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A SPECTOS FÍSICO FUNCIONAIS DA “R ESIDÊNCIA T ERAPÊUTICA ”

8 DIANTE DA LOUCURA

8.2 O TRABALHO EM S AÚDE M ENTAL

8.2.2 A SPECTOS FÍSICO FUNCIONAIS DA “R ESIDÊNCIA T ERAPÊUTICA ”

As falas abaixo destacam como os profissionais percebem a área física onde foi instalada a RT. Elas ressaltam que a unidade surgiu de forma emergencial e improvisada para acolher alguns pacientes da Clínica de Repouso do Planalto – CRP logo após sua interdição e manteve-se durante três anos nesta mesma condição provisional:

[S6]É triste o espaço porque o ser humano merece mais[...] as mulheres sem

privacidade, não têm o seu quarto, não tem o seu banheiro, não tem o seu armário, as roupas emprestadas, todas misturadas.

[S5]Eu acho que assim aquele lugar onde foi montado a enfermaria eu acho

assim muito sem calor humano, assim, não dá uma visão de casa.

[S2]A Residência Terapêutica é um lugar que surgiu de forma emergencial, eu

vejo que foi criada para receber pacientes com deficiência né, com distúrbios que a gente vê que são distúrbios gravíssimos, ou seja, são pessoas que são psicóticas, pessoas que não tem convivência [costume] de estar só [estar por conta própria], de conviver.

[S10]Eu vejo como um local onde ficam pessoas, homens e mulheres tudo junto

porque na realidade não é uma Residência[...] na realidade não é um local adequado para eles, tipo assim, não tem privacidade para os paciente, os banheiros não tem porta, esse negócio todo.

Nos depoimentos anteriores, os profissionais ressaltam a precariedade e inadequação da área física da “RT”, explicitando suas limitações quanto a não apresentar aspecto de “casa”, como deveria ser, já que abriga pessoas que são “moradoras” do serviço. Eles destacam a ausência de portas nos banheiros e de quartos e armários para a guarda de pertences, que acabam ficando misturados, sendo usados coletivamente.

Como conseqüência destas condições precárias, tem-se a impossibilidade de garantir ao usuário o mínimo de privacidade e conforto, dificultando sua identificação com um espaço que ele possa considerar, de fato, seu e dificultando ainda sua apropriação de roupas e calçados de uso particular.

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Levando-se em consideração que o atual espaço é transitório e que há a perspectiva de que os usuários sejam transferidos para casas na comunidade, deve-se pensar neste local como um espaço de adaptação e treinamento dos usuários para a vida na comunidade, no entanto, o contexto não favorece esse trabalho adaptativo. Embora os usuários não utilizem roupas hospitalares, o fato de os pertences serem de uso coletivo não permite que se fortaleça a identidade pessoal, também conferida às pessoas pelo seu modo particular de vestirem-se.

Outro aspecto que favorece a diferenciação e individualização das pessoas é a possibilidade de possuírem um espaço que reconheçam como seu, por exemplo, seu quarto, seu armário, sua cabeceira. Em se tratando de uma “moradia”, ainda que provisória, torna-se relevante também a liberdade para definir o que e de que forma será produzido e consumido como alimento, como e quando será feita a arrumação da casa etc.

A Portaria no 106, de 11/02/2000, reforça estes aspectos quando prevê que as Residências Terapêuticas assegurem em sua estrutura física dimensões compatíveis para abrigar no máximo oito pessoas, na proporção de três por dormitório, contemplando ainda a existência de copa, cozinha e todos os equipamentos necessários para que os usuários possam exercitar certa mobilidade, em se tratando de uma rotina domiciliar.

Os profissionais seguem descrevendo suas representações acerca do funcionamento da unidade logo que a mesma foi instalada. Eles apontam que as primeiras ações ocorridas na “RT” foram no sentido de dar suporte clínico aos usuários, como se depreende das próximas falas:

[S5] A gente teve que conhecê-los realmente, porque quando a gente chegou a dúvida, assim, maior que a gente tinha era {Será que era aidético, será que tinha alguma doença crônica, será que tinha alguma doença contagiosa?} A primeira coisa que a gente foi ver, foi trabalhar o lado físico deles, ver o que podia ter ou não ter [...] mas assim, graças a Deus [...] não tinha nada de mais sério assim; foram feitos exames, foi feita anamnese neles todos e a gente ficou feliz que nenhum tinha nenhuma doença assim grave fisicamente, né.

[S8]Bom a Residência Terapêutica do ISM foi um local improvisado no

início[...] nós recebemos esses pacientes oriundos da Clínica Planalto - totalmente desestruturado lá [...]. A Residência [...] começou um pouco capenga, hoje em dia está melhor[...] os pacientes são encaminhados para as diversas categorias médicas de que têm necessidade, desenvolvem algumas atividades.

Conforme se pode verificar nos registros em prontuário dos usuários acolhidos no ISM, logo após a interdição da CRP, vários deles se encontravam em quadro de desnutrição e desidratação importante. Muitos apresentavam lesões cutâneas de origem desconhecida, além

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de escabiose e pediculose. Foi feita uma ampla investigação clínica, com encaminhamento dos usuários a várias especialidades médicas nos hospitais gerais da rede pública.

O estado geral dos usuários, do ponto de vista clínico, psicoafetivo e relacional, estava altamente deteriorado, dificultando investimentos terapêuticos da ordem da inclusão social.

A partir dessas representações e da não identificação de documentos que atestem a existência de um projeto terapêutico para a “Residência Terapêutica”, percebemos que a unidade organizou-se em torno de ações assistenciais dirigidas ao atendimento das necessidades básicas dos usuários, diferentemente do Hospital-Dia e do CAPS, que se organizaram subsidiados por projetos terapêuticos próprios, como se evidencia na próxima fala:

[S2]Diante do meu pensar é um lugar que tem uma estrutura [funcional] muito

boa de[...] desde o amor de cada funcionário, desde as suas instalações, que melhorou muito devido às necessidades, devido ao procedimento deles [técnicos] tem melhorado, tem tentado se encaixar de acordo com as necessidades de cada um.

O que fica evidenciado nas falas é que esta forma de organização perdura até hoje, embora, com o tempo, vários aspectos tenham sido melhorados:

[S8]Hoje em dia, acho que já melhorou de 50% a 60%, só que o que eles

necessitam mesmo são as Residências Terapêuticas e uma qualidade melhor, com profissionais qualificados em termos de enfermagem, em termos de terapia ocupacional, em termos de psicologia, em termos de psiquiatria.

Embora se tenha a noção de que as condições físico-funcionais da “Residência Terapêutica” tenham melhorado com o passar do tempo, há o reconhecimento de que os serviços residenciais terapêuticos implantados na comunidade trariam maior benefício aos usuários, assim como a existência de profissionais qualificados para atuar no contexto destes dispositivos terapêuticos e com esta clientela específica.