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2.1 A condição do homem redimido em Cristo

2.1.1 A subjetividade do ser humano na condição corporal

Dentro da Filosofia da História, para a corrente personalista, o homem se revela na condição de sujeito da história, pois ele a constrói111. No entanto, ao se referir a essa situação, a presente reflexão usará disso seguindo mostrando sua relevância para a teologia e a vida do homem. Sendo assim, o ponto de partida para se falar da subjetividade do ser humano segun- do o pensamento teológico será a encarnação, isto é, a entrada de Deus na história.

A antropologia filosófica apresenta o homem como um ser de relação112. Na sua condição natural ele sente necessidade de relacionamento com os seguintes elementos: Deus, comunidade, coisas e consigo mesmo. São as expressões de carências naturais, próprias do humano. “O homem age porque é carente, necessitado, incompleto”113. Todavia tal carência não representa fator negativo para nenhuma pessoa, faz parte da chamada transcendência. “A pessoa só pode ser verdadeiramente ela mesma quando se autotranscende”114. Assim ela o faz a partir do corpo e expressões uma vez que “é sempre inacabada e, por isso, criativa, autocria- tiva. Ela nasce como um projeto que tem o desafio e o compromisso moral de auto-realizar- se, numa história criativa pessoal e comunitária”115.

Referente a Deus o homem sente necessidade de se relacionar com ele. “Abertura a Deus: é o aspecto fundamental da pessoa”116. Esta característica o difere substancialmente de todos os outros seres, daí surge o aspecto religioso.

O homem tem uma dimensão relacional de abertura para a transcendência e sente a “necessidade” de relação com Deus: sua dimensão religiosa natural. Essa afirmação é comprovada pela história, que não conhece nenhum povo ou civilização sem o componente cultural da religião, e também pelo testemunho das vidas indivi-

111 Cf. MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual Esquemático de Filosofia. 3ªed. São Paulo: Ltr, 2006. p. 328. 112 Cf. MONDIN, Batista. O homem. Quem é ele? 9ª ed. São Paulo: Paulus, 1980. p. 252-256.

113 SANTOS, Antonio R. Ética, caminho da realização humana. 3ª ed. São Paulo: Ave Maria, 2001. p. 28. 114 RUBIO. Unidade na pluralidade. p. 310.

115 KONZEN, João A. Ética teológica fundamental. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 91. 116 RUBIO. Unidade na pluralidade. p. 311.

duais, pois dificilmente uma pessoa vive por muito tempo em total “materialismo” intramundano, sem nenhum tipo de relação de poderes superiores não humanos117. Em vista da relação com Deus se vê a religião agregando elementos corporeidade118. Pelo corpo, ao praticar a religiosidade, o homem desenvolve ritos, gestos, formas de expres- são e linguagens. Não há pratica religiosa sem manifestações corporais, embora, todas as religiões falem de vida interior, proclamam a salvação da pessoa e falem de eternidade ou alguma coisa além da experiência física é no corpo e com ele que se faz essa vivência por meio da liturgia.

No quesito relação comunitária considere-se o homem a partir da sua animalidade, em virtude desta, ele tem algo tipo natureza gregária, necessariamente precisa do outro para sobreviver. No entanto, devido a condição racional isso recebe o nome de relação interpesso- al, pois se sabe da capacidade de transcendência que o faz desejar a coletividade, procurando estar participando junto da companhia dos outros. “O homem em geral, sempre atua junta- mente com os outros homens (...). A participação é nova dimensão que o homem descobre nele mesmo enquanto pessoa, na medida em que atua junto com os outros seres humanos”119. Isso faz dele um ser de natureza elevada em relação aos outros seres animais.

O sinal disso está na sua capacidade de linguagem articulada e na sua condição de experiência fundamental de ser indigente. Pela linguagem ou capacida- de de comunicação, a pessoa humana estabelece relações intersubjetivas, criando uma sociabilidade humana diferente do gregarismo animal120.

Deste modo o “sair de si para o encontro (em diversos níveis) é constitutivo da pes- soa”121. Daí surge a comunidade na qual o homem se realiza. “A própria humanização reali- za-se neste encontro com o outro, formando grupos, participando de comunidades, organizan-

117 KONZEN. Ética teológica... p. 95.

118 Essa dimensão se expressa de modo muito claro no cristianismo desde os tempos apostólicos. Em termos de teologia isso abrangeria todas as áreas de reflexão. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo (Eclesiologia); O Filho de Deus assumiu a natureza humana, se fez carne, tomando para si um corpo para remira a humanidade (Sotero- logia e Cristologia); A adesão a Cristo e entrada e a permanência efetiva da pessoa como membro desse Corpo Místico se dá por meio de ritos celebrados no corpo (Sacramentos e Liturgia); a implicação disso se traduziria num agir conforme os princípios dessa pertença a Cristo e ao seu Corpo (Teologia Moral); isso uma graça que deve ser do conhecimento de todos (Missão) e onde, for preciso, mostrar na prática o Deus salvador do corpo (Pastoral).

119 SILVA, Paulo Cesar. A pessoa em Karol Wojtyla, uma introdução à sua leitura. 6ª ed. Aparecida: Santuário, 2000. p. 101.

120 KONZEN. Ética teológica... p. 92. 121 RUBIO. Unidade na pluralidade. p. 311.

do a sociedade”122. Dentro dessa comunidade ou grupo social, seja qual for, se faz presente elementos de relação comum ao grupo, tais são: língua, costumes, tradições, regras, formas culturais e etc. Simplesmente são instrumentos de convivência necessários para sobreviver em comunidade.

Para conviver, isto é, para poder suprir suas necessidades sociais, cada in- dividuo precisa contar consigo mesmo e com os outros indivíduos. Para ser um in- divíduo, o homem tem de fazer algo consigo mesmo, lidar com os elementos que o compõem individualmente123.

Como os elementos comunitários exercem função coercitiva sobre cada membro da comunidade, muitas são as formas práticas manifestadas no cotidiano da pessoa e, obrigatori- amente, deve a elas aderir para se relacionar.

Quanto ao relacionamento com as coisas se sabe que desde os tempos mais remotos o homem desenvolveu a prática de poder contar com elas. Para a antropologia teológica isso foi dom de Deus colocado na natureza humana desde a criação (cf. Gn 1,28), pois “é verdade que a pessoa humana, imagem de Deus, é chamada a trabalhar o mundo para transformá-lo em morada digna dos homens”124. Isso não exclui a origem do trabalho, do ponto de vista da antropologia cultural, como fruto do desenvolvimento da consciência de si e da necessidade de sobreviver.

Para sobreviver, isto é, para suprir necessidades biológicas, cada indiví- duo precisa contar com o mundo material. As atividades de manutenção e de repro- dução da vida obrigam cada indivíduo a lidar, a ter de fazer algo, utilizando-se da realidade material ao seu redor. O mundo material é um dos polos da atividade do homem, pois o atrai, polariza a atividade do indivíduo para si125

Ao ser aplicado isso ao ensinamento do Magistério sobre a relação fé e razão126 no- tar-se-á confluências de ambas as teorias. As coisas existem e estão à disposição do homem,

122 AGOSTINI, Nilo. Introdução à Teologia Moral. 3ªed. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 112. 123 SANTOS. Ética, caminhos para... 29.

124 RUBIO. Unidade na pluralidade. p. 310. 125 SANTOS. Ética, caminho para... p. 29.

126 Referente a relação fé e razão a Igreja expressou por meio do Magistério do Papa São João Paulo II na carta encíclica Fides et Ratio a importância destas duas ordens de conhecimento para o homem. Ambas provêm de Deus, são distintas, porém não se contradizem e conduzem o homem à verdade.

ele as manipula, delas faz uso para si em função do outro e de toda comunidade. Usar das coisas representa uma questão de sobrevivência para o indivíduo e comunidade.

A respeito do relacionamento consigo mesmo seria uma incógnita se o homem, ser de relação, mantivesse contato com todas essas realidades externas e não se voltasse para si, pois, “a pessoa deve estar centrada em si própria, orientada para a própria interioridade”127. Portanto, o homem naturalmente deve relacionar-se consigo mesmo. Faz parte o homem se ver e se perceber. Desde cedo a criança começa a se descobrir. Nos primeiros meses de vida de uma criança é notável como gradativamente ela começa a se autorrelacionar. Ela se toca, se vê, brinca com seus membros e etc. Tudo isso é um sinal instintivo das faculdades ainda em fase germinal da condição do homem de estar voltado para si.

Naturalmente, essas dimensões envolventes da situação relacional do ser humano, se vividas e praticadas de forma genuína, isto é, sem a corrupção viciosa, tendem levá-lo ao bem próprio e ao exercício do mesmo em favor da comunidade. Todavia, a deterioração traz male- fícios terríveis para si e para todos da realidade que o cercam128.