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O M OVIMENTO DE R EFORMA P SIQUIÁTRICA NO CONTEXTO INTERNACIONAL E A R EFORMA

2.2 O M ODO P SICOSSOCIAL DE A TENÇÃO À S AÚDE M ENTAL

2.2.2 O M OVIMENTO DE R EFORMA P SIQUIÁTRICA NO CONTEXTO INTERNACIONAL E A R EFORMA

Apresentados os dois paradigmas do modo de atenção à saúde mental, evidenciamos que o Modo Psicossocial diferencia-se do Modo Manicomial em todas as suas dimensões, seja

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do ponto de vista teórico-técnico ou político-ideológico, vale ressaltar de que maneira estruturam-se, no contexto internacional, os movimentos de reforma que preconizam a substituição do velho paradigma pelo novo.

A Segunda Guerra Mundial foi um marco para o repensar de uma série de posicionamentos sociais vigentes. Variadas discussões ganham amplitude social. Elas giram em torno dos conflitos éticos que surgem em função dos avanços científicos e tecnológicos e da defesa dos Direitos Humanos. Desta última discussão culmina a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.

Neste contexto do pós-guerra, está posta a reconstrução social e o crescimento econômico. Nele, crescem também os movimentos que discutem as desigualdades sociais e movimentos de “maior tolerância e sensibilidade para com as diferenças e as minorias”.

(DESVIAT, 1999, p. 23). Neste campo fértil formulam-se críticas mais enfáticas às estruturas asilares e ao modo de atendimento manicomial.

Os primeiros movimentos pela Reforma Psiquiátrica surgem sem a perspectiva de superação do manicômio como espaço de tratamento. São experiências que procuram melhorar as condições de vida dos doentes ainda dentro dos asilos, propondo mais uma reestruturação interna do que um rompimento com o modelo.

Essas experiências são as comunidades terapêuticas na Inglaterra e nos EUA, que procuram democratizar as relações existentes dentro das instituições psiquiátricas, e a psicoterapia institucional na França. Desviat, apud Hochmann, diz que esta perspectiva terapêutica “é a tentativa mais rigorosa de salvar o manicômio [...] procura organizar o hospital psiquiátrico como um campo de relações significantes”. (DESVIAT, 1999, p. 25).

Outros dois movimentos pela Reforma Psiquiátrica marcam sua diferença para com os que os antecederam, pois vão colocar em xeque justamente a legitimidade do asilo como lugar de tratamento. São eles a Antipsiquiatria e a Reforma Psiquiátrica Italiana.

A Antipsiquiatria surge na Inglaterra, nos anos 60, questionando o saber médico e sua eficácia no trato com a loucura. Ela vai propor um diálogo entre razão e loucura, entendendo que a loucura está entre os homens e não dentro deles, “aqui é formulada a primeira crítica radical ao saber médico-psiquiátrico, no sentido de desautorizá-lo a considerar a esquizofrenia uma doença”. (AMARANTE, 1998, p. 42).

O Movimento de Reforma Psiquiátrica Italiana tem origem nos anos 60 com Baságlia, psiquiatra envolvido com a causa da reformulação do modo de atenção à saúde mental. Ele propõe que para compreender cientificamente o problema do doente mental “será preciso por

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entre parêntese a doença e o modo pela qual ela foi classificada, para considerar o doente em seu desdobrar-se em modalidades humanas que – justamente enquanto tais – nos pareçam abordáveis”. (BASÁGLIA, 2005, p.36).

Nesta perspectiva Baságlia preconizava não só o fim do manicômio como esta instituição de violência, a serviço de ideologias excludentes, mas também o reconhecimento de que o saber médico não responde ao problema da loucura em sua integralidade.

Era preciso considerar, para além da doença, a pessoa em seu sofrimento, uma vez que o fenômeno da loucura não existe enquanto fato “natural”, só se revelando nas experiências concretas de sofrimento dos sujeitos por ela acometidos.

Sua bandeira era a de um repensar de saberes e práticas com implicações históricas socioculturais e político-ideológicas que levasse à construção de novos espaços e novas formas de tratamento, com a perspectiva da inclusão da pessoa em sofrimento mental na sociedade.

Na Itália, a reforma psiquiátrica seguiu uma trajetória marcada pela criação de novos dispositivos terapêuticos. Ao mesmo tempo em que se criavam centros de saúde mental e casas-lares (para abrigar os moradores dos manicômios que haviam perdido suas referências familiares e sociais), leitos psiquiátricos eram fechados. Propunha-se um diálogo com as diversas instâncias sociais, chamando a comunidade para se apropriar do movimento e ao mesmo tempo endossá-lo.

O movimento italiano fez despertar a consciência de que a manutenção do manicômio respondia a interesses que fugiam do âmbito da saúde para justificar questões político-sociais favoráveis à exclusão do doente como forma de controle social. A reforma avança com o desmonte dos hospitais psiquiátricos tradicionais e com a criação de novos espaços de atenção em saúde mental, integrados com as comunidades locais, estende-se ao Legislativo com a aprovação da Lei no

180, que dispõe sobre o redirecionamento do modelo de atenção à saúde mental em todo o país.

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3 PANORAMA BRASILEIRO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA

Para compreender o Movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil é importante situá-lo frente ao contexto sócio-histórico no qual emerge. No final dos anos 70, uma grande mobilização social, constituída por intelectuais, trabalhadores, sindicalistas e outras instâncias da sociedade civil organizada, dá origem a um movimento denominado Movimento Sanitário, que vem questionar e propor mudanças nas políticas públicas de atenção à saúde no Brasil.

Questionando o modelo hegemônico da saúde de foco curativista, o movimento reivindicava uma política pública em saúde que se sustentasse nos princípios da integralidade e equidade na atenção, universalidade de acesso, descentralização e participação popular na gestão. Este movimento dará origem ao Sistema Único de Saúde – SUS.

No rastro do Movimento Sanitário e fundamentado nos mesmos princípios, surge o Movimento pela Reforma Psiquiátrica no Brasil.