• Nenhum resultado encontrado

5 CAMINHO METODOLÓGICO

5.1 E STUDO DE C ASO

Nesta pesquisa optamos por realizar um estudo de caso, método que permite explorar um determinado fenômeno a partir da observação de uma ampla gama de dados que podem fazer chegar a uma melhor compreensão sobre um determinado problema.

O estudo de caso permite conhecer melhor o contexto eleito, seus membros, suas atividades, suas interações e inter-relações no interior do grupo e com o mundo, permite ainda desenvolver declarações teóricas mais gerais sobre o fenômeno analisado, seu processo, sua regularidade e “permite que nos concentremos em alguns problemas mais relevantes para a discussão de um determinado fenômeno, sendo possível reorientar o estudo na medida em que se vai avançando na pesquisa” (BECKER, 1999, p.119).

O estudo de caso é uma estratégia de investigação qualitativa que se aplica ao estudo de fenômenos sociais complexos a partir do qual se pode conhecer melhor o como e o porquê de determinado problema. Embora a técnica do estudo de caso não permita muitas generalizações, ao final do estudo se podem formular proposições e esclarecer com maior precisão vários aspectos do problema levantado.

Considerando o foco do presente estudo, argumentamos que ele tem relevância suficiente para ser analisado com a profundidade que esta técnica permite, uma vez que se trata de uma experiência singular de desinstitucionalização de pacientes psiquiátricos.

54

A pesquisa foi desenvolvida no ISM, unidade da SES/DF destinada a atender pessoas maiores de 18 anos, portadoras de sofrimento mental com quadros psicóticos e neuróticos graves.

O foco maior da pesquisa está centrado sobre a “Residência Terapêutica” do ISM. Esta unidade foi montada para acolher provisoriamente 26 usuários, provenientes da Clínica de Repouso do Planalto, onde estavam residindo já havia mais de três anos, por não possuírem mais qualquer vínculo familiar ou social alcançáveis.

A SES/DF está comprometida a criar os Serviços Residenciais Terapêuticos para acolher os usuários hoje abrigados no ISM e outros que também necessitam de tal dispositivo terapêutico. Tão logo os SRT sejam criados, a “Residência Terapêutica” do ISM, enquanto unidade provisória, deverá ser desativada.

Como o ISM, até a instalação da “Residência Terapêutica”, era uma unidade que contava apenas com serviços de atendimento-dia, neste caso ambulatório, CAPS e hospital- dia, a montagem desta nova unidade modificou intensamente a dinâmica e as perspectivas do Instituto em termos de seu projeto terapêutico institucional. Este é o contexto, foco central do presente estudo de caso.

Na etapa inicial do estudo de caso, utilizamos a leitura de alguns documentos, como Portaria de criação do Instituto de Saúde Mental, regimento da instituição, alguns registros em livros de relatório e prontuários e procedemos ao relato da vivência da pesquisadora na instituição, a fim de subsidiar uma melhor contextualização histórica e social do cenário no qual se insere o grupo estudado.

Em seguida o estudo foi direcionado aos profissionais que atuam na “Residência Terapêutica” do ISM, para buscar conhecer e analisar suas representações sociais acerca da loucura, do louco e das possibilidades de inclusão social da clientela que atendem.

Temos aqui a pesquisa que surge de questionamentos que emergem a partir da prática profissional; parafraseando Bleger (1992, p. 33) dir-se-á que não se pode ser enfermeiro se não “se é, ao mesmo tempo, um investigador dos fenômenos que se quer modificar e não se pode ser investigador se não se extraem os problemas da própria prática e da realidade social que se está vivendo em um dado momento”.

A opção pelo estudo se fez pelo entendimento de que o processo investigativo se fortalece quando nasce apoiado pela prática do pesquisador. Sobre esta questão Shimizu (2000, p. 92) aponta que “a vivência no campo de pesquisa possibilita o desenvolvimento de um estudo bastante consistente e enriquecedor”.

55

O fato de a pesquisadora ser enfermeira do serviço, no entanto, foi motivo de grande preocupação. Temíamos pela parcialidade e tendencialidade, pela contaminação freqüentemente trazida pelo convívio com os pares e pelas vivências no âmbito institucional.

Mais do que temores, no entanto, esta opção trouxe desafios. O primeiro deles dizia respeito à coleta de dados, pois os sujeitos de pesquisa, mais do que auxiliares de enfermagem que atuavam na “Residência Terapêutica” do Instituto de Saúde Mental, eram também colegas de trabalho e, por muito tempo, estiveram técnica e administrativamente subordinados a esta enfermeira.

O segundo desafio e, talvez o mais difícil, era discutir as representações destes profissionais interfaceando-as com o contexto no qual nasciam e se reproduziam - o contexto institucional e cultural, fazendo-o de forma vigilante para evitar possíveis vieses e atropelos, próprios de quem conta a história que ajudou a escrever.

Encarar estes desafios era tarefa árdua, mas da qual a pesquisadora não poderia se furtar se quisesse de fato compreender em profundidade os conteúdos emergidos nas entrevistas. Redobramos os cuidados e intensificamos a vigilância. Buscamos inspiração no trabalho de Bleger, no qual ele discute um método de análise institucional que se vale de uma observação detalhada e cuidadosa, realizada em um enquadramento rigoroso. Tal enquadramento é por ele considerado “um conjunto das condições nas quais se realiza a observação” (BLEGER, 1992, p. 46).

Para atingir as condições do enquadramento, deve-se levar em consideração o que o autor chamou de indagação operativa, que pode ser sistematizada pela observação dos acontecimentos, seus detalhes e seu desencadeamento histórico; compreensão do significado dos acontecimentos e da forma como eles se relacionam ou se integram; inclusão dos resultados desta compreensão em forma de interpretação e o reconhecimento de que esta compreensão é uma hipótese que pode ser retificada, ratificada ou acrescida de novas hipóteses.

Neste sentido, cabe ao pesquisador delimitar seu objeto de estudo e fazê-lo frente a um contexto sócio-histórico determinado, no qual ele adquire relevância sempre limitada, temporal e transitória, tendo em vista a permanente mutabilidade da realidade social.

Reconhecidos os temores e os desafios, esta pesquisadora os assumiu como tarefa valiosa, entendendo que o estudo proposto pode contribuir para o aclaramento do contexto institucional e pode trazer subsídios que viabilizem o processo de inclusão social da clientela hoje abrigada na “Residência Terapêutica” do Instituto de Saúde Mental.

56