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6. As biografias

6.5. A soma das peças: semelhanças e diferenças entre os atores

Conforme as histórias vão sendo contadas e começamos a compreender melhor a trajetória de vida dos jornalistas e como elas acabam refletindo seus posicionamentos e visões, vamos notando uma série de questões que parecem consonantes e outras um tanto quanto dissonantes. Apesar de todos os entrevistados terem acabado optando pela mesma graduação – o Jornalismo –, suas histórias de vida e, logo, suas socializações são consideravelmente diferentes.

De início, temos uma jornalista militante: Raquel. Vinda de uma família que, de certa forma, internaliza a desigualdade social no seu interior, acaba percebendo que essa é a realidade mais ampla do Brasil. Descobre no Jornalismo uma forma de tentar fazer mudanças sociais e passa por uma série de experiências que acabam fortalecendo os ideais por trás dessa busca (as mais variadas formas de militância, bem como através da música, filmes, leituras, pessoas, etc) e procura se manter um tanto quanto coerente a isso tudo. Como resultado, encontra um campo profissional difícil para indivíduos com suas características sociais. Acaba tendo que trabalhar em outras atividades (garçonete) para manter coerente e correr atrás de seu propósito através dos textos escritos de forma colaborativa para as mídias alternativas.

Na sequência, vimos a trajetória de Daniel. Jovem com fortes ligações com o campo e as tradições gaúchas, que na hora de escolher um curso de graduação se encontra num dilema entre seguir o coerente e esperado e cursar Veterinária ou adentrar uma profissão que admirava e tinha competências (a escrita) para exercer, o Jornalismo. Ao optar pela segunda opção, e incentivado pelas fortes disposições para o trabalho e pela prática, as quais herdou da família – principalmente do pai – vai em busca de desenvolver o exercício da profissão. Coloca seu foco nas disciplinas práticas

e faz uma série de estágios e trabalhos voltados à prática da profissão para se desenvolver melhor. Em concordância com isso, a política nunca se faz relevante na sua vida. Como resultado, acaba adentrando o campo das mídias tradicionais, com bons frutos, além de acabar se envolvendo com marketing.

Francisco, o mais velho dos jovens entrevistados, é um jornalista que também vivencia as desigualdades sociais e a influência importante do fator econômico ainda na infância – estudou em escola privada e depois pública e, enquanto na primeira era considerado pobre, na segunda era visto como rico. Um fato marcante acaba por modificar a trajetória do ator, que até esse momento se mostrava distante do estudo: a morte do pai. Após isso, ingressa na faculdade e, nela, desenvolve um senso crítico e se vincula com a militância política, através principalmente do movimento estudantil, da atuação em Institutos políticos e na própria profissão. Na tentativa de manter a coerência quanto aos ideais da militância, acaba atuando principalmente na comunicação educativa, comunitária e sindical. Se mantém assim durante muitos anos. No entanto, depois de formar família, conta que inverteu as prioridades: o sustento passa a ser a prioridade, no lugar da ideologia.

Por último, analisamos a trajetória de Felipe, filho e sobrinho de jornalistas, que acaba por ser influenciado pelas vivências referentes a profissão e segue pelo mesmo caminho. Na graduação, acaba também indo atrás de desenvolver suas competências práticas: mantém seu foco nas disciplinas práticas e faz uma série de estágios – inclusive não ou mal remunerados – com a finalidade de se aprimorar nas atribuições da profissão. Apesar dos pais militantes do Partido dos Trabalhadores (“PT doentes”, conforme relata) não é atraído por política, vivenciando apenas uma experiência isolada com este teor – as manifestações de 2013. Ao contrário, conta que não se envolve em discussões e que procura apenas ouvir e concordar com as colocações, mesmo que não concorde, porque já presenciou muitas brigas por conta de ideologias. Desenvolver um patrimônio de disposições de “neutralidade”. Adentra o campo da mídia tradicional e, depois de formado, consegue trabalhos em duas das maiores mídias tradicionais do Rio Grande do Sul.

Podemos notar similaridades apenas trazendo esses breves resumos do que foi trabalhado anteriormente. As experiências dos dois jornalistas que não adentraram o

campo da mídia tradicional – Raquel e Francisco –, procurando exercer seu trabalho de outras formas – como nos meios alternativos, comunicação educativa, na sindical, e comunitária – são um tanto semelhantes. Ambas são marcadas por disposições para o conflito, exemplificadas nas brigas com os professores, colegas, família, discussões com colegas de trabalho, etc, e ambos acabam largando o estudo em alguma fase, um no estudo básico e outro no médio. Além disso – sendo possivelmente relacionado a esse fato – desenvolvem disposições militantes. Passam por uma série de vivências relativas à militância política de esquerda, sendo o Movimento Estudantil semelhante aos dois, bem como o envolvimento com o mesmo instituto político. Ambos acabam desenvolvendo as disposições críticas nas suas vivências relacionada à educação: um no ensino médio e outro na graduação. É interessante apontar, ainda, que ambos os entrevistados foram para o mestrado em Comunicação após finalizar a graduação – um deles tendo feito, ainda, doutorado, e a outra considerando essa possibilidade. As ideias que cultivam são de grande importância na vida dos dois, e procuram manter uma certa coerência ideológica em suas práticas (nas leituras, por exemplo, citam uma série de autores críticos e/ou biografias de símbolos da resistência política). No entanto, no caso de Francisco, o contexto atual, nascimento do filho e formação de família, fez com que o sustento econômico seja uma prioridade. Esse marco pode abrir caminho para outras opções profissionais, uma vez que a ideologia pessoal, apesar de importante, perde um pouco o peso.

A trajetória dos dois membros da mídia tradicional é marcada por um grande ponto em comum: o peso da disposição prática. Em ambos essa característica está vinculada ao contexto originário familiar – no caso de Daniel do pai, e no de Felipe os avós, principalmente. Daniel demonstra essa disposição desde o ensino médio, quando cursava Técnico em Agropecuária e depois continua fortalecendo essa característica nas disciplinas que manteve um maior foco na graduação e nos estágios e trabalhos por onde acabou passando. Felipe também relata a importância das disciplinas com o mesmo teor e conta a busca por estágios desde o começo da graduação. Ambos não desenvolveram disposições políticas. Embora Daniel tenha se envolvido de certa forma com a política estudantil (eleição de CA), o fez apenas para influenciar a participação dos alunos no processo, sem maiores consequências ativistas. Felipe só menciona as

manifestações de 2013 no que se refere à prática política. No entanto, situações isoladas não podem ser consideradas disposições. Outra similaridade é o gosto plural quanto a músicas e filmes. Um conta já ter ‘zerado’ o catálogo da Netflix e o outro cita desde filmes de super-heróis até outras produções que o marcaram. Um conta que escuta de música de todos os gêneros (menos gospel) e o outro conta que acaba escutando mais o que toca na rádio onde trabalha (pop, rock e MPB), além de músicas nativistas gaúchas, nacionais e em espanhol.

É interessante salientar, ainda, que todos os entrevistados têm algumas características em comum: O gosto, no colégio, por disciplinas de História e Geografia, matérias que tratam, entre outras coisas, de processos sociais. Dentro do espectro político, todos dizem se encontrar mais à esquerda (alguns centro-esquerda e outros entre o comunismo e o anarquismo). Além disso, todos relatam o envolvimento em maior ou menor grau com a leitura e/ou escrita. Entre os membros e não membros da mídia tradicional também podemos salientar semelhanças: Raquel e Daniel vem de famílias com baixo capital cultural, no que se refere ao estudo formal, e de menores condições financeiras. Francisco e Felipe, pelo contrário, possuem um maior capital cultural entre os pais: os pais do primeiro possuíam curso técnico e os do segundo graduação. Entre todos, só Felipe, é filho único.

Terminada, a parte empírica do trabalho, passamos às considerações finais, em que relacionaremos os diferentes tópicos abordados nesta dissertação.

Tabela 3 - Tabela disposicional e de carreira dos entrevistados:

Entrevistado: Disposições constatadas: Empregos no jornalismo:

Raquel Disposição para o conflito;

Disposição para a contestação; Disposição para a militância política de esquerda.

Mídia alternativa; Comunicação Sindical; Rádio Comunitária; Projeto Universitário;

Daniel Disposição prática; Mídias sociais (Assessoria de

Comunicação); TV;

Rádio; Marketing.

Francisco Disposição para o conflito;

Disposição para a militância política de esquerda. Rádio comunitária; Projeto comunitário; Assessoria de Imprensa (Educação e Sindical); Rádio (Educação)

Professor universitário (Jornalismo)

Felipe Disposição prática; Operação de switch (TV);

Assessoria de imprensa

(escritório de advocacia); Rádio;

Projeto Universitário; TV.