in central office, composta pela direção nacional e sua burocracia (dirigentes e funcionários), cujos membros seriam tanto os dirigentes eleitos de forma interna ao partido quanto os funcionários não eleitos que trabalham no aparato central; c) Party in public office, ou a face pública do partido. É o rosto governativo da agremiação, seja em âmbito executivo, seja legislativo municipal, estadual e nacional. Sua força advém de fatores externos ao partido: as eleições. Dessa maneira, quanto mais forte eleitoralmente for o partido, maior a chance de que a face pública do partido desfrute de uma posição interna privilegiada.

A partir dessa tipificação, é possível, conforme Katz e Mair (1995), analisarmos os processos de perdas e ganhos internos ao partido e às suas subdivisões, ou seja, um provável aumento de poder da base militante, uma autonomização da burocracia partidária ou uma maior dominação dos políticos profissionais sobre a máquina do partido. Todavia, alianças e conflitos provenientes dos diversos interesses capazes de perpassar as divisões aqui descritas não são desprezadas. Não se tratam de unidades separadas, mas sim de partes de um todo: o partido.

Seja pelo aumento do financiamento público, ou pela intensificação da patronagem partidária, o partido cartel tornar-se-ia cada vez mais dependente do Estado e progressivamente mais afastado da sociedade. Ao retirar os recursos vitais para a sua sobrevivência da estrutura estatal, o partido passaria a utilizar a máquina pública como um meio de alcançar o eleitorado. Disso, decorreria a preeminência dos detentores de cargos parlamentares e executivos dentro do partido, ou seja, o fortalecimento da direção sobre a base de filiados – e, em última instância, da face denominada por Katz e Mair de: Party in public office.

3.2 Influências diretas e indiretas – as raízes sociológicas e institucionais do